Lives de Ciência

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sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Acordo do governo do estado de São Paulo viola autonomia da Fapesp

Depois de a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo promover um corte inconstitucional de R$ 120 milhões no orçamento da Fapesp - o orçamento total deve corresponder a 1% do montante arrecadado do ICMS (descontados os repasses legais para municípios) - transferindo o montante para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação, SDCTI, uma reunião com representantes do governo, da Fapesp e de institutos de pesquisa do estado, IPs, decidiu que o valor seria devolvido à Fundação de Amparo, mas ficaria carimbado - devendo ser usados exclusivamente para financiar os IPs. Os detalhes do acordo são relatados em reportagem do jornalista Herton Escobar. (Cuidado! Contém paywall poroso.)

É uma boa notícia de que o orçamento da Fapesp será recomposto conforme determina a constituição do Estado:

CESP
"Artigo 271 - O Estado destinará o mínimo de um por cento de sua receita tributária à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, como renda de sua privativa administração, para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico.

Parágrafo único - A dotação fixada no 'caput', excluída a parcela de transferência aos Municípios, de acordo com o artigo 158, IV da Constituição Federal, será transferida mensalmente, devendo o percentual ser calculado sobre a arrecadação do mês de referência e ser pago no mês subseqüente.
"

Porém, o acordo, ao determinar a destinação do valor que, legalmente, é do orçamento da Fapesp, viola frontalmente a autonomia do órgão fixado em lei e reconhecida em decreto pelo então governador José Serra em 2007.

Decreto Declaratório n° 1 de 30/mai/2007:
"Artigo 1º - A execução orçamentária, financeira, patrimonial e contábil das Universidades Públicas Estaduais e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP será realizada de acordo com o princípio da autonomia universitária e os dados inseridos em tempo real no Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios - SIAFEM/SP, nos termos do Decreto nº 51.636, de 9 de março de 2007, sem prejuízo das prerrogativas asseguradas no artigo 54 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e artigo 271 da Constituição do Estado, que lhes facultam regime financeiro e contábil que atenda às suas peculiaridades de organização e funcionamento."

Sequestrar parte do orçamento para ter como resgate parte da autonomia científica da Fapesp: de destinar os recursos para financiar as pesquisas que seu comitê gestor e assessores considerarem meritórias e relevantes - é uma interferência política preocupante. Não se trata aqui nem de um montante extra - fora do valor da dotação orçamentária constitucionalmente prevista - que o governo confia à instituição para repassar para os programas de interesse do Poder Executivo; nem mesmo um direcionamento das verbas para áreas de pesquisa que se pretende priorizar (e já seria uma interferência na autonomia legalmente prevista). Trata-se, isto sim, de transferir a responsabilidade do governo de prover recursos para a manutenção dos IPs.

Há anos os IPs vêm sofrendo um desmonte e sucateamento, a manobra não vai salvá-los, mas, antes, restringir efetivamente a função da Fapesp - e desviando de sua atividade fim, de financiar pesquisa, para custear permanentemente os IPs - coisa, aliás, vetada por lei à Fapesp:

Lei Estadual 5.918/1960:
"Artigo 4º - É vedado à Fundação:
II - assumir encargos externos permanentes de qualquer natureza;"

A desculpa será, possivelmente, que o encargo é temporário. Mas eu botaria, se as tivesse, minhas barbas de molho.

Na mesmao toada vejo com desconfiança o projeto de oficialização da Faex - Fundação de Apoio à Extensão Universitária. A ideia é boa, mas - por mais que o projeto vete em seu texto o comprometimento dos limites orçamentários destinados às IEES paulistas e ao Centro Paula Souza -, considerando o ataque orçamentário à Fapesp, em flagrante inconstitucionalidade, pouca coisa garante que a Faex não sirva de ponta de lança para diminuir os repasses às três estaduais paulistas (e talvez até ao CPS) à medida em que recursos entrarem via a fundação de apoio.

Talvez seja o caso de, assim como os cientistas americanos que planejam marchar em protesto aos ataques perpretados pelo presidente americano recém-empossado às instituições científicas, os pesquisadores paulistas pensarem em uma visitinha à Alesp e ao Palácio dos Bandeirantes. (E não com menos razão os cientistas de outras UFs também se mobilizarem.)

