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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

P: Quanto vale um cientista? R: Menos do que você e eu esperávamos, ao menos para a Elsevier.

A mesma Elsevier que é alvo de boicote por um grupo de pesquisadores pelo que consideram prática abusiva de comercialização de conhecimento científico resolveu dar uma investida para adquirir o serviço de compartilhamento de artigos científicos, o Mendeley.

A possível aquisição já levanta discussões: por exemplo, a editora nederlandesa pode encrencar com a questão dos copirráites e tornar o compartilhamento bastante restrito e fica também a questão dos dados pessoais, como a publicadora os usará? Uma comparação interessante, no entanto, pode ser feita com a cartada da Elsevier.

O Facebook teve seu capital aberto no primeiro semestre de 2012, com uma IPO (oferta pública inicial de ações) no montante de 104 bilhões de dólares. O número de usuários era estimado em 995 milhões de pessoas por todo o mundo. O que significava um valor de US$ 104 per capita.

A oferta pelo Mendeley, com uma base de 2,1 milhões de usuários, é de US$ 100 milhões. Isto é, US$ 47,6 per capita.

Claro que há vários aspectos que precisam ser levados em conta na comparação dos valores. Fiz um resumo com minha avaliação de alguns parâmetros (Figura 1).

Figura 1. Análise comparativa de parâmetros comerciais para o Mendeley e o Facebook.

Poder aquisitivo
Obviamente não sou um especialista de mercado, mas me parece que a comunidade de usuários do Mendeley (ML) tem um poder aquisitivo médio maior do que o dos usuários do Facebook (FB). A maioria dos usuários do ML têm nível de ensino superior, trabalham em universidades e centros de pesquisa, esse grupo costuma ter uma renda mais alta nas sociedades. Além disso, têm acesso a verbas de pesquisa, podendo usá-las para equipar e abastecer os laboratórios em que trabalham.

Gama de produtos e serviços
O público do FB é mais amplo tanto numericamente como socioeconômica, cultural e etariamente. Uma gama maior de produtos e serviços tendem a ser demandados. Mais empresas podem se interessar em suprir essas demandas.

Preço unitário
Em parte está ligado ao poder aquisitivo - quem tem mais dinheiro pode comprar produtos mais caros. Mas produtos para pesquisa tendem a ter um preço unitário maior do que produtos consumidos no dia a dia. Sim, um carro é muito mais caro do que uma caixa de eppendorf; mas, na média, o valor do tíquete dividido pela quantidade de itens tende a ser maior.

Segmentação
De um lado, a maior homogeneidade do público do ML significa uma variedade menor dode gama de produtos e serviços. Por outro, significa que as empresas terão uma vitrine bem mais focada. Em parte essa vantagem do ML pode ser compensada pelo FB ao permitir filtrar o público pelos dados do formulário de cadastro.

Conversão em vendas
Uma segmentação maior pode significar uma exposição mais bem focada e, portanto, maior probabilidade de conversão em vendas de produtos e serviços. Mas também tem o fator de compra por impulso. Produtos para pesquisa tendem a ter baixa probabilidade de compra por impulso ("olha, eu vi no catálogo um envelope com 10 mg de Taq liofilizada e não resisti"). Em parte pode ser compensada com produtos de consumo pessoal de linha bem especializada (como sabonetes alusivos a culturas microbiológicas e outras quinquilharias nerdes).

Fidelidade
Maior foco permite a apresentação de produtos mais bem direcionados, o que facilita a fidelidade. Cientistas não trocam de fornecedor a toda hora - em parte, por causa dos preços não variarem tanto assim (há cartelização forte em muitos setores ou mesmo oligopólios e monopólios, com as patentes); em parte porque não são eles que estão pagando, então a outros fatores como qualidade, agilidade e confiabilidade pesam mais.

Exposição
Naturalmente, com um número de usuários muito maior, tende a haver maior exposição no FB. Além disso, a mídia de noticiário geral tende a cobrir melhor os eventos que ocorrem no FB do que em redes sociais menores e mais segmentadas.

Viralização
Maior exposição e maior base de usuários facilitam a viralização. Embora em um público mais homogêneo algo que seja viral tende a se espalhar mais completamente e ter maior penetração relativa.

Prestígio
Com um público que tende a ter uma melhor posição socioeconômica, o prestígio da rede tende a ser maior.

Há vários outros fatores que não foram levados em conta - como facilidade da plataforma para ecommerce e o modelo de negócio aplicável - e outros que nem sequer imagino que existam e influenciem.

Mas, no geral, acho que a Elsevier está jogando o preço do Mendeley muito para baixo. Um cientista valer, comercialmente, menos da metade do que um cidadão aleatoriamente* tomado da população é forçar a amizade.

*Upideite(18/jan/2013): Não é tão aleatório, claro, já que a distribuição de acesso à internet é heterogênea.

2 comentários:

Unknown disse...

Não sei se concordo com a sua análise. Acho que o valor "per capta" (se é que essa é uma perspectiva válida) não leva em conta o valor total do individuo como consumidor. No caso do Mendeley e pesquisadores, eles estarão comprando como pesquisadores (como você apontou) e não como consumidores "globais". Não é o valor do pesquisadorXcivis, mas poderia ser encarado como o valor de mercado de um aspecto de uma pessoa (o pesquisador) contra seu valor total.

E nesse caso, 50% do valor me parece bastante elevado, levando em conta que a grande maioria são pós-graduandos que não apresentam gastos pesados com equipamentos. Tire ainda mais as áreas que nào dependem fortemente de equipamentos, como matemática, áreas teóricas, filosofia e humanidades, e talvez o valor médio do pesquisador vá mais para baixo ainda.

none disse...

Salve, Fabio,

Valeu pela visita e comentários.

É um modo de ver. Mas a questão é: quanto, em média, o FB e o ML têm de capacidade de gerar lucros por usuário.

Equipamentos puxam a média bem para cima. Mas mesmo desconsiderando-os; o valor unitário médio dos itens de compra devem ser maiores. Reagentes não são exatamente baratos, nem softwares, nem livros, inscrições para congressos ou os próprios artigos.

E, sim, na análise considerei apenas o consumo dos pesquisadores para pesquisas - embora itens pessoais como quinquilharia geek possam ser eventualmente incluídos (citei isso de passagem). E me parece que a média individual do valor dos itens que são comprados assim são superiores à média dos itens comprados por pessoas "comuns". Itens como pasta de dentes, aspirina, pilhas, etc, puxam a média para baixo.

[]s,

Roberto Takata

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