Lives de Ciência

Veja calendário das lives de ciência.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Jogos eletrônicos violentos e violência: o que nos diz a ciência?

ResearchBlogging.orgO debate sobre a influência de jogos eletrônicos violentos (e, mais em geral, de produtos culturais que expressem ações de violência incontida) no comportamento das pessoas - em particular, das crianças e jovens - tem uma história relativamente longa: desde pelo menos os fins dos anos de 1980, com o surgimento e disseminação de consoles de terceira geração com gráficos mais elaborados e jogos de temática violenta.

Por uma década, o debate foi acirrado, mas havia poucos dados consistentes. Em 1998, Dill & Dill concluíam em sua revisão:

"The preponderance of the evidence from the existing literature suggests that exposure to video-game violence increases aggressive behavior and other aggression-related phenomena. However, the paucity of empirical data, coupled with a variety of methodological problems and inconsistencies in these data, clearly demonstrate the need for additional research."
["Indícios na literatura existente que sugerem o aumento de comportamento violento e outros fenômenos relacionados à agressão pela exposição à violência dos videogames são preponderantes. No entanto, a escassez de dados empíricos aliada à variedade de problemas metodológicos e inconsistências nesses dados demonstram claramente a necessidade de pesquisa adicional."]

Desde então as "pesquisas adicionais" demandadas por Dill & Dill vêm se acumulando em um quadro consistente que *associa* positivamente a exposição à violência de jogos eletrônicos com comportamentos associados à agressão e agora começa a ser explorada a relação causal e os mecanismos psicológicos por trás.

Anderson et al. 2010 fizeram uma meta-análise dos estudos sobre o tema (incluindo no total mais de 18.000 indivíduos) e concluíram:

"Meta-analytic procedures were used to test the effects of violent video games on aggressive behavior, aggressive cognition, aggressive affect, physiological arousal, empathy/desensitization, and prosocial behavior. Unique features of this meta-analytic review include (a) more restrictive methodological quality inclusion criteria than in past meta-analyses; (b) cross-cultural comparisons; (c) longitudinal studies for all outcomes except physiological arousal; (d) conservative statistical controls; (e) multiple moderator analyses; and (f) sensitivity analyses. Social–cognitive models and cultural differences between Japan and Western countries were used to generate theory-based predictions. Meta-analyses yielded significant effects for all 6 outcome variables. The pattern of results for different outcomes and research designs (experimental, cross sectional, longitudinal) fit theoretical predictions well. The evidence strongly suggests that exposure to violent video games is a causal risk factor for increased aggressive behavior, aggressive cognition, and aggressive affect and for decreased empathy and prosocial behavior. Moderator analyses revealed significant research design effects, weak evidence of cultural differences in susceptibility and type of measurement effects, and no evidence of sex differences in susceptibility. Results of various sensitivity analyses revealed these effects to be robust, with little evidence of selection (publication) bias."
["Foram empregados procedimentos meta-analíticos para testar o efeito de videogames violentos sobre o comportamento agressivo, cognição agressiva, afeição agressiva, excitação psicológica, empatia/dessensibilização e comportamento prossocial. Características únicas desta revisão meta-analítica incluem: (a) critérios mais restritivos de qualidade para inclusão em comparação às meta-análises anteriores; (b) comparações interculturais; (c) estudos longitudinais para todos os resultados, menos para a excitação psicológica; (d) controles estatísticos conservadores; (e) múltiplas análises de fatores moderadores e (f) análise de sensibilidade. Modelos sociocognitivos e diferenças culturais entre Japão e países ocidentais foram empregadas para gerar previsões baseadas em teoria. A meta-análise resultou em efeitos significativos para todas as 6 variáveis. O padrão dos resultados para as diferentes variáveis e designs de pesquisa (experimental, transversal, longitudinal) ajusta-se bem às predições teóricas. O indício sugere fortemente que a exposição a videogames violentos é um fator causal de risco para o aumento de comportamento agressivo, cognição agressiva e afeição agressiva e para uma diminuição de empatia e comportamento prossocial. Análises de fatores moderadores revelam efeitos significativos de design de pesquisa, fraco indício de diferenças culturais na susceptibilidade e efeitos de tipo de medida e nenhum indício de diferenças sexuais na susceptibilidade. Os resultados de várias análises de sensibilidade mostram que esses efeitos são robustos, com pouco indício de viés de seleção (de publicação)."] (Grifo meu.)

Na outra ponta, começa a se formar um corpo de indícios a apontar para o aumento de características prossociais mediante a exposição de jogos de narrativa e mecânica prossociais (e.g. Greitemeyer & Osswald 2010).

Há estudos (como de Ferguson et al. 2012) e meta-análises com menor número de sujeitos e trabalhos incluídos que sugerem que não haja tal vínculo, bom dizer. Mas, embora haja ainda algum espaço para se discutir a relação causal (especialmente no que se refere aos mecanismos psicológicos), a hipótese da associação é bem robusta e fundamentada em estudos científicos. Não cabe, ao ouvir que games violentos podem induzir a violência, desdenhar de modo pouco ponderado.

Claro que, disso se concluir pela proibição de videogames violentos, há um vão que precisa ser coberto por outros elementos além de pura estatística. Casos mais extremados de violência - como homicídio - são, felizmente, mais raros. A ponderação diante de benefícios como econômicos e a diversão da maior parte das pessoas que consomem os jogos sem consequências graves deve ser feita.

Referências
Anderson, C.A., Shibuya, A., Ihori, N., Swing, E.L., Bushman, B.J., Sakamoto, A., Rothstein, H.R., & Saleem, M. (2010). Violent Video Game Effects on Aggression, Empathy, and Prosocial Behavior in Eastern and Western Countries: A Meta-Analytic Review Psychological Bulletin, 136 (2), 151-173 DOI: 10.1037/a0018251

Dill, K.E., & Dill, J.C. (1998). Video game violence: A review of the empirical literature Aggression and Violent Behavior, 3 (4), 407-428

Ferguson, C.J., San Miguel, C., Garza, A., & Jerabeck, J.M. (2012). A longitudinal test of video game violence influences on dating and aggression: A 3-year longitudinal study of adolescents Journal of Psychiatric Research, 46, 141-146

Greitemeyer, T., & Osswald, S. (2010). Effects of Prosocial Video Games on Prosocial Behavior Journal of Personality and Social Psychology, 98 (2), 211-221 DOI: 10.1037/a0016997

Upideite(17/ago/2013): O SocialMente traz uma análise do psicólogo Mauricio Miranda Sarment.
Upideite(20/set/2013): Um estudo alega que a divulgação de alegações de vínculo entre jogos e violência induziriam o comportamento violento de jogadores. (via Danilo Albergaria FB). Fake news. Eu deveria ter lido com mais atenção.

2 comentários:

Saulo Guidotti disse...

Nunca gostei de jogos e acredito que eles podem sim influenciar pessoas, mas não totalmente e sim ajudam as pessoas a cometerem qualquer tipo de violência, pois são somados a problemas familiares e outros.

ArtigoPublico.com

none disse...

Salve, Guidotti,

Grato pela visita e comentário.

Sim, é exatamente o que as pesquisas mostram: a violência dos jogos (e de outros produtos culturais) influenciam as pessoas, não atuam de modo determinista e não são os únicos fatores que contam.

[]s,

Roberto Takata

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails