Lives de Ciência

Veja calendário das lives de ciência.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Pesquisa "Visão do Brasileiro sobre Ciência, Sociedade e Tecnologia" - Segunda Parcial

Segunda parcial da Pesquisa "Visão do Brasileiro sobre Ciência, Sociedade e Tecnologia".

De 140 respostas, 29% são do sexo feminino. Um ligeiro incremento relativo desde a primeira parcial. A idade média não se alterou: 33 anos com desvio padrão de 9.
5% da região N; 6% NE; 7% CO; 54% SE; 24% S e 4% do exterior.

Queria pedir colaboração aos leitores do blogue. Se ainda não respondeu, por favor, deixe sua opinião no formulário da pesquisa. Se já respondeu, por favor, ajude a divulgar a pesquisa: peça para seu vizinho, sua colega de trabalho, seus conhecidos, parentes, amigos da pelada de fim de semana, amigas do bridge de sexta à noite, inimigos, alunos, companheiros do sindicato, irmãos de igreja, participantes da reunião do condomínio.

Claro que será impossível cobrir proporcionalmente todos os setores censitários do país dada a natureza da pesquisa - um forte viés de autosseleção estará inevitavelmente presente. Mas espero ser possível diminuir a subrepresentação de alguns grupos importantes.

Se você tem um blogue ou sítios web, de qualquer tema, também pode colaborar divulgando a pesquisa (e poderá também traçar o perfil de seu público visitante). Mesmo se não tiver, pode espalhar entre seus amigos e incentivá-los a responder.

Abaixo a lista de colaboradores na divulgação até o momento:
DAELT - Departamento Acadêmico de Eletrotécnica - UTFPR
Rabiscos Aleatórios - Álvaro Augusto
Plantando Genes - Rafael Tavares
Carlos Orsi
O Telhado de Vidro - Daniel Bezerra
Dragões na Garagem
Ciência & Sociedade - Museu da Vida
Uma Malla pelo Mundo - Lúcia Malla

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Santo nome

Outra compilação temática do Gene Repórter (e oportunista).

Fonte: Wikimedia Commons.
Falcão-peregrino (Falco peregrinus). Ave de rapina de distribuição mundial (exceto pela Antártica), em velocidade de mergulho, pode chegar a 390 km/h, o que faz dela o animal mais veloz conhecido.
Fonte: Wikimedia Commons.



Tubarão-peregrino (Cetorhinus maximus). Também chamado de tubarão-elefante, é o segundo maior peixe do mundo, perde apenas para o tubarão-baleia e, como ele, também é um filtrador de plâncton.

Lagarto-jesus-cristo (Basiliscus basiliscus). Conhecido ainda como basilisco comum, é bastante famoso por correr apoiado nas suas patas traseiras sobre a superfície da água. É encontrado da América Central até o norte da América do Sul.


Fonte: Wikimedia Commons.
Ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata). É um cacto com folhas desenvolvidas. Usada como cerca-viva e ornamentação, suas folhas mucilaginosas também são usadas na culinária como hortaliça, é nativa da América - sua distribuição vai desde a Flórida até o Sudeste brasileiro.


Fonte: Wikimedia Commons.
Cardeal (Paroaria spp.). Várias espécies de aves de topete eriçado e cabeça vermelha. Distribui-se pela América, dos EUA à Argentina.

Fonte: Wikimedia Commons.
Arcebispo (Euplectes afer). Também chamado de cardeal-tecelão-amarelo ou bispo-de-coroa-amarela. Distribui-se por toda a África subsaariana e é introduzida em várias outras partes do mundo como Japão e Jamaica.

Fonte: Wikimedia Commons.
Bispo (Euplectes spp.). Aves gregárias que se distribuem entre a África e a Eurásia em 17 espécies conhecidas.

Fonte: Wikimedia Commons.
Frade (Anisotremus virginicus). Peixe chamado ainda de roncador-listado-americano, salema-branca, mercador e sambuari, encontrado ao longo da costa tropical atlântica da América. Destaca-se por listas horizontais azuis e amarelas alternadas.

