Lives de Ciência

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segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Comboio de cordas que se chama evolução: a origem de nossa notocorda

Por algum motivo a imprensa brasileira parece ter comido bola. É um trabalho certamente de grande relevância no nosso entendimento da evolução dos vertebrados e seus parentes próximos, os cordados (e também dos outros bilatérios - animais que primitivamente apresentam uma simetria bilateral: mesmo que alguns, como a estrela do mar, tenham perdido ao longo da evolução).

Pelo menos eu não fui capaz de encontrar menção ao estudo de Lauri et al. 2014 sobre o desenvolvimento de Platynereis dumerilii publicado na Science.

O princípio é simples: em nós e nossos parentes cordados, durante o desenvolvimento, surge uma estrutura rígida de sustentação - chamada de notocorda (e daí o nome de cordados ao grupo que inclui os vertebrados, o anfioxo e alguns outros). Em nós, vertebrados, a notocorda é substituída pela coluna vertebral; no anfioxo, ela persiste durante a vida adulta. Nos animais como moluscos, insetos, nemátodos, minhocas, estrelas do mar e outros, essa estrutura não está presente.

O que os pesquisadores da EMBL (Laboratório Europeu de Biologia Molecular), da Janelia Farm Research Campus e da Universidade de Heidelberg fizeram foi pegar os genes que estão ativos nas células que dão origem à notocorda no cordados e verificar sua atividade na larva de um invertebrado sem notocorda - um poliqueto marinho (parente próximo da minhoca) chamado P. dumerilli.

O resultado é que o mesmo conjunto de genes (10 dos 11 utilizados no estudo) estavam ativos e em posição similar - no eixo longitudinal entre o cordão nervoso e a aorta. No caso do poliqueto, esse eixo é formado por células musculares dispostas ao longo do comprimento que secretam uma matriz extracelular de colágeno. E elas são fundamentais para a locomoção do organismos - se danificadas por um pulso de laser, o animal não é mais capaz de nadar. Como formavam um eixo e parecem ser homólogos (estruturas evolutivamente afins) com a notocorda, ele foi chamado de axocorda.

Os autores buscaram, então, se o mesmo padrão estava presente em outros invertebrados não-cordados. Bingo!

No quetognato Sagitta, e no quítão (molusco) Lepidochiton também identificaram uma axocorda muscular. Na drosófila, representante dos artrópodos, há uma linha média formada por células gliais. A interpretação é que entre os protostômios (grupo que abarca esses organismos), a axocorda é uma característica presente no ancestral em comum - e na linha que deu origem ao artrópodos, a natureza muscular foi perdida.

No paulistinha Danio, representante dos vertebrados, há uma notocorda não muscular; no cefalocordado Branchiostoma, o anfioxo, a notocorda é muscular; no hemicordado Saccoglossus há músculos longitudinais centrais; e na estrela do mar Asterias, membro dos equinodermos, não há nenhuma estrutura central contrátil. O padrão que emerge é que do lado dos deuterostômios, a condição ancestral é a presenta de uma estrutura central de natureza contrátil - muscular.

Ou seja, o ancestral dos bilatérios - grupo que engloba os protostômios e deuterostômios - haveria uma conjunto de células mesodérmicas que formariam um eixo central, contrátil, envolto por por uma capa secretada por essas células. A origem da notocorda pode ter se dado, especulam os autores, com a vacuolização dessas células e um maior enrijecimento da matriz extracelular - adquirindo uma natureza cartilaginosa.

Futuros estudos devem permitir determinar a condição ancestral nos equinodermos e nos ecdisozoários (grupo formado pelos artrópodos, nemátodos e parentes próximos). De todo modo, os resultados contribuem para o quadro de um urbilatério (hipotético ancestral em comum exclusivo dos bilatérios atuais) relativamente complexo: de corpo segmentado, olhos (simples), sistema nervoso com avançado grau de centralização (mas talvez ainda sem um cérebro).

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Há uma crise nos blogues brazucas de ciências? - 6

Cerca de um ano depois, uma nova rodada de textos produzidos acerca da putativa crise nos blogues brasileiros sobre ciências.

*Meghie Rodrigues A crise dos blogs de ciência no Brasil — and le qüiproquó goes on
*Wesley Santos Do Nano ao Macro E agora, Jorn Barger[1]? Sobre divulgação científica

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Em meados de 2009, num panorama mundial (ou ao menos anglófono), havia uma discussão de se os blogues de ciências (então em ascensão) poderiam vir a substituir o jornalismo científico tradicional (então em crise). Em 2014, dentro do panorama brasileiro, aparentemente, há uma crise tanto do jornalismo científico tradicional (uma crise que se arrasta desde pelo menos 2009, mas agudizado agora com o fim da editoria de ciências do Estadão - Herton Escobar agora atua apenas como freelancer; a Folha segue como um foco de resistência, mas, por exemplo, Claudio Angelo já não trabalha mais por lá), quanto dos blogues de ciências (nosso foco aqui).

Há uma crise nos blogues brazucas de ciências?
Há uma crise nos blogues brazucas de ciências? - 2
Há uma crise nos blogues brazucas de ciências? - 3
Há uma crise nos blogues brazucas de ciências? - 4
Há uma crise nos blogues brazucas de ciências? - 5
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Upideite(29/set/2014): No facebook, Roelf Cruz Rizzolo, do Coluna Ciência, comenta: "Roberto, o que noto é que a versão FB do blog da Coluna Ciência acaba sendo muito mais visualizada, apesar da superficialidade inerente ao veículo."

Roberto Berlinck, do antigo Quiprona, comenta na postagem do Nano ao Macro, e o Wesley Santos responde. Vale ver lá. Sim, neste caso não se aplica a lei zero da internet de não ler comentários.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Nem tudo o que doureja é lúzio 6

Uma rodada especial de gaiata ciência: o tema é "bloqueio criativo".