Tanto quanto possível evito questões de política científica aqui no GR, por eu não me considerar um analista adequado. Mas somente tanto quanto possível. As ameaças seguidas - e muitas concretizadas - ao sistema estadual e nacional de ciência e tecnologia são também uma ameaça à sociedade paulista e brasileira: dependentes que somos do conhecimento científico e tecnológico originado da pesquisa paulista e nacional. Só para ficarmos num exemplo, graças às pesquisas sobre fixação biológica de nitrogênio de Johanna Döbereiner, economizamos por ano cerca de 2 bilhões de dólares em adubos nitrogenados.

Upideite(29/jan/2017): Entrevista de José Goldemberg, presidente da Fapesp, para o jornalista Herton Escobar. O físico fala que a proposta de criar uma linha especial para os IPs vinha sendo discutida há alguns meses. Não muda o fato de que a supressão é inconstitucional, nem que houve quebra da autonomia da fundação. (Cuidado! Contém paywall poroso.)

Upideite(30/jan/2017): Hernan Chaimovich: "Fatos alternativos"
.Carta da Aciesp e da SBPC sobre o acordo entre o Governo e Fapesp para recuperar os Institutos de Pesquisa.
Upideite(01/fev/2017): Entrevista de Paulo Nussenzveig para Herton Escobar: "Interferência na Fapesp ameaça 'porto seguro' da ciência em São Paulo" (Cuidado! Contém paywall poroso.)
Direto da Ciência, Maurício Tuffani: "Governo de SP abre brecha na autonomia da Fapesp e se desmente sobre repasse de 1%"
Upideite(04/fev/2017): Nota da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo, APqC: "Porque investimento em infraestrutura não resolver a situação dos Institutos Públicos de Pesquisa do Estado de São Paulo". Via Direto da Ciência fb

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Como é que é? - Mulheres preferem homens barbados?

Em mais um daqueles perfis de "Fatos" que publicam textos sem referências, uma postagem dizia que homens com barba são vistos como mais atraentes e másculos pelas mulheres. Mas os dados indicam que a situação não é beeeeem essa.

De fato, há estudos cujos resultados mostram que as mulheres estudadas apresentam preferência por rostos masculinos com algum grau de desenvolvimento de pelos faciais. Neave & Shields 2008, apresentaram para um grupo de 60 voluntárias, 3 fotografias de rostos masculinos (de aparência entre 18 e 25 anos e consideramos mais atraentes de uma pré-seleção de 10) manipuladas digitalmente com 5 níveis de barba: rosto raspado ('clean-shaven'), por fazer leve ('light stubble'), por fazer pesada ('dark stubble'), barba leve ('light beard'), barba cerrada ('full beard') - totalizando 15 fotografias. As avaliadoras - estudantes de graduação da Northumbria University, RU - com idades entre 18 e 44 anos (média de 21,7±5,2 anos) avaliaram as imagens em escala de 1 (menos)  a 9 (mais) nos seguintes atributos: masculinidade, atratividade, dominância, agressão, maturidade social, relacionamentos de curto prazo e relacionamentos de longo prazo, além de atribuir a idade aparente.

A idade atribuída, e os índices de masculinidade, dominância, maturidade social e agressão aumentaram de acordo com o desenvolvimento da barba na imagem. A atratividade, e os relacionamentos de curto e longo prazo apresentaram índices maiores para o nível de barba por fazer leve.

Dixson & Brooks 2013, usando metodologia similar, com fotografias reais de 10 homens de ascendência europeia (idade média de 23,5±3,57 anos) em quatro condições: rosto raspado, por fazer leve (de 5 dias), por fazer pesada (10 dias) e barba cerrada (6 semanas). Em formulário online, 177 homens (32,18±10,30 anos) e 351 mulheres (27,94±8,23 anos), todos heterossexuais, a maioria europeus (79,9% europeus; 8,4% asiáticos; 4,2 nativos americanos; 1,8% africanos, do Oriente Médio ou australasianos; 5,7% não responderam) avaliaram as fotografias. As notas foram de 0 (menos) a 5 (mais). Os parâmetros analisados foram: atratividade, cuidado com os filhos ('parenting'), saúde e masculinidade.

