Mais abaixo publico na íntegra (ou quase, parte da entrevista acabou não sendo gravada) transcrição do depoimento de Glaucius Oliva sobre pesquisa em rede e internacionalização da ciência brasileira - tema da palestra que deu no evento.
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Cientistas
ressaltam importância de redes de pesquisa em evento na Unicamp
Entre os dias 4 e 6 de
agosto, o Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG)
e o Laboratório Central de Tecnologias de Alto Desempenho em
Ciências da Vida (LaCTAD) realizaram o Advanced
Topics in Genomics and Cell Biology
(“Tópicos Avançados em Genômica e Biologia Celular”) no Centro
de Convenções da Unicamp. Na edição deste ano, o tema foi a
genômica translacional – área relativamente nova da pesquisa
genética que procura integrar os conhecimentos genômicos no
entendimento dos mecanismos moleculares de desenvolvimento de
doenças. Em seu primeiro dia, o principal tópico destacado foi a
formação de redes de pesquisa e sua importância para o
desenvolvimento da ciência atual.
O presidente do CNPq, o
físico Glaucius Oliva, em sua palestra destacou as ações do
governo federal para a indução de formação de redes de pesquisa e
seu fortalecimento. “Você
não pode pensar em fazer ciência hoje sem ser em rede”,
disse Oliva. Dentre os desafios do sistema de Ciência e Tecnologia
no Brasil que podem ser enfrentados pela pesquisa em rede listados
pelo dirigente estão a qualidade e o impacto social, econômico e
educacional dos estudos, o melhor uso da infraestrutura
científico-acadêmica, a internacionalização da ciência
brasileira e a inovação. “Em função da necessidade do
crescimento interno, nós perdemos muito da nossa capacidade de
cooperação internacional nos anos recentes e por isso a
participação em redes internacional é extremamente importante”,
reconheceu Oliva em entrevista exclusiva ao Com Ciência Notícia.
Mas esse processo de integração a redes internacionais tem seus
próprios desafios. “Um exemplo recente é o do ESO
[Observatório Europeu do Sul, principal organização astronômica
intergovernamental da Europa]; há uma proposta de
participação brasileira, mas que a própria comunidade científica
discutia, porque achava que era muito dinheiro num laboratório
internacional, quando devia colocar esse dinheiro para os
laboratórios do próprio país”,
disse completando: “A gente tem que, de fato, olhar de
uma forma mais abrangente a interação dentro do país e,
principalmente, fora do país no formato de redes.”
O
biólogo Wen Hwa Lee, do Structural Genomic Consortium (consório de
pesquisa em parceira público-privada com sede em Toronto, Canadá),
apontou a necessidade da realização da pesquisa dentro do modelo de
“Ciência Aberta” com uma rede de pesquisadores sem o
envolvimento de propriedade intelectual sobre as ferramentas de
pesquisa e outros insumos, diferentemente da pesquisa farmacêutica
tradicional.
Elise
Feingold, bióloga, líder do Projeto ENCODE de anotação do genoma
humano, não pôde comparecer ao evento em que palestraria sobre o
papel da integração de dados no entendimento das doenças humanas.
Mas, em entrevista por e-mail, Feingold apontou que ferramentas
disponíveis na internet como wikis, compartilhamento de documentos
na nuvem para edição coletiva e teleconferências ajudam a reduzir
a necessidade de encontros presenciais – nem sempre possíveis dado
o fato de que os cientistas em geral estão bastante atarefados
desenvolvendo suas pesquisas.
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Depoimento de Glaucius Oliva sobre a importância das redes de pesquisa no Brasil e o papel da internacionalização da ciência brasileira.
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[…] habilidades
instrumentais, elas requerem uma forte interação com o mundo
exterior aonde os problemas importantes estão aí para serem
resolvidos, e por isso, no mundo todo, os principais projetos hoje
têm sido desenvolvido sempre nesse formato de redes. No Brasil, esse
programa foi pioneiramente desenvolvimento pela Fapesp, que ao longo
de sua história foi antecipando, no nível nacional, várias
modalidades de apoio a redes, inicialmente apoiava projetos
individuais. Projetos temáticos já foi uma forma de introduzir
redes. Programas multiusuários, uma outra forma de introduzir redes.
E depois os CEPIDs, já no final da década de 90, quando ela lança
o programa para terem redes maiores neste caso. No nível nacional,
nós também fomos tendo diversos programas para apoiar redes, desde
o programa Pronex, Grupos de Excelência, depois o programa dos
Institutos do Milênio, depois o programa dos INCTs, que agora está
sendo renovado, e