Dois artigos já haviam sido citados na segunda rodada.
Mas é praticamente uma subárea à parte da psicologia:

Tem até meta-análise:

Mas sempre tem aqueles que não sabem brincar:

domingo, 7 de setembro de 2014

Revista em quadrinhos é objeto de estudos de zoólogos

Reproduzo abaixo notícia que publiquei na seção de notícias da Com Ciência (publicação temática mensal do Labjor em parceria com a SBPC). Por algum motivo, o texto não está mais disponível no site.

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Revista em quadrinhos é objeto de estudos de zoólogos
Por Roberto Takata
22/07/2014
No lugar de caminhada no meio da floresta com redes e armadilhas, leitura minuciosa de páginas de gibi. Foi assim que os autores de A Zoologia de "Sete Soldados da Vitória": análise dos animais presentes na obra e sua possível utilização para fins didáticos coletaram seus dados para o estudo. Os pesquisadores fizeram o levantamento faunístico de “Sete Soldados da Vitória”, metassérie (conjunto de minisséries interligadas) em quadrinhos de Grant Morrison lançada em 2005 pela DC Comics e publicada no Brasil em 2007 pela Panini Comics. 

Cerca de metade das personagens, entre super-heróis, vilões, humanos comuns e até bichos de estimação, representam ou são baseadas em animais. Destes, 63% pertencem ao filo dos cordados – que inclui os vertebrados como nós – e 37%, protostômios – grupo ao qual pertencem os insetos, as aranhas, minhocas e moluscos. Como notam os autores no artigo, a presença no nosso cotidiano parece ser o principal fator determinante na presença nos quadrinhos: mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes, insetos e aranhas predominam –, em contraste com o número de espécies conhecidas em cada grupo. 

O trabalho, à primeira vista inusitado, faz parte da linha de pesquisa do grupo liderado pelo zoólogo Elidiomar Ribeiro da Silva, da Unirio, de facilitar o aprendizado de biologia com a inclusão de elementos da cultura pop, despertando, assim, o interesse dos alunos – uma das autoras do artigo, Tainá Ribeiro da Silva, é estudante do ensino médio. Ela é filha de Elidiomar, mas, mesmo havendo realizado outros trabalhos com o pai, esta foi sua primeira experiência na classificação de organismos. “Certamente me ajudou a ter uma noção mais ampla do assunto”, contou por email Tainá, ávida leitora de quadrinhos e fã de Batman. 

“Mesmo informações zoologicamente incorretas podem ser exploradas em sala de aula, com os devidos ajustes e correções”, escrevem os autores no artigo. Por exemplo, o desenho de uma “cabeça” de aranha em um dos quadros pode ser usado como gancho para falar da morfologia dos aracnídeos: em que não há uma cabeça e um tórax separados como em insetos, mas formam uma única estrutura fundida em um cefalotórax. As incorreções podem também ser base para atividades do tipo “encontre o erro”. 

Sete Soldados da Vitória

Cada uma das sete minisséries que compõem a obra gira em torno de um super-herói e pode ser lida de modo independente. Porém, um fio condutor une as histórias que convergem para a batalha final na qual os heróis salvam a humanidade de uma raça de seres vinda do futuro, os sheedas, e que controlam insetos e aranhas, utilizando-os como armas e montarias.
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Confira a íntegra da entrevista por email gentilmente cedida pela aluna Tainá Ribeiro da Silva, uma das autoras do estudo:

GR. Como foi sua participação no trabalho? Você quem pediu pra fazer, seu pai a convidou?
TS. Meu pai me chamou para participar, sendo que eu fiz parte de um outro projeto similar que focou na taxonomia de personagens baseados em aranhas. Nesse trabalho, eu o ajudei a fazer os cálculos estatísticos e também pesquisei sobre a origem de alguns personagens.

GR. O que achou da atividade?
TS. Foi complicado e demorado. Pra falar a verdade, tomou uma boa quantidade do meu tempo, mas eu realmente gostei de ver o resultado final!

GR. Você já tinha experiência em fazer classificação de organismos? A pesquisa a ajudou a desenvolver essa habilidade?
TS. Não tive experiência em fazer classificação de organismos antes desse trabalho, mas ele certamente me ajudou a ter uma noção mais ampla do assunto.

GR. Você gosta de quadrinhos? Se sim, quais? Gostou dessa obra que analisaram?
TS. Gosto de quadrinhos desde pequena! Meus pais sempre me encorajaram a ler, e eles mesmos adoram. Eu amo as séries do Batman e tenho gostado bastante dos Novos 52. Sobre “Sete Soldados da Vitória”, a história não chegou a chamar muito a minha atenção, porque é confusa e diferente de tudo que eu estou acostumada a ler. Tem vários personagens que eu desconheço, sobrando só a Zatanna. Não sei se posso dizer que gostei, mas não é ruim.

GR. Já tem alguma escolha profissional? Pretende fazer biologia?
TS. Certeza absoluta eu não tenho, mas tenho pensado bastante em fazer arquitetura. Biologia seria muito legal, mas eu não sinto que é ideal para mim.
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Agradecimentos:
Obviamente à estudante Tainá Ribeiro da Silva pela entrevista e ao Prof. Dr. Elidiomar Ribeiro da Silva pela autorização da entrevista. Às orientadoras Profa. Dra. Simone Pallone e Dra. Katlin Massirer.

Este trabalho foi produzido sob financiamento da Fapesp (Bolsa Mídia Ciência).

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Nem tudo que doureja é lúzio 5

Uma nova rodada de gaiata ciência.


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