Fonte: Wikimedia Commons.
Cervo-do-padre-david (Elaphurus davidianus). Veado raro originário da China. Atualmente encontra-se extinto no meio natural, havendo exemplares apenas em cativeiro.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Belo e estranho mundo 2 - a árvore que engoliu uma bicicleta

Em janeiro deste ano, vários sítios web de notícia divulgaram a história de que uma bicicleta esquecida na mata em Vashon, no estado de Washington, EUA, junto a uma árvore por várias décadas, acabou incorporada à planta a medida em que esta crescia. (Fig. 1.)

Bicycle Swallowed by Tree in Washington State
Helen Puz Finds Bicycle She Lost Over 50 Years Ago Swallowed By Tree
60 years later, a tree has successfully eaten this bike

Um hoax se desenvolveu a partir disso de que seria uma bicicleta de um garoto que morreu durante a Primeira Guerra. Sítios web de análise de lendas urbanas, como o e-farsas e o Snopes, refutaram esse boato, mas corroboram que é mesmo uma bicicleta incrustrada naturalmente na árvore. Será mesmo?

a)
b)
Figura 1. a) Bicicleta "incrustrada" em árvore em Vashon/WA/EUA. Fonte: Callista1172/Flickrb) Detalhe da roda traseira da bicicleta na árvore. Fonte: Sea turtle/Flickr.

Um problema é que árvores crescem verticalmente a partir de meristemas (conjunto de células indiferenciadas que dão origem aos demais tecidos e órgãos vegetais) apicais de seu caule (Fig. 2). Se a bicicleta tivesse sido encostada ou acorrentada à árvore, naturalmente, teria sido na altura do solo. Quando a árvore crescesse, a bicicleta não seria erguida. Uma possibilidade é que alguém quis fazer uma brincadeira e a pendurou em um ramo - a bicicleta está perto de uma ramificação.

Figura 2. Crescimento de plantas vasculares lenhosas. Os meristemas nas gemas (apical e lateral) e na ponta das raízes promovem o crescimento longitudinal das plantas a partir das extremidades. Os tecidos meristemáticos do câmbio vascular e do felogênio (câmbio da casca) produzem o crescimento em espessura do caule e da raiz. Fontes: Esquema do crescimento do caule: Wikimedia Commons; corte longitudinal da gema: Blueridgekitties/Flickr; corte transversal da raiz: Wikimedia Commons; esquema da porção distal da raiz: Wikimedia Commons; corte longitudinal do ápice da raiz: Wikimedia Commons.

Mas temos ainda outro aspecto que não está muito de acordo com o modo de crescimento de uma árvore. De fato, há vários casos em que um objeto é "incorporado" no tronco quando o vegetal cresce - porém, surge uma "cicatriz" (Fig. 3). Isso porque a massa da árvore não absorve o objeto, e, sim, cresce em sua volta, envolvendo-o, mas sem haver fusão do tecido (Fig. 4). No caso da bicicleta, não há um sinal claro de tal cicatriz.


a)  b) 
c)     d)
e)  f) 
Figura 3. Cicatriz de crescimento de tronco ao redor de objeto. a) Fonte: Adam Clarke/Flickrb)  Fonte: Kate Mereand-Sinha/Flickr. c) Fonte: Mjtmail/Flickr. d) Fonte: Mary J.I./Flickr. e) Fonte: Arsheffield/Flickr. f) Fonte: Redspotted/Flickr.


Figura 4. Diagrama esquemático de corte transversal de crescimento de troncos entremeados. Observe que nas áreas de contato, o crescimento posterior é inibido. Modificado de: Landmark Trees of Ontario/Facebook.

Observamos também características suspeitas no modo como a roda traseira "sai" do tronco. A roda está amassada na parte junto à árvore, acompanhando a curvatura externa do tronco, em vez de estar incrustada em sua forma mais ou menos circular.

Em uma foto da árvore na qual parte da casca está removida, observamos escorrimento de resina a partir do ponto de inserção da parte anterior do quadro e do pedal. Isso, novamente, está em desacordo com o que deveria ocorrer com um crescimento do tronco ao redor do objeto: canais resiníferos não haveriam de ser rompidos.

Parece ser mais o caso de uma intervenção humana com uma bicicleta cortada em dois e cada metade encravada em um buraco natural ou cavado no tronco. (Na verdade, cortada em três - com descarte da porção do meio.) Seja como for, infelizmente a atração vem sendo vítima de depredação - o guidão, a roda dianteira e o garfo já desapareceram, o pneu traseiro vem sendo cortado pouco a pouco.

