Lives de Ciência

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quarta-feira, 25 de março de 2015

Mary Tsingou: O enigma matemático dos três homens e uma mulher

Muitos dos leitores do GR já devem estar cientes da descoberta de uma solução (parcial) para o problema Fermi-Pasta-Ulam.

Info 24/mar/2015: "Enigma matemático que durava mais de 60 anos é finalmente solucionado"
Ciências e Tecnologia 25/mar/2015: "Enigma de Fermi-Pasta-Ulam resolvido após 60 anos"
Phys.org 23/mar/2015: "Mathematicians solve 60-year-old problem"

Press release da Unviersidade de East Anglia s.d. "UEA mathematician solves 60-year-old problem"
Press release do Instituto Politécnico Rensselaer (RPI) 23/mar/2015: "A mathematical explanation for the Fermi-Pasta-Ulam system problem first proposed in 1953"

Artigo no PNAS 23/mar/2015: "Route to thermalization in the α-Fermi-Pasta-Ulam system"

Só a Info e o comunicado à imprensa do RPI mencionam a contribuição de Mary Tsingou na formulação original do problema.

Usando a base de dados do Google Acadêmico, a busca por "Fermi-Pasta-Ulam problem" e "Fermi-Pasta-Ulam-Tsingou problem" tem os resultados representados no gráfico abaixo (Fig.1).

Figura 1. Menções ao problema como de "Fermi-Pasta-Ulam" (FPU) ou de "Fermi-Pasta-Ulam-Tsingou" (FPUT) em artigos científicos por período. Fonte: Google Scholar.

Em 2008, o físico francês Thierry Dauxois da Escola Normal Superior em Lyon publicou um artigo que resgata a participação essencial de Mary Tsingou (depois, Mary Tsingou Menzel) na questão.

Embora o relatório original de 1955 leve a assinatura apenas de Enrico Fermi, físico italiano; John Pasta, físico computacional americano; Stanislaw Ulam, matemático americano de origem polonesa (então parte do Império Austro-Húngaro); Mary Tsingou fez boa parte do trabalho de elaboração do algoritmo e programação (Fig. 2) - uma tarefa nada trivial, nem um pouco fácil com os poucos recursos computacionais (mesmo em laboratório como Los Alamos, com seus famosos monstrengos adequadamente denominados "Mathematical Analyzer, Numerator, Integrator, and Computer", MANIAC para os íntimos) disponíveis.

Figura 2. Algoritmo desenvolvido por Mary Tsingou para abordagem computacional do problema de Fermi-Pasta-Ulam-Tsingou. Fonte: Dauxois 2008.

Dauxois faz um breve relato da vida de Tsingou. Nascida em Milwaukee, no estado americano de Wisconsin, em 1928, cresceria na América da Grande Depressão, mudando-se com a família para a Bulgária em 1936 atrás de melhores condições de vida. Mas em junho 1940, seguindo recomendação da embaixada americana, retornaram para os EUA devido ao aumento da tensão no subcontinente balcânico (a Segunda Guerra Mundial já corria solta na Europa Central; em outubro, a Grécia viria a ser invadida pela Itália).

Ela formou-se em 1951. No ano seguinte, buscou uma vaga em Los Alamos, contando com o apoio de uma professora sua de equações diferenciais avançadas. Mesmo a matemática sendo um campo ainda fechado às mulheres, a Guerra da Coreia provocava uma redução de mão de obra masculina, então, ela, juntamente com outros recém-graduados, foram contratados para fazerem cálculos matemáticos à mão.

Foi das primeiras pessoas a conseguirem programar o recém-construído MANIAC I. O principal uso do trambolho era, claro, relacionado ao desenvolvimento de armas, mas ocasionalmente encontravam brechas para utilizar o brinquedo para algo mais produtivo: resolução de problemas da Física e jogo de xadrez. Tsingou e Pasta foram os primeiros a desenvolverem gráficos no MANIAC.

Fermi, professor em Chicago, visitava Los Alamos apenas brevemente. Mas foi dele a ideia de utilizar o computador não apenas para realizar cálculos padrões, e, sim, também para testar hipóteses físicas. Nascia disso a experimentação numérica e a era das simulações computacionais científicas.

