Lives de Ciência

Veja calendário das lives de ciência.

domingo, 25 de setembro de 2016

Divagação científica - divulgando ciências cientificamente 26

Abaixo, minhas anotações sobre o efeito do assombro (awe) na apresentação de fatos científicos conforme o trabalho de Valdesolo e cols..
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Valdesolo, P. et al. 2016. Awe and scientific explanation. Emotion. DOI: 10.1037/emo0000213.

Estudo 1. Efeito do assombro e teísmo sobre a crença na ciência.
158 (127 com resultados finais válidos) alunos de graduação (97 do sexo feminino, 19,66 anos de idade média).
.Testes por meio de computador em troca de crédito acadêmico.
.Respostas a 7 questões sobre religiosidade e crença no sobrenatural, incluindo um sobre o grau de teísmo (escala de 6 pontos de 1 "ateu convicto" a 6 "crente convicto"):  Sem diferença entre os grupos - M_awe = 3,38±1,29; M_amuse = 3,51±1,35; M_neut = 3,73±1,3; F(2,124) = 0,763; correlação entre nível de religiosidade e crença nas ciências r(127) = -0,46, p<0 p="">.Visualização a um de três tipos de vídeos sobre natureza: neutro, indutor de assombro, indutor de diversão.
.Respostas a 10 questões sobre crença epistemológica a respeito de as ciências serem "um guia superior, ou até exclusivo, para a realidade e possuindo um valor único e central" (escala de 6 pontos de 1 "discorda fortemente" a 6 "concorda fortemente": e.g. "Podemos acreditar racionalmente apenas no que pode ser demonstrado cientificamente" ["We can only rationally believe in what is scientifically provable"]): Sem diferença entre grupos (em relação às médias das respostas dos grupos) - (M_awe = 3,56±1,13; M_amuse = 3,65±0,88; M_neut = 3,65±0,79; F = 0,126. Padronizando o índices de religiosidade pela média e atribuindo os valores 2 (assombro), -1 (neutro) e -1 (diversão) para as condições; não houve efeito da condição, houve efeito da religiosidade (b = -0,332, β = -0,467, p < 0,001) e houve interação entre religiosidade e condição (b = -0,116, β = -0,224, p = 0,005, IC 95%  = [-0,196, -0,037]) - a inclinação da curva de regressão a +/- 1 DP mostra que os teístas apresentaram a menor crença em ciências na condição de assombro (b = -0,221, β = -0,329, p = 0,005, IC 95% = [-0,373, -0,069]), entre os não-teístas não houve efeito da condição.
Resopstas a 8 questões de conferência de manipulação da emoção (escala de 7 pontos de 1 "nem um pouco" a 7 "extremamente").

Estudo 2. Efeito do assombro e do teísmo sobre a crença na ordem científica (scientific order).
413 (364 respostas válidas) participantes (221 mulheres, 35,6 anos de idade média) por meio do serviço Amazon Mechanical Turk em troca de 1 USD pela participação.
.Mesmo procedimento do estudo 1 com substituição do índice de crença nas ciências por crença na ordem científica: escala de 1 ('nem um pouco provável') a 6 ('extremamente provável') para as questões: "os eventos que ocorrem no mundo podem ser totalmente explicados pelas ciências", "os princípios das ciências conferem ordem e previsibilidade ao mundo", "o curso da evolução segue certos caminhos, não é o resultado apenas de processos aleatórios";
.Não houve diferenças significativas nos índices de crença em ordem científica entre as condições: M_awe = 4,09±1,36; M_amuse = 4,13±1,22; M_neut = 4,22±1,19; F = 0,344.
.Não houve efeito da condição; houve efeito da religiosidade (b = -0,401, β = -0,532, p < 0,001); e houve interação entre religiosidade e condição (b = -0,055, β = -0,104, p = 0,019, IC 95% = [-0,102, -0,009]); teístas (com índice 1DP acima da média do índice de religiosidade) apresentaram uma menor crença na ordem científica na condição de assombro (b = -0,122, β = -0,109, p = 0,05, IC 95% = [-0,218, 0,00]); não houve efeito da condição entre não-teístas (1 SD abaixo da média no índice de religiosidade).