Há um outro caso alegado de bicicleta incorporada em uma árvore, na vila de Brig o’Turk, na Escócia. A posição do veículo é ainda mais inusitada - quase na vertical (Fig. 5).

Figura 5. Bicicleta 'incrustrada" em árvore em Brig O'Turk, Escócia, RU. Fonte: Forestry Commission, Scotland.

Nas fotografias dos detalhes também não aparenta exibir uma cicatriz óbvia e aparenta um certo desalinhamento entre as partes - o guidão sai de um ponto fora da reta projetada da porção do quadro onde a roda traseira deveria se ligar. Mas isso poderia ser pela entortadura do quadro com o crescimento do tronco. Há, porém, outras peças metálicas que não parecem ser componentes de bicicleta. Também se assemelha mais a uma situação em que pedaços separados de metais foram cravados na árvore, em vez de terem sido apenas dependuradas nela e posteriormente "absorvidas".

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Passando a borracha... Munições de elastômero. Parte 2: Neurofisiologia

ResearchBlogging.orgNa postagem anterior, discuti um pouco os aspectos físicos envolvidos na ação da bala de borracha. Nesta parte final, apresento os detalhes neurofisiológicos do impacto de um projétil de elastômero no corpo humano.

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A sensação de dor é codificada por fibras nervosas do tipo Aδ e C com terminais livres na região cutânea e subcutânea - o limiar de disparo dos receptores mecânicos de dor é muito mais alto do que a de mecanorreceptores táteis também presentes na pele (Purves et al. 2001).

Os detalhes moleculares da transdução do estímulo mecânico doloroso em sinais elétricos da dor não são bem conhecidos (Eilers & Schumacher 2005). Baseando-se em modelos invertebrados e bacterianos, dois grandes modelos de transdução molecular são propostos: um processo mecanoquímico e um sistema de controle mecânico de abertura de canais (Julius & Basaum 2001).

No mecanoquímico, células sob pressão ou em tecidos mecanicamente deformados liberariam sinais químicos (como ATP) para o meio extracelular. Receptores nos terminais nervosos livres ligar-se-iam a esses compostos e disparariam ondas de despolarização da membrana (Fig 1a). No sistema de controle mecânico de abertura, canais iônicos de membrana teriam porções proteicas ligadas fisicamente ao meio extracelular e ao citoesqueleto - a movimentação causada pelo estímulo mecânico tensionaria as proteínas abrindo o canal (Fig. 1b) - alternativamente, alteração da forma ou volume da célula criaria uma tensão horizontal na membrana celular, levando à abertura do canal (Fig. 1c).

Figura 1. Mecanismos de transdução de estímulos mecânicos nocivos. a) sistema mecanoquímico - quando submetidas à pressão ou deformação, células da pele liberam sinais químicos (ligantes) no meio extracelular, os sinais ligam-se a canais de membrana dos terminais nervosos livres, abrindo o canal: o processo de liberação do sinal químico pode ser como em (b) ou (c); b) sistema mecânico com ancoragem física de canais de membrana a elementos da matriz extracelular: deformação do tecido desloca da matriz extracelular, provocando a abertura do canal iônico; c) sistema mecânico por distensão da membrana celular: deformação ou alteração da curvatura da membrana celular abre os canais iônicos. Modificado de Julius & Basaum 2001.

Com o impacto do projétil, o processo de transdução produz a despolarização da membrana e o disparo do sinal nos neurônios nociceptores. As fibras conduzem o sinal até o gânglio dorsal da medula. De lá sobe até as vias superiores, onde é processado como sinal doloroso (Fig. 2). Na medula, o sinal dispara um arco reflexo que afasta a parte do corpo da fonte do estímulo.

Figura 2. Via de processamento de sinais dolorosos. Fonte: Etherpedia - Post-Operativa Pain.


A lesão do tecido libera também sinais químicos como ATP, adenosina, prótons, bradicinina, e, via células do sistema imunológico recrutadas ao local, histamina, serotonina, interleucinas, NGFs (fatores neurotróficos), etc. que disparam o processo inflamatório. Vários desses compostos - como os prótons - ativam vias de nocicepção química, incluindo os canais VR1, o que proporciona a sensação de ardência da laceração da pele. (Scholz & Woolf 2002; Basbaum et al. 2009.)

