Foi anunciada com fanfarra em press release por uma equipe de cientistas britânicos e estadunidenses a detecção de moléculas de sulfeto de dimetila (DMS) e bissulfeto de dimetila (DMDS) em um exoplaneta (K2-18b) a 124 anos-luz de distância da Terra. (O estudo "New Constraints on DMS and DMDS in the Atmosphere of K2-18 b from JWST MIRI" está disponível em acesso aberto.)
A imprensa repercutiu o título da nota de que seria "a mais forte pista de atividade biológica fora do sistema solar".
CNN Brasil (reproduzindo Reuters): "Cientistas encontram a mais forte evidência de vida em planeta alienígena"
Folha (também reproduzindo Reuters): "Cientistas encontram a evidência mais forte até agora de vida em um planeta alienígena"
Jornal Nacional "Surgem evidências mais fortes da possibilidade de vida fora da Terra; entenda"
Mas será mesmo a mais forte evidência e de vida fora da Terra? É, com pouco espaço para dúvidas, a evidência mais forte de presença de DMS e DMDS na atmosfera de um planeta fora do Sistema Solar*. Ligar isso à presença de vida é bastante arriscado. Não dá para culpar a imprensa (ao menos apenas ela), está no título do release. Por mais que os cientistas digam, segundo a Reuters, que "não estão anunciando anunciando a descoberta de organismos vivos reais" e que "os resultados devem ser vistos com cautela, sendo necessárias mais observações".
Essa cautela é desmanchada, ainda segundo a própria Reuters, logo em seguida: "Mesmo assim, eles expressaram entusiasmo. Estes são os primeiros indícios de um mundo alienígena que possivelmente é habitado (sic), disse o astrofísico Nikku Madhusudhan do Instituto de Astronomia da Universidade de Cambridge, autor principal do estudo publicado no Astrophysical Journal Letters." (O 'habitado' aí, suponho, que seja 'habitável', isto é, em região em que a água, se presente, poderia estar em estado líquido. O planeta K2-18b orbita uma estrela anã vermelha chamada, claro, K2-18, que fica a 124 anos-luz da Terra, em direção da constelação de Leão. A distância média do planeta à estrela é de cerca de 27 milhões de km - em comparação, estamos a uma distância média de nosso Sol de uns 150 milhões de km. K2-18b está mais perto de sua estrela do que Mercúrio, do Sol; mas como a K2-18 é uma anã vermelha, ela deve aquecer o planeta sensivelmente menos do que o Sol aquece Mercúrio, permitindo que a água, caso haja no planeta, ficasse em estado líquido.)
A tentativa de ligar a presença, de indício bastante sólido, de DMS/DMDS com atividade biológicas é que, na Terra, esses compostos são em quase totalidade produzidos por seres vivos. Aí são moléculas candidatas a serem bioassinaturas - sinais de presença de vida.
Só que essa alegação é duvidosa. Em primeiro lugar, nem na Terra, DMS e DMDS são produzidos exclusivamente por meio de reações químicas dentro de seres vivos. O DMS é produzido industrialmente pela reação de sulfeto de hidrogênio com metanol, usando óxido de alumínio como catalisador. Em segundo lugar, o ambiente do planeta K2-18b é bem diferente do da Terra. Nossa atmosfera é oxidante, rica em oxigênio, que rapidamente degrada o DMS em outros compostos sulfurosos. A atmosfera do K2-18b parece ser rica em metano.
O DMS nada mais é do que um átomo de enxofre ligado a duas metilas, um radical derivado do metano. (Fig. 1) O DMDS é similar, com um átomo de enxofre a mais. (Fig. 2)
JWST has observed the exoplanet K2-18b transit on multiple occasions with different instruments. The first JWST observations (with the NIRISS and NIRSpec instruments), found a clear detection of CH4 (5σ) and also reported CO2 (3σ) and DMS (1σ). Madhusudhan+2023: iopscience.iop.org/article/10.3...
— Dr Ryan MacDonald (@distantworlds.space) April 17, 2025 at 1:08 PM
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When the original K2-18b NIRISS and NIRSpec data became publicly available, we did an independent re-analysis. We confirmed the CH4 detection (4σ), but CO2 and DMS were nowhere to be seen. (Note: our paper is currently going through peer review) Schmidt+2025: arxiv.org/abs/2501.18477
— Dr Ryan MacDonald (@distantworlds.space) April 17, 2025 at 1:08 PM
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Upideite (21.abr.2024): A astrônoma Aline Novais também explica os vários senões para se afirmar que houve detecção de DMS/DMDS: as incertezas associadas às várias hipóteses assumidas pelos modelos utilizados.