Estudo 3. Efeito do assombro sobre atitude em relação a teorias científicas explicitamente enquadradas sob ordem ou aleatoriedade.
.161 (137 respostas válidas) participantes (81 mulheres, idade média de 37,5 anos) por meio do serviço  Amazon Mechanical Turk em troca de 1 USD por participação.
.Mesmo procedimento do estudo 1, exceto pela substituição do teste sobre crença em ciências por perguntas relacionadas a uma teoria 1 (enfatizando o papel da aleatoriedade e imprevisibilidade) e a uma teoria 2 (enfatizando o papel da ordem e da estrutura): os participantes deveriam dizer qual fornecia "a melhor explicação para a origem da vida neste planeta", e outra pergunta (em escala de 1 "nem um pouco" a 7 "extremamente") sobre qual das duas se ajusta melhor à visão do participante sobre a origem da vida. Não houve efeito da condição; houve efeito da religiosidade ((b = 0,510, OR = 1,665, p < 0,001); e houve interação entre religiosidade e condição (χ2 (1.133) = 4,544, p = 0,03); o assombro aumentou a preferência dos não-teístas para a explicação enfatizando a ordem, mas não teve efeito sobre os teístas; não-teístas apresentaram uma maior pontuação no ajuste da teoria 2 a suas visões na condição de assombro em relação às condições controle (b = 1,083, β = 0,332, p = 0,004); entre os teístas não houve diferenças significativas.
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A caracterização da teoria da evolução por Valdesolo e cols. de uma que enfatiza o papel do acaso é estranha - a seleção natural é uma causa da adaptação, não é algo ao acaso. De todo modo, isso não (aparentemente) afeta os resultados obtidos.

ht @Carlos Orsi fb

domingo, 18 de setembro de 2016

Um, dois, quatro, seis, oito... a confusa vida taxonômica da dona girafa

A recente publicação do resultado de uma análise genética que concluiu pela existência de quatro espécies distintas de girafas teve uma boa repercussão - considerando que é um trabalho científico (claro que não dá pra competir com a atenção dispensada a divórcios de personalidades).

Ficando só na primeira página de resultados do Google pra "girafa quatro espécies" (sem aspas) entre sites noticiosos:
08.set.2016. Terra. Análise genética revela a existência de 4 espécies de girafas
08.set.2016 Estadão. Cientistas descobrem que existem quatro espécies de girafas
08.set.2016 Yahoo! Existem quatro espécies de girafa e não uma como se pensava
09.set.2016 Correio Braziliense. Cientistas descobrem que existem quatro espécies de girafas
12.set.2016 Superinteressante. Existem quatro espécies de girafa - e não uma só
12.set.2016 BuzzFeed. Cientistas acabaram de descobrir que existem quatro espécies diferentes de girafa

Todos destacaram a implicação que a descoberta pode ter para a conservação - sendo várias espécies com populações restritas e não uma única com diferenciações regionais, os esforços devem ser aumentados para preservar a biodiversidade; programas de reprodução em cativeiro também podem necessitar de maior atenção quanto às características genéticas dos indivíduos (e, além disso, o reconhecimento de uma nova espécie pode despertar a sanha de colecionadores de troféus de caça como anotam Zachos et al. 2013). Mas, desses seis veículos, somente o (quem diria) BuzzFeed destacou que foi um resultado na verdade já previsto.

A culpa da ênfase no ineditismo do achado da multiplicidade de espécies parece se dever ao press release da Cell, cujo resumo é: "Up until now, scientists had only recognized a single species of giraffe made up of several subspecies. But, according to the most inclusive genetic analysis of giraffe relationships to date, giraffes actually aren't one species, but four. The unexpected findings highlight the urgent need for further study of the four genetically isolated species and for greater conservation efforts for the world's tallest mammal, the researchers say." ["Até hoje, os cientistas têm reconhecido apenas uma única espécie de girafa composta de várias subespécies. Mas, de acordo com a análise genética mais abrangente até agora das relações das girafas, elas na verdade não são uma espécie, mas quadro. O achando inesperado destaca a necessidade urgente de se estudar mais a fundo as quadro espécies geneticamente isoladas e de maiores esforços de conservação do mamífero mais alto do mundo, dizem os pesquisadores."] (grifos meus.)