Prostaglandinas e bradicininas ligam-se a receptores associados à proteína G. A ativação desta leva a uma cascata que aciona as cinases de proteína, que fosforilam canais de membrana, isso resulta na diminuição do limiar de disparo: a região inflamada passa a ter uma maior sensibilidade e estímulos que antes não causavam nenhum incômodo passam a ser percebidos como dolorosos. (Scholz & Woolf 2002; Basbaum et al. 2009.)

Mesmo não havendo uma laceração da pele, vasos periféricos podem ser danificados, havendo vazamento e acúmulo de sangue no local formando o hematoma. Pode ainda ocorrer a formação de hematomas em tecidos profundos.

Interpreta-se a dor como um mecanismo adaptativo. A dor aguda chama a atenção para a fonte do estímulo nocivo - o reflexo prontamente afastando a parte do corpo da fonte e o processamento superior associando emoções negativas e eliciando respostas mais complexas, como fuga da fonte ou ataque contra ela, bem como a geração de memória que evite experiências similares no futuro. Em havendo lesão, a dor subcrônica ocasionada protege a região afetada, evitando o indivíduo que a área seja tocada enquanto ocorre o processo natural de reparo. (Scholz & Woolf 2002.)

Referências
Basbaum AI, Bautista DM, Scherrer G, & Julius D (2009). Cellular and molecular mechanisms of pain Cell, 139 (2), 267-284 DOI: 10.1016/j.cell.2009.09.028

Eilers H, Schumacher MA. 2005 Mechanosensitivity of Primary Afferent Nociceptors in the Pain Pathway. In: Kamkin A, Kiseleva I, editors. Mechanosensitivity in Cells and Tissues. Moscow: Academia.

Julius, D, & Basbaum, AI (2001). Molecular mechanisms of nociception Nature, 413, 203-210 DOI: 10.1038/35093019

Purves D; Augustine GJ; Fitzpatrick D et al. (eds.) 2001. Nociceptors. In Neuroscience 2nd. ed. Sunderland (MA): Sinauer Associates.

Scholz, J., & Woolf, C.J. (2002). Can we conquer pain? Nature Neuroscience, 5, 1062-1067 DOI: 10.1038/nn942

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Dia Nacional da Ciência - o que temos a comemorar e o que havemos de esperar?

Hoje, 8 de julho, comemoramos o Dia Nacional da Ciência (instituída pela Lei 10.221/2001).

A data foi criada para celebrar o 50o aniversário da SBPC (o projeto de lei é de 1998):
"Como a fundação da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência se deu no dia 8 de julho e sendo esta entidade um marco de referência da ciência no Brasil, acolhendo sugestão de sua Assembléia Geral, apresentamos o presente projeto de Lei, que por sua relevância, estamos cenas de encontrar apoio em nossos pares para sua aprovação."

E, neste mês, em sua 65a. reunião anual, a entidade discutirá a "Ciência para o Novo Brasil".

Que Ciência emergirá desse "novo" Brasil? Há um "novo" Brasil?