As mulheres consideraram mais atraentes as imagens com barba por fazer pesada - sem diferenças de avaliação entre mulheres em diferentes estágios do ciclo de ovolução - (os homens consideraram tanto a barba por fazer pesada quando a barba cerrada como mais atraentes). As mulheres (e os homens) julgaram a barba cerrada como indicando uma maior saúde e maior cuidado com os filhos. A masculinidade também foi avaliada como maior quanto maior a barba - com uma tendência mais acentuada entre mulheres na fase fértil.

Tanto Neave & Shields 2008, quanto Dixson & Brooks 2013, parecem concordar em uma maior atratividade dos rostos com uma barba intermediária (ainda que discordem quanto ao nível - se de poucos dias ou de mais dias por fazer).

Dixson et al 2012 entrevistaram 426 mulheres (idade média de 29,93±14,29 anos) de Wellington, Nova Zelândia, usando método similar ao que seria usado em Dixson & Brooks 2013. As mulheres (grávidas, pré e pós-menopausa) indicaram uma maior atratividade das imagens com rosto raspado (com barba por fazer leve e pesada com valores próximos) em relação ao rosto com barba cerrada. As mulheres na fase de alta fertilidade deram uma pontuação maior para imagem com barba por fazer pesada em comparação com mulheres pós-menopausa e que usam anticoncepcionais (mas as diferenças entre rosto raspado, por fazer leve e pesado não são significativamente diferentes entre si). O efeito mais pronunciado foi em relação ao status pilofacial dos consortes: mulheres com maridos com rosto raspado acham imagens de rosto deo homem com a cara escanhoada mais bonitas, esposas de homens com barba cerrada não veem tanta diferença assim, mas, assim como esposas de homens com barba por fazer pesada, acham homens com barab barba por fazer cerrada mais atraentes.

Zinnia et al. 2014 (que também contou com a participação de Dixson), por meio de formulário online, apresentaram para 1.453 mulheres hetero ou bissexuais (idade média de 26,17±7,28 anos) e 213 homens heterossexuais (28,35±10,11 anos) (a maioria de origem europeia: 70,47% dos respondentes eram europeus, 9,6% asiáticos, 6,12% latino americanos, 2,46% da Oceania, 2,28% africanos e do Oriente Médio, 1,86% nativos americanos e 7,2% não responderam) um conjunto de 36 imagens. Das 36, 24 imagens pertenciam a um tipo de tratamento: a) todas as 24 imagens de homens com cara raspada; b) todas com homens com barba cerrada; c) 6 imagens de cada nível de barba (raspado, por fazer leve, por fazer pesado, barba cerrada). Cerca de 1/3 das mulheres e 1/3 dos homens participantes foram incluídos em cada tipo de tratamento.

No grupo exposto a mais rostos com a cara rapada e no com frequência igual de cada tipo de barba, rostos com maior hirsutismo foram mais bem avaliados quanto à atratividade (por fazer leve, pesada e barba cerrada mais ou menos iguais na atraência atratividade); no grupo em que a maioria das imagens são de homens com barba cheia, rostos com níveis intermediários foram considerados mais atraentes.

Então a história parece um pouco mais - bem mais na verdade - complicada do que apenas: "rostos com barbas parecem mais atraentes (porque seria vistos como saudáveis)". Não chega a surpreender se notarmos o quanto a moda de pelos faciais masculinos variam rapidamente no tempo e no espaço (entre os indígenas sulamericanos pelos faciais tendem a ser muito raros). Fatores culturais parecem ter também um peso importante no julgamento das mulheres em relação às barbas masculinas.

O fato de homens desenvolverem barba e bigode pode também não ter a ver com seleção intersexual (mulheres preferindo ter filhos com homens de cara peluda). Uma explicação concorrente é que seria resultado de seleção *intra*ssexual: homens barbudos teriam vantagem sobre homens de cara lisa por sinalizar um maior status social e agressividade - funcionaria mais como sinal para afastar rivais do que para atrair as fêmeas (Dixson e Vasey 2012).