O fato é que o estudo de 2007 de Brown e cols. (citado pelo artigo de Fennessy et al. 2016, que ganhou as manchetes agora) com genes mitocondriais e regiões de microssatélites do ADN nuclear (pequenas sequências repetitivas e que podem variar bastante de indivíduo para indivíduo ou de população para população, servindo de marcadores genéticos) havia identificado 5 linhagens que se constituíam em populações discretas - isto é, com fluxo gênico muito restrito, se não ausente. Padrões de pelagem ou diferenças no tempo de reprodução poderiam levar a acasalamentos preferenciais na ausência de barreiras físicas. Groves & Grubb 2011 listam oito espécies. O trabalho de Fennessy et al. 2016 utilizou também genes mitocondriais, mas também nucleares, e basicamente corroborou os achados de Brown e cia., mas confirmou apenas quatro - e talvez uma quinta. Se Fennessy e cia.incluíram sequências intrônicas de genes nucleares e amostras da girafa núbia; a amostragem de Brown e colegas foi maior: 266 contra 105 nuclear e 190 mitocondrial de Fennessy et al.

A história taxonômica da girafa é bastante convoluta conforme resumida por Seymour 2012 e Peterson 2015. Inicialmente, foi classificado por Lineu em 1758 como Cervus camelopardalis baseado em uma descrição feita pelo viajante e naturalista francês Pierre Belon de um exemplar em cativeiro que viu no Cairo, Egito, por volta de 1547*. Sim, Lineu agrupou  a girafa junto com outros cervídeos, como o veado vermelho. Coube ao zoólogo francês Mathurin Jacques Brisson, em 1762, atribuir um gênero próprio à girafa: Giraffa. (Brisson nomeou a espécie G. giraffa. Só em 1848 corrigiram para G. camelopardalis seguindo as regras da nomenclatura zoológica - quando uma espécie ganha um próprio gênero ou é transferido para outro, o epíteto específico válido mais antigo é conservado)  O vice-rei do Egito sob o Império Otomano, Muhammad Ali (não confundir com um famoso boxeador), havia enviado de presente três girafas para a Europa (as últimas girafas vivas na Europa eram do tempo da Florença de Medici, presentadas ao todo poderoso florentino por volta de 1486); uma fêmea foi dada para o Carlos X da França (os outros foram parar nas cortes de Jorge IV do Reino Unido e Francisco I da Áustria). A 'le bel animal du roi' ('belo animal do rei', como a chamou Saint-Hilaire) foi acompanhada em seu deslocamento de Marselha para Paris em 1827 por ninguém menos que Geoffroy Saint-Hilaire. Comparando o animal com peles preservadas num museu parisiense provenientes da África do Sul, o naturalista francês concluiu pela existência de duas espécies de girafas. Outros, no entanto, como o zoólogo sueco Carl Jakob Sundevall, consideravam que eram apenas duas raças ou subespécies - a diferença seria apenas do comprimento do pelo. A disputa entre um ou duas espécies adentrou o século 20 e prosseguiu. A partir de 1971, com a revisão da zoóloga canadense Anne Innis Dagg, passou a predominar o consenso pela monotipia do gênero Giraffa. Seymour, em sua tese de 2001 (cujos resultados seriam publicados em 2007), concluiu pela análise morfológica, de padrões de pelagem e dados moleculares a partir de espécimes de museu que seriam duas espécies.

O fato de a maioria dos zoólogos classificarem como uma única espécie não deve mascarar o reconhecimento de uma diversidade interna - pelas mais de seis (até 27) denominações específicas e subespecíficas propostas ao longo do tempo.

Um ponto que cabe ressaltar também é que não parece haver isolamento reprodutivo absoluto entre as populações das espécies propostas. Em cativeiro, certamente há intercruzamento com a produção de híbridos viáveis (fato notado por Fennessy et al. 2016 e listado como motivo para considerar o resultado deles como "inesperado"). Há também registros de híbridos na natureza. Lönnig 2008 cita vários exemplos. Isso não inviabiliza a existência de espécies distintas, mas depende da definição de espécie adotada - a mais restritiva do chamado "conceito biológico de espécie" (que se baseia em um isolamento reprodutivo completo) certamente não cabe. O fluxo, no entanto, parece ser baixo o suficiente para que as populações sejam geneticamente distintas. O fato de Fennessy et al. 2016 terem utilizados sequências nucleares intrônicas (partes dos genes que normalmente não contribuem com a sequência das proteínas codificadas) diminui a possibilidade de as diferenças detectadas no estudo deverem-se diretamente à seleção diferencial dos genes estudados - embora não elimine de todo, poderia se dar por efeito carona: isto é, regiões mais ou menos neutras são mantidas distintas entre as populações por causa de regiões não-neutras (selecionadas positiva ou negativamente) adjacentes. Os autores, no entanto, não discutem a seleção no estudo.