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Por enquanto a Ciência brasileira tem ficado um tanto à mercê de vicissitudes econômicas. Depois de dois anos de cortes duros, quando se reduziu o valor orçamentário de R$ 8,9 bi em 2010 para R$ 5,2 bi em 2012 (o valor efetivamente realizado em 2012 foi maior, com liberação de verbas ao longo do ano, totalizando R$ 8,8 bi), este ano o MCTI teve uma trégua não sendo vítima do contingenciamento de R$ 28 bi anunciado pelo governo federal - o valor anunciado de 2013 para a pasta foi de R$ 10,2 bi.
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Entre 2005 e 2010, o país investiu em média, 1,1% do PIB em Ciência e Tecnologia. Atrás apenas da Federação Russa (1,3%) entre os países com IDH alto e bem acima da média do grupo: 0,47±0,36%. E dentro da média de paises com IDH muito alto: 1,78±1,07%.
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55.047 doutores e mestres foram formados em 2011. Contra 13.219 em 1996. Com 695,7 pesquisadores por milhão de habitantes está dentro da média dos países de IDH alto: 661,1±732,5. E bem abaixo da média dos países de IDH muito alto: 3.352,6±1.849,5
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Em 2011, o país publicou 49.664 artigos científicos, ficando entre os 15 maiores produtores. Compare-se com 13.846 trabalhos em 2001, 3.755 em 1991 e 1.924 em 1981. Ainda há discussões a respeito da qualidade, no entanto. Embora seja um fator de muito difícil avaliação.
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De modo não surpreendente, mas contraditório com as opiniões declaradas dos brasileiros, o financiamento de Ciências é um tema essencialmente ausente nos recentes protestos que pedem mais verbas e recursos pra saúde, educação, transporte/mobilidade urbana, segurança... Em 2010 (antes dos cortes orçamentários, portanto), 68% dos brasileiros concordavam que o governo deveria aumentar os recursos pras ciências; mesmo que os manifestantes não representem a totalidade da população - são em sua maioria jovens universitários da classe média tradicional urbana -, representam um recorte em que provavelmente há apoio substancial para um maior investimento em ciências.
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Um projeto bastante ousado implementado pelo governo federal é o Ciência sem Fronteiras. Focado em engenharia, TI, saúde e energia, o programa atende às expectativas de áreas prioritárias dos brasileiros. Infelizmente tem havido problemas como atrasos de bolsas e questionamentos sobre contabilização de benefícios
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O panorama geral é que há avanços e avanços substanciais nas últimas décadas, mas ainda figuramos em posição intermediária nos indicadores. As atitudes da população em relação às ciências são positivas; no entanto, essas atitudes ainda não se convertem em engajamento.

O novo Brasil que se desenha, de acordo com indicadores socioeconômicos, é mais rico, mais escolarizado e menos desigual, mas também mais obeso e envelhecido, mais urbanizado. Se tem algo que estudos comparativos entre atitudes sobre ciências e desenvolvimento socioeconômico indicam é que maior desenvolvimento econômico acaba correlacionado com atitudes *menos* positivas em relação às ciências.

Possivelmente estamos em uma janela não apenas do bônus populacional (ou bônus demográfico) - apesar de opiniões em contrário - , mas também de bônus atitudinal. Precisamos aproveitá-lo para converter em engajamento com efetivo suporte às ciências: de modo que possamos desenvolver uma "nova" ciência que atenda às demandas futuras desse novo Brasil (maior incidência de doenças cardiovasculares e crônicas associadas à velhice, problemas ambientais e de geração de energia, planejamento urbano e mobilidade, preenchimento de vagas em ocupações de menor especialização, estruturas de telecomunicações, etc...)

Passando a borracha... Munições de elastômero. Parte 1: Física

ResearchBlogging.orgA munição de elastômero, popularmente conhecida como bala de borracha, pertence à classe de munições de impacto controlado (junto com projéteis e balins de plástico e "bean bags") "não-letais, antipessoais e restrição física". Possui várias apresentações e formatos - podem ser balins dentro de cartuchos de plástico ou tarugo único; projéteis de borracha maciça ou com núcleo metálico... calibre 38, 9mm, 40 mm; o tamanho mais comumente utilizado (especialmente no Brasil) é o calibre 12.

Segundo manual da Polícia Federal, "[s]eu emprego visa à intimidação psicológica do agressor, preservando uma distância de segurança entre este e o vigilante"; uso similar é preconizado pela Polícia Militar do Espírito Santo "[u]tilizadas principalmente pelo atirador, carregadas com munições de elastômero, a fim de assegurar que manifestantes ou detentos rebelados não se aproximem da tropa". Não deve ser, portanto, empregada para simplesmente dispersar a multidão (ou para proteção patrimonial). Não rara vez, no entanto, é utilizada exatamente para debandada de pessoas agrupadas (ou para impedir invasão de prédios públicos).

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O elastômero é um polímero elástico. Sendo um dos mais comumente empregados em munições a borracha butílica: um copolímero de isobutileno e isopreno (IIR) (Fig. 1).


Figura 1. Fórmula molecular de borracha butílica IIR (copolímero de isobutileno e isopreno). Fonte: Wikimedia Commons.