Updeite (18/jan/2017): Oldmeadow & Dixson 2016, analisando as respostas de 223 americanos e 309 indianos homens fornecidas por formulário online, identificaram um maior uso de barba entre homens com visão sexista ambivalente ou hostil em relação a homens com visão sexista benevolente ou não-sexista. Para os autores, a tendência de uso de barba deve estar ligada a um aumento de dimorfismo sexual e de percepção de masculinidade e dominância.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Pequeno diretório de cafés científicos

Podemos definir cafés (ou sarus) científicos de modo bem abrangente como todas as atividades de divulgação científica presencial em que o cientista é colocado em um ambiente informal - fora da academia - em contato direto com o público não especializado. Pode ou não ser em um café (pode ser em um bar, em um teatro, na rua...), pode ou não haver mediadores, pode ou não haver uso de equipamentos audiovisuais. (Excluo formatos mais específicos de comunicação como "Dance sua Tese" - também por ser um tipo de concurso.)

Aparentemente esse tipo de comunicação tem ampliado no Brasil. Abaixo faço uma lista (nem de longe exaustiva) de iniciativas mais ou menos periódicas do tipo no país.

.Pint of Science Brasil. A primeira edição no Brasil foi realizada em 2016 em 7 cidades, em 2017 já são mais de 20 municípios. Segue o modelo britânico, com cientistas fazendo apresentações orais de 15 minutos em bares. Frequência anual.
.Chopp comCiência. Realizado desde 2016 em Campinas, SP. Organizado pelo pessoal da NuminaLabs e vários parceiros. Frequência quinzenal. (20/jun/2018: Edições também no Rio de Janeiro,RJ e Belo Horizonte, MG.)
.Dose de Ciência. Realizado desde 2016 no Rio de Janeiro, RJ.
.Dose de Ciência. Realizado desde 2017, no Rio de Janeiro, RJ, pela PROPPi, UFF. Homônimo, mas independente ao evento acima. Baseado no Pint of Science. (12/out/2017)
.The Bar - Science on Tap. Realizado desde 2016 em São Paulo, SP. Organizado pelo Instituto Weizmann de Ciência. Segue o modelo israelense do evento.
.Ciência em Dose. Festival Santista de Divulgação Científica. A primeira edição foi em 2016. Como o nome indica, é realizado em Santos, SP. Iniciativa da Unifesp.
.USP Talks. Palestras realizadas desde 2016 em São Paulo, SP. Realização da USP em parceria com a Livraria Cultura (atualmente no Teatro da Gazeta)*. Difere da maioria dos demais cafés por ser em um teatro/auditório e na hora do almoço. Mensal. *(12/out/2017)
.Ciclo de Palestras do Instituto de Física na Livraria Cultura. Realizado desde 2009 em Porto Alegre, RS. Mensal. Ingresso: 1kg de alimento não perecível. (Dica de cicero nos comentários. 16/jan/2017.)
.Papos de Física. Realizado desde 2016 em São Paulo, SP. Organizado pelo ICPT-SAIFR/Unesp. Frequência mensal. (Dica de Luiz Almeida nos comentários. 25/jan/2017.)
.Ciência ao Bar. Realizado desde 2017 em Juiz de Fora, MG. (20/jun/2018.)
.Ciência com Pipoca. Realizado desde 2016 em Ribeirão Preto, SP. Frequência anual. (20/jun/2018.)
.UFMG Talks. Realizado desde 2019 em Belo Horizonte, MG. Mensal. (10/jun/2019.)
.SciencePub. Realizado desde 2016 em São Luís, MA e Florianópolis, SC. Mensal. (14/ago/2019.)
.Happy Science Hour.  Realizado em 2017 em Porto Alegre, RS. Não parece ter tido continuidade. (16/out/2019.)
.Litrão com Ciência. Realizado desde 2020 em Belém, PA. (24/set/2020.)
.UFPel Talks. Realizado desde maio de 2020 (em modo online durante a pandemia). (12/out/2020.)
.Caçhaça Científica. Realizado desde 2019 em Jandaia do Sul, PR. (16/mai/2022.)


Se souberem de outros, indique nos comentários.

Se beber, não dirija.

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