O ferimento fingido ("injury feigning") ou a exibição de asa quebrada ("broken wing display") é um comportamento de evitação de predação de ovos e ninhada observado em adultos de algumas espécies de pássaros que nidificam no chão.
Diante dos predadores, a uma certa distância, as aves arqueiam uma ou ambas as asas arrastando-as enquanto se locomovem de um modo desengonçado ou se debatem no mesmo local mantendo uma das asas estendida e imóvel, como se estivera quebrada.
Inicialmente vários autores (e.g. Dewar 1928, Jourdain 1936) supuseram que o comportamento fosse resultado de uma espécie de "choque" causado pelo avistamento do predador levando a uma paralisia parcial - um conflito interno entre fugir e deixar sua prole desprotegida. O reverendo F.C.R. Jourdain revisando os casos que conhecia à época (1936, 1937) concluiu que, na verdade, tratava-se de um comportamento que procurava dirigir as ações do predador. (Montgomerie & Weatherhead 1988.)
Um fato que é preciso observar é que há uma variação dentro da mesma espécie na exibição ou não de tais comportamentos diante de um predador.
Byrkjedal (1989) estudou o comportamento da tarambola dourada americana (Pluvialis dominica) de uma população em Manitoba, Canadá. Em relação a potenciais ameaças humanas (ele mesmo) aos ninhos, observou quatro tipos básicos de comportamento: a) as aves fugiam do ninho diretamente rumo a um esconderijo, sem nenhuma exibição distrativa; b) fugiam do ninho diretamente até se afastarem permanecendo à vista; c) fugiam do ninho de modo escondido até encontrarem um novo esconderijo e d) fugiam do ninho exibindo comportamento de distração e permaneciam à vista. Os comportamentos mais discretos - 'a' e 'c' - foram observados apenas em 10% das vezes (das 88 repetições que fez). Machos e fêmeas não diferiam no comportamento nesse aspecto.
Em 17 ocasiões, os machos iniciavam vocalização enquanto o intruso de aproximava a menos de 5 a 10 metros do ninho. Mas, durante a fuga, direta ou com exibição de distração o movimento era realizado em silêncio. Em 63 repetições, o pesquisador permaneceu perto do ninho por 5 minutos; dos 50 casos em que um macho ocupava o ninho, em 27, após a fuga, o macho se reaproximava do intruso e exibia o comportamento de distração.
Nem todas as exibições de distração foram de asa quebrada. Apenas cerca de 8 exibições envolviam a movimentação da asa como se ferida. Porém, quando da reaproximação do macho ao predador insistente, de 71 casos, em 60 havia a exibição estacionária da asa quebrada e em 50 a exibição era em deslocamento.
Já no borrelho ruivo (Charadrius morinellus), a exibição de asa quebrada é mais frequente dentre as exibições distratoras conforme estudo anterior do mesmo Byrkjedal (1987) com populações norueguesas das aves - o estudo comparou com o comportamento antipredação de outra espécie tarambola dourada (Pluvialis apricaria). (Fig. 2)
O pesquisador correlacionou a exibição de comportamentos de distração quando ele se aproximava dos ninhos com a sobrevivência desses ninhos (ele acompanhou alguns a certos intervalos procurando por sinais de predação dos ovos). Ninhos em que os pais exibiam mais intensamente comportamentos distratores tiveram melhores índices de sobrevivência. Para o borrelho ruivo, exibições estacionárias tiveram um efeito protetivo maior do que exibições em deslocamento; mas não houve diferença no caso da tarambola dourada. Isso certamente pode explicar as diferenças na distribuição dos tipos de comportamento de distração. O fingimento estacionário de ferimento é quase ausente entre as tarambolas douradas, mas está presente em quase 30% dos ninhos estudados de borrelhos ruivos.
Não consegui encontrar um trabalho que analisasse a genética e a herdabilidade dos comportamentos de fingimento. É bastante tentador atribuir fatores herdáveis a parte dessas exibições, e é um chute muito razoável, porém temos que ter em mente que pode não ser exatamente o caso.
Entre as batuíras melodiosas (Charadrius melodus) o comportamento não é do tipo tudo ou nada, estereotipado. A exibição de asa quebrada é flexível, variando de acordo com a distância e o movimento do predador. As aves também aprendem a exibir somente diante de intrusos que representem ameaças mais sérias.
Dado que há variabilidade na exibição do comportamento de fingir ferimentos e dado que tal comportamento é vantajoso, se a variação for herdável, é de se esperar que a característica esteja sujeita à seleção natural. De todo modo, ainda não se sabe como se deu a origem/evolução do comportamento, nem há dados a respeito dos custos para o adulto - p.e. possivelmente ficam mais expostos à predação, mas o quanto mais?
Referência
Byrkjedal, I. 1987. Antipredator behavior and breeding success in greater golden-plover and Eurasian dotterel. The Condor 89:40-7.
Byrkjedal, I. 1989. Nest defense behavior of lesser golden-plovers. Wilson Bull. 101(4): 579-90.
Montgomerie, R.D. & Weatherhead, P.J. 1988. Risks and rewards of nest defence by parent birds. The Quaterly Review of Biology 63(2): 167-87.
terça-feira, 1 de abril de 2014
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