Por meio da vulcanização, formam-se ligações covalentes esparsas entre as longas cadeias do polímero. Em seu estado normal, as cadeias da borracha se enovelam por meio de interações eletrostáticas, adquirindo uma configuração compacta (Fig. 2a). Quando submetida à tensão, essas interações eletrostáticas se rompem e as moléculas se alinham - permitindo o estiramento da borracha no sentido das forças (Fig. 2b). Assim que a tensão é liberada, as cadeias tornam a se enovelar. Quando forças de compressão são aplicadas à borracha, criam-se tensões nas ligações intramoleculares à medida em que a cadeia se dobra - essa tensão permite a recomposição do formato da borracha quando as forças compressivas desaparecem. Se houver microbolhas de ar na textura da borracha, elas também podem se deformar e acumular pressão, que também auxilia no retorno da forma do composto após a liberação da força compressiva.

Figura 2. a) Configuração compacta da borracha. b) Configuração estirada. Fonte: Wikimedia Commons.

Ao atingir uma superfície dura, como pavimento asfáltico, a força de impacto deforma a munição de elastômero, acumulando parte da energia cinética do projétil. Essa energia é liberada ao fim do processo de impacto, acelerando o projétil à medida em que a bala readquire sua forma normal. Parte da energia é dissipada no choque, na forma de calor e ondas mecânicas (som e tremulação do solo) e na quebra de ligações covalentes da borracha - fragmentos podem ficar retidos no local do impacto e alguma deformação permanente pode ocorrer.

A elasticidade do projétil de borracha produz um amortecimento do impacto - prolongando o período de transferência de momento e diminuindo a força média de interação. A deformação também permite um aumento da superfície de contato, reduzindo a pressão.

Dessa forma, uma bala de elastômero tem um menor potencial de dano em comparação a uma munição rígida metálica. Mas será mesmo não-letal?

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Considerando-se uma energia de dissociação da ligação C-C de 348 kJ/mol, uma massa molar de 150.000 g/mol do colágeno, uma espessura cutânea média de 1,2 mm, densidade cutânea de 1,09 g/cm3 e uma composição de 60% de água; a energia necessária para romper todas as moléculas de colágeno em uma área de 1 mm2 da pele seria de cerca de 0,001 J. Considerando-se uma dissipação esférica, um projétil a atingir a superfície com uma densidade energética de 0,1 J/mm2 seria o suficiente para penetrar 1 cm - a depender da região atingida, seria o suficiente para danificar órgãos internos.

Um projétil de 19 g atingindo um alvo a uma velocidade final 137 m/s quando disparado de 20 m de distância tem uma energia cinética de 178,3 J (caso do principal projétil de tarugo único utilizado pelas forças policiais no país). Com 18,5 mm de diâmetro (calibre 12), isso representa uma densidade energética de 0,083 J/mm2. Mais do que o suficiente para lacerar a pele e muito próximo de valores suficientes para atingir órgãos internos. Com não pouca frequência são disparadas a distâncias muito menores, a despeito de recomendações em contrário.

O tecido adiposo subcutâneo na região abdominal varia de 1,5 mm a 18 mm em espessura em pessoas normais (chegando a 70 mm em pessoas obesas) (Lancerotto et al 2011). A parede muscular abdominal tem uma espessura média total de 20 mm (Whittaker et al. 2013). A parede torácica tem uma espessura entre 30 e 60 mm (Britten & Palmer 1996) e uma média de 42,4 mm (Givens et al. 2004). Seria necessário algo como 2 J/mm2 ao se atingir a superfície do corpo para se penetrar 4 cm: 23 vezes o valor da densidade energética, nas condições de uso especificadas pelo fabricante, do projétil de elastômero de uso mais comum no Brasil. Mesmo assim há casos de ferimentos internos graves ocasionados pelo impacto de balas de borrachas nessas áreas. Pelo menos um caso resultou em perfuração torácica; os tipos mais comuns de lesões no tórax são fraturas das costelas, contusão pulmonar, pneumotórax; podendo ocorrer lesões no coração (Rezende-Neto et al. 2009).

A espessura do tecido mole externo na cabeça de um indivíduo adulto varia de acordo com a etnia e a região. Na região supraorbital pode ir de 3,6 mm a 8,25 mm; na região maxilar (acima do segundo molar), de 12,3 mm a 22 mm. (Phillips & Smuts 1996.) Considerando-se uma densidade de energia de fratura de 1.700 J/m2 para ossos (0,0017 J/mm2) e uma espessura craniana entre 16,1 e 20,2 mm (Ross et al. 1976), um projétil com densidade energética de 0,67 J/mm2 poderia atingir o cérebro. É um valor 8 vezes maior do que o de condições especificadas pelo fabricante. Porém em outras regiões, os ossos são mais finos e há registro de penetração de projétil - como uma bala de borracha alojada no sino etmoidal (Gross et al. 2005); além de danos ao globo ocular (Lavy & Asleh 2003).