Com sua experiência na programação do computador, proximidade com Pasta e Ulam, foi incumbida a ela a tarefa de desenvolver os algoritmos da simulação de um cristal unidimensional - sem saber o resultado surpreendente que iriam obter.

Modelando os átomos como massas conectadas linearmente por molas que obedeciam à lei de Hooke, mas com um pequeno termo não-linear, observaram que, ao contrário do previsto, a energia não acabava sendo partilhada igualmente pelo sistema, mas o sistema, de tempos em tempos, voltava à sua condição original. A busca pela resolução desse paradoxo levou ao desenvolvimento do campo dos sólitons (ondas localizadas com propriedades de partículas) e o problema FPUT se tornou central também nos estudos sobre o caos.

Em 1955, Tsingou obteria seu mestrado. Em 1958, casou-se com com Joseph Menzel, que conheceu no próprio Los Alamos. Além do problema FPUT, ela também trabalhou com soluções numéricas para a equação de Schrödinger e trabalhou com von Neumann na modelagem de mistura de fluidos com densidades diferentes. Além de contribuir com estudos sobre o programa Guerra nas Estrelas da administração Reagan.

Aposentou-se em 1991 e desde então mora com o marido nos arredores de Los Alamos.

Por que, tendo papel tão essencial, Mary Tsingou foi deixada de lado? Poderia ser por, apesar de ter botado a mão na massa, não haver participado da elaboração do artigo. Mas ela participou da produção dos gráficos e Fermi, morto um ano antes, não tinha como colaborar com o manuscrito, porém foi listado como primeiro autor.

Não era a primeira vez que o efeito Matilda aprontava das suas, não seria a última. Talvez o caso mais famoso de uma mulher alijada do reconhecimento seja de Rosalind Franklin e sua contribuição para o desvendamento da estrutura do ADN - creditada, normalmente apenas a Watson e Crick, e, ocasionalmente a Wilkins também.

Em sua linha final, Dauxois propõe: "Let us refere from now on to the Fermi-Pasta-Ulam-Tsingou problem". ["Chamemos de agora em diante de problema Fermi-Pasta-Ulam-Tsingou"]. Alguns atenderam à convocação, mas são somente 15 trabalhos publicados desde então (e indexados na base do Google Acadêmico) referem-se a FPUT contra mais de 400 que citam apenas FPU.

domingo, 15 de março de 2015

Humor: Quantas pessoas havia na Avenida Paulista?

"Estimating the size of a crowd is a difficult business – even for those who actually want to get it right."

Diante da pequena divergência de números de manifestantes nas imediações da Avenida Paulista nos protestos de 15/mar/2015 entre a PM, que avaliou como 1 milhão de pessoas, e o Instituto Datafolha, que estimou em 210 mil indivíduos (veja detalhes da metodologia do Datafolha - cuidado! contém paywall poroso), fica a pergunta: afinal, quantas pessoas estavam na Paulista?

Provavelmente nunca saberemos ao certo, mas o Instituto GR de Pseudopesquisas convocou especialistas de várias áreas para darem seus palpites de como medir.

Ecólogo populacional: "Basta capturar alguns manifestantes aleatoriamente, marcá-los, soltá-los e depois recapturar o mesmo número também aleatoriamente. Se o tamanho da amostra é de 100 pessoas e na recaptura 10 estiverem marcadas, o total será de 1.000 manifestantes."

Físico teórico: "Considere que os manifestantes sejam todos esféricos de raio de 1m no vácuo... "

Estatístico preguiçoso: "O número de manifestantes será, com 95% de confiança, algo entre 0 e 7 bilhões de pessoas."

Fisiologista da respiração: "Cerque a região de interesse com uma cúpula impermeável ao ar. Meça a variação do teor de O2 do ar no interior da região cercada por um período (tenha certeza de haver obtido permissão de um comitê de ética antes; e o período de observação não deve induzir acidose). Multiplique o teor pelo volume total de ar em litros e divida por 72 e multiplique pelo tempo de observação em horas."

Batman: "Hackeie o sistema de telefonia celular da cidade e use as emissões dos celulares como um sonar. Ah, você quer algo legalmente permitido, Lucius? Bem, pergunte pra um engenheiro eletrônico."

Engenheiro eletrônico: "Peça pros usuários baixarem um aplicativo para emitirem um som específico e colocar um microfone sensível em local apropriado."

Engenheiro de som carioca: "É na Paulista, né? Simples. Grite 'biscoito'. E com um decibelímetro meça a intensidade com que vem a resposta 'bolacha'."

Social media expert: "Faça um bot que capture todas as hashtags #EuNaPaulista #SelfieNaPaulista, filtre os retuítes e repetições; divida pela taxa de uso de smartphones e corrija pelo número de usuários de redes sociais... hein? como assim validação da metodologia?"

Físico experimental: "Na região do cruzamento com a Paraíso instale um canhão de laser de raios-X de baixa intensidade... o quê? como assim comitê de ética de pesquisa com animais?"

Obs. Um texto mais sério - de divulgação - sobre métodos de contagem de multidões.

terça-feira, 10 de março de 2015

Há uma crise nos blogues brazucas de ciências? - 7

Aparentemente a discussão pode ser mais ampla do que o círculo dos blogues filomáticos brasileiros (ou lusófonos).

Carlos Hotta chamou a atenção para uma discussão similar no âmbito internacional - ao menos anglófono. Muitos dos elementos levantados são similares à discussão que travamos quanto ao cenário brasilo-lusófono.

Bia Granja discutiu a crise no contexto dos blogues brasileiros de modo geral - não os de ciências.

Curiosamente o debate sobre crise e morte se dá quando parece que os trabalhos acadêmicos sobre blogues começam a se multiplicar. Só no Labjor, desde 2013, tivemos duas defesas de mestrado sobre o tema e há mais uma a caminho:
2013 - Vanessa Fagundes: "Blogs de ciência: comunicação, participação e as rachaduras na torre de marfim".
2015 - Meghie Rodrigues: "Entre jalecos brancos e Blackberries: as novas tecnologias e os modelos de divulgação científica".
TBA - Bruno de Pierro: "Descentralização da informação científica na Internet: o abismo entre a proliferação híbrida e o engano da interação por justaposição".

No Google Scholar, a busca por "science blogs" resulta no gráfico abaixo (Fig. 1):

Figura 1. Evolução do número de resultados no Google Scholar para busca por "science blogs".

(Não filtrei por falsos hits; creio que isso não afete a tendência geral.)

Uma explicação possível é que os trabalhos acadêmicos sempre têm um delay na publicação. No caso de doutorado, tem os 4 anos da pesquisa, mais cerca de 1 ano para a publicação final dos artigos. Haverá uma queda a partir deste ano dos trabalhos acadêmicos sobre blogues de ciências? Talvez. Ou talvez leve mais alguns anos - pode haver também um lapso entre a queda da relevância do tópico e a queda do interesse pela academia (como há entre o aumento da relevância do tópico e o início do interesse pela academia). Mas, com a discussão a respeito da crise, um tanto paradoxalmente (mas não muito), poderia ainda *aumentar* o interesse pela academia: tentando investigar se há mesmo uma crise quais seriam as causas e as consequências.

Um popperiano mais empedernido poderia imaginar que o parágrafo acima sobre os possíveis efeitos da crise na pesquisa acadêmica sobre blogues científicos e cientofílicos prevê tanto uma coisa como seu oposto, não sendo, portanto, uma previsão propriamente dita. Mas, embora não seja uma previsão que se pretenda científica, não é uma infalseável. Terá notado o atento leitor que são previsões distintas: por exemplo, a hipótese do aumento prevê que seria pela investigação sobre uma crise atribuída - nesse caso, deveriam aumentar os trabalhos que pesquisem os blogues de ciência sob a perspective de crise, não de um interesse geral - sobre, p.e., o impacto discursivo ou o efeito didático dos blogues.

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Há uma crise nos blogues brazucas de ciências?
Há uma crise nos blogues brazucas de ciências? - 2
Há uma crise nos blogues brazucas de ciências? - 3
Há uma crise nos blogues brazucas de ciências? - 4
Há uma crise nos blogues brazucas de ciências? - 5
Há uma crise nos blogues brazucas de ciências? - 6

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