É fácil entender por que, de modo geral, estatísticos e filomatas torcem o nariz para estudos feitos com poucos indivíduos.
Chamemos à baila a onipresente moeda estatística. Lançamos uma vez e verificamos que deu cara. Lançamos de novo e deu cara novamente. Será lícito a partir disso concluirmos que a moeda está viciada? Não, de modo algum. É perfeitamente possível que em dois lances seguidos tenhamos duas caras com uma moeda honesta: as chances são de 25%. Mas, digamos, 10 lançamentos consecutivos só com cara é um bom indício de que a moeda apresenta algum problema: as chances de uma moeda balanceada produzir esse resultado é de apenas 0,16%.
Desvios mais sutis necessitam de um número maior de dados. Se a moeda, por exemplo, é manipulada de modo a ter uma probabilidade 60% para cara (e, claro, 40% para coroa) em vez dos 50% seria preciso de aproximadamente 100 lançamentos para sermos capazes de diferenciar de uma moeda sem manipulação. Se a probabilidade for de 55%, seriam necessários cerca de 400 lançamentos.
Isso para algo relativamente simples envolvendo moedas. Para sistemas mais complexos como a saúde humana, com diversos fatores intervenientes e difíceis de se isolar nos estudos, o tamanho amostral demandado pode ser bastante alto - alguns milhares a dezenas de milhares: e, consequentemente, muito caros, envolvendo diversos grupos profissionais em diversos centros de estudos - uma alternativa é coligir dados disponíveis em diversos estudos menores (as meta-análises).
Pulemos agora para minha pequena experiência cultural. Fui a uma padaria em Belo Horizonte e observei um sistema distinto de venda de pães (distinto em relação a São Paulo pelo menos): com o produto disponível para que os próprios fregueses escolham e peguem (naturalmente, com o uso de pegadores) para ser levado para que os balconistas pesem (em São Paulo, os pães ficam à vista dos fregueses, mas são os próprios balconistas que os manipulam - normalmente seguindo as instruções dos clientes: mais queimadinho, do mais clarinho, quero aquele maiorzinho lá...).
Considerando a discussão inicial sobre tamanhos amostrais e validade estatística, estarei sendo estatisticamente ousado (eufemismo para desbragadamente inconsequente) por, tendo visitado uma segunda padaria (sem ser de uma mesma rede) concluir que é o sistema predominante de venda de pães na capital mineira por lá também haver esse autosserviço na venda de pães? (Não fui alertado quanto a essa diferença cultural por nenhum amigo belorizontino; claro, é tão natural para eles quanto o sistema paulista é para mim.) Seria essa conclusão tão absurda quanto se, em sendo ambas as padarias pintadas de vermelho - não eram, embora eu não me lembre exatamente das cores - eu concluísse que a maioria das padarias de Belo Horizonte são vermelhas? Ou que, no segundo acerto de Paul, concluíssemos que ele é mesmo vidente ou um connoisseur de futiba?
Obs: Não fiz nenhuma pesquisa quanto ao sistema de vendas de pães; se o único ou a única leitora deste blogue for de BH (ou conhecer a cidade) poderá confirmar ou refutar minha conclusão.
Obs2: O que na capital paulista é chamado de pão francês, o pessoal de beagá chama de pão de sal.
*Upideite(07/abr/2011): um setelagoano morando em BH a maior parte do tempo, Samir Elian, do Meio de Cultura, confirma no twitter que as padarias belorizontinas que frequenta é pelo sistema de autoatendimento. (É pouco provável que sejam as mesmas padarias que visitei, posto que nossos centros de ação em BH são bem afastados.)
Sou de BH. Acho que tem razão, o sistema é assim na maioria das padarias (não é recente, no entanto --quando eu era meninote em BH, o sistema era como o paulista.
ResponderExcluirLá em Minas, na verdade -- como todo bom mineirin -- dizemos "pãozin de sal" :-)
Quanto ao mistério estatístico... o problema está na visão frequentista da estatística tradcional!!! Por isso que as ciências humanas têm se voltado cada vez mais para a inferência bayesiana... que faz mais sentido intuitivo...
Sou de Ouro Preto. Aliás, estudo em Ouro Preto. Fui criado em Montes Claros (Norte de Minas) e nasci em Monte Carmelo (Triângulo mineiro) e ja vivi no noroeste de minas tb...
ResponderExcluirE vou te falar que, baseado em sua conclusão posso dizer que o sistema de autoserviço para pegar o pão de sal é em todo estado de Minas...
Bom texto..
Abraços
André L. Souza.
ResponderExcluirQuando você era criança o sistema era diferente pois o preço era definido pela quantidade em numero.
Tipo, 1, 2, 3 ou uma duzia de pães. Daí as padarias "precisavam" de ter esse controle. Afinal, seria melhor confiar no padeiro dizer: "uma duzia" do que no cliente dizer o mesmo...
Agora o sistema implantado é quantidade por massa... Logo não teria problemas de "confiança". Afinal que dá o veredito final é a balança ^^
@Vitor Hugo
ResponderExcluirIt makes sense!!! :-)