Em um estudo de 90 casos de ferimentos a munição de elastômero no Reino Unido (principalmente da ação da polícia britânicado exército britânico* contra manifestantes norte-irlandeses), 41 necessitaram internação, 17 resultaram em deformidades e deficiências permanentes, e 1, em morte (Millar et al 2005). Outro, com 152 palestinos atingidos pelas forças israelenses; 39 apresentaram perfurações, houve 3 mortes - 2 por penetração da bala até o cérebro com a perfuração do olho e 1 durante cirurgia do ferimento no joelho; dos 201 ferimentos, 73 foram nos membros; 61, na cabeça e no pescoço; 39, no peito; 16, nas costas e 12 no abdômen (Mahajna et al. 2002).

As recomendações de uso nos manuais das forças brasileiras de segurança são de mirar na região das pernas, ainda assim várias pessoas são feridas na região do baixo ventre, tórax e cabeça - algumas por projéteis ricocheteados ou por falta de precisão da munição (particularmente os balins), outras por simplesmente o atirador, contrariamente às recomendações, mirar nas porções superiores do corpo.
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Referências
Britten S, & Palmer SH (1996). Chest wall thickness may limit adequate drainage of tension pneumothorax by needle thoracocentesis. Journal of accident & emergency medicine, 13 (6), 426-7 PMID: 8947807

Givens ML, Ayotte K, & Manifold C (2004). Needle thoracostomy: implications of computed tomography chest wall thickness. Academic emergency medicine : official journal of the Society for Academic Emergency Medicine, 11 (2), 211-3 PMID: 14759970

Gross M, Regev E, Hamdan K, & Eliashar R (2005). Penetrating rubber bullet into the ethmoid sinus: should the bullet be removed? Otolaryngology--head and neck surgery : official journal of American Academy of Otolaryngology-Head and Neck Surgery, 133 (5), 814-6 PMID: 16274819

Lancerotto L, Stecco C, Macchi V, Porzionato A, Stecco A, & De Caro R (2011). Layers of the abdominal wall: anatomical investigation of subcutaneous tissue and superficial fascia. Surgical and radiologic anatomy : SRA, 33 (10), 835-42 PMID: 21212951

Lavy T, & Asleh SA (2003). Ocular rubber bullet injuries. Eye (London, England), 17 (7), 821-4 PMID: 14528243

Mahajna A, Aboud N, Harbaji I, Agbaria A, Lankovsky Z, Michaelson M, Fisher D, & Krausz MM (2002). Blunt and penetrating injuries caused by rubber bullets during the Israeli-Arab conflict in October, 2000: a retrospective study. Lancet, 359 (9320), 1795-800 PMID: 12044373

Millar R, Rutherford WH, Johnson S, & Malhotra VJ (1975). Injuries caused by rubber bullets: a report on 90 patients. The British journal of surgery, 62 (6), 480-6 PMID: 1148650

Phillips, V.M., & Smuts, N.A. (1996). Facial reconstruction: utilization of computerized tomography to measure facial tissue thickness in a mixed racial population Forensic Science International, 83, 51-59 DOI: 10.1016/0379-0738(96)02010-5

Rezende-Neto J, Silva FD, Porto LB, Teixeira LC, Tien H, & Rizoli SB (2009). Penetrating injury to the chest by an attenuated energy projectile: a case report and literature review of thoracic injuries caused by "less-lethal" munitions. World journal of emergency surgery : WJES, 4 PMID: 19555511

Ross MD, Lee KA, & Castle WM (1976). Skull thickness of Black and White races. South African medical journal = Suid-Afrikaanse tydskrif vir geneeskunde, 50 (16), 635-8 PMID: 1224277

Whittaker JL, Warner MB, & Stokes M (2013). Comparison of the sonographic features of the abdominal wall muscles and connective tissues in individuals with and without lumbopelvic pain. The Journal of orthopaedic and sports physical therapy, 43 (1), 11-9 PMID: 23160368


*Upideite(09/jul/2013): corrigido a esta data.

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