Fennessy et al. 2016 estimam o tempo de divergência entre espécies entre 1,25 e 2 milhões de anos atrás, mas também não discutem as causas dessa divergência. O estabelecimento das savanas no leste da África dá se entre 8 e 5 milhões de anos atrás; com três breves períodos úmidos (entre 2,7 e 2,5 maa; 1,9 e 1,7 maa e 1,1 e 0,9 maa) interrompendo a tendência geral à aridificação. Embora não seja necessário um fator externo para a especiação, é tentador associar a diversificação intra e/ou interespecífica da girafa a essa alteração paleoclimática: que pode alterar a distribuição das florestas e rios - tanto modificando a disponibilidade de recursos quanto podendo isolar populações.

Veja também
22.dez.2007. GrrlScientist. Living the Scientific Life. There Are More Giraffe Species Than You Think.
13.set.2016 Reinaldo J. Lopes. Darwin e Deus. As quatro girafas. (Cuidado! Contém paywall poroso.)
19.set.2016 Cientistas Feministas. E aí, e as girafas?
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Fonte: Staxx
*Belon 1554 descreveu mais ou menos assim: "Vi um animal no castelo de Cairo, chamado comumente de Zurnapa, os antigos romanos chamavam-no de Camelopardalis, nome composto de leopardo e camelo, por ser salpicado de manchas como o primeiro e ter um longo pescoço como o último. É um animal de bela forma, delicado como um carneiro, e mais manso que qualquer besta selvagem: sua cabeça é quase igual a de um veado, exceto pelo tamanho; sobre ela há dois pequenos cornos, cerca de um pé de comprimento, coberto de pelos; os do macho mais longo do que os da fêmea: ambos têm suas orelhas tão grandes quanto as de uma vaca; a língua é preta e similar a de um boi; a cauda é longa, reta e fina; sua crina é solta e 'rond' ['redonda'?]; suas pernas são finas e longas, altas na frente e se rebaixam atrás; seus pés são como as do boi; sua cauda desce quase até seu casco; é cilíndrica e seus pelos são três vezes mais espessos do que os de um cavalo; seu corpo é bastante esguio, e a cor dos pelos é branco e vermelho; sua maneira de lutar é como a dos camelos;  quando corre, suas duas pernas dianteiras vão juntas; ele se deita com a barriga no chão, e tem uma substância calosa em seu peito e articulações como aquele animal. Quando pasta, é obrigado a espalhar bem suas pernas dianteiras, e mesmo assim alimenta-se com grande dificuldade; então devemos imaginar que prefira as folhas das árvores para se alimentar do que pastar nos campos, especialmente porque seu pescoço é muito comprido e pode atingir a altura de uma lança."

domingo, 11 de setembro de 2016

Nem tudo o que doureja é lúzio 7

Nova rodada da gaiata ciência.

Goodman et a. 2014. A few goodmen: surname-sharing economist coauthors. Econimic Inquiry. Análise de coautoria de artigos de economia com autores de mesmo sobrenome. Segundo os autores, a principal contribuição do artigo é trazer pela primeira vez um artigo com quatro autores de mesmo sobrenome, sem haver relação de parentesco direto e todos de instituições diferentes. (Via @Cardoso.)
Wiseman & Watt 2015. And now for something completely different: Inattentional blindness during a Monty Python's Flying Circus sketch. Estudo da cegueira inatencional durante exibição de uma famosa esquete do Monty Python. (Via @carlosom71.)
Bunnett & Kearley 1971. Comparative mobility of halogens in reactions of dihabobenzenes with potassium amide in ammonia. Artigo de química em forma de poesia. (Via @scienceblogsbr)
Ardalan et al. 2015. The Value of Audio Devices in the Endoscopy Room (VADER) study: a randomised controlled trial.Artigo analisando a influência da música de Star Wars no resultado de exame de colonoscopia. (Via Carlos Orsi fb)
Hetherington, J.H. & Willard, F.D.C. 1975. Two-, three-, and four-atom exchange effects in bcc 3He. O segundo autor, F.D.C. Willard, é o gato de estimação do primeiro autor: F.D. de Felis domesticus, C. de Chester o nome do gato, e Willard, o nome do pai de Chester. O gato teria sido acrescentado como co-autor para que o artigo, originalmente com um único autor, não precisasse ser reescrito substituindo-se o pronome no plural 'we/nós' para o singular 'I/eu' (Via ScienceblogsBrasil fb.)

sábado, 3 de setembro de 2016

Regra 11: a instabilidade presidencial na América Latina

Hochstetler 2011, em sua revisão de três livros sobre impedimento e crise do presidencialismo no mundo e, em especial, na América Latina, observa que desde 1977-8 os episódios de colapsos de regimes democráticos ('democratic regimes breakdowns') tornaram-se mais raros na região. Porém essa estabilização tem sido acompanhada do aumento dos casos de presidentes que não terminam seus mandatos: por afastamento, destituição, renúncia, fuga... (Fig. 1)

Figura 1. Tendência de pedidos de impedimentos no mundo (painel superior) e na América Latina (painel inferior). Linhas azuis: tentativas bem sucedidas; Linhas laranjas: tentativas totais. Fontes: Wikipedia; Pérez-Liñán 2007; +HON2009; +PRY2012; +BRA2016.

Os fatores apontados como contribuintes ou influenciadores do processo de impedimento, segundo os autores das obras avaliadas por Hochstetler, são: provisão legal do impedimento/número mínimo de votos necessários para a aprovação do impedimento, estrutura dos partidos políticos/composição partidária, apoio presidencial ('presidential patronage') popularidade presidencial/opinião pública... A questão partidária e, em menor grau, a popularidade sendo os fatores mais investigados pela academia.

Sendo o Executivo e o Legislativo eleitos de modo independentes e como instâncias separadas de poder, ambos podem alegar pela legitimidade democrática e não há nenhum meio direto para resolver a questão quando os dois poderes se chocam,

Smith & Taylor 2003, analisaram os episódios dos julgamentos para o impedimento dos presidentes americanos Richard Nixon e Bill Clinton. Uma vez que o caso Watergate afetou pouco a popularidade de Nixon e o affair Lewinsky não teve nenhum impacto na aprovação da administração Clinton, os autores concluem que as diferenças dos desfechos: a renúncia daquele diante de um impedimento certo e a permanência deste após rejeição do processo no Senado, o principal fator influenciador do resultado é a situação macroeconômica.

Talvez a análise de Smith & Taylor possa ser estendida à América Latina. Observamos que há um grande aumento durante a década de 1990, uma relativa estabilidade durante a década de 2000 e um novo aumento a partir de 2008. O período de 2000 a 2008 coincide com uma estabilidade econômica na região - com crescimento médio do PIB acima de 4% ao ano (Fig 2).

Figura 2. Crescimento econômico médio da América Latina em porcentagem do PIB. Fonte: iMFdirect.

Hochstetler 2011 analisa se o 'presidencialismo' necessita de uma nova definição. A autora destaca as características clássicas na definição do sistema presidencialista: o chefe de estado 1) é eleito pela população; 2) tem um mandato de duração determinada, não determinado pelo parlamento; 3) governa ou comanda o gabinete por ele montado, independentemente do parlamento. Em situação de colapso presidencial ('presidential breakdown'), ainda mais com a frequência que tem ocorrido sobretudo na América Latina desde a década de 1990, a característica de mandato fixo e independência do parlamento tem sido colocado em xeque.

Mas uma questão fundamental feita pelos acadêmicos é se o colapso presidencial é salutar para o futuro político da América Latina. Os autores dos livros analisados na revisão de Hochstetler tendem a uma visão algo pessimista. Embora a possibilidade de remoção de presidentes ineficientes e envolvidos em escândalos possa ser menos traumática do que conviver com ele até o fim do mandato (ou mesmo do que a ação anteriormente muito comum da ruptura democrática e do golpe militar), o mecanismo do impedimento, por outro lado, permite dar um véu legalista para os agentes que pretendem derrubar um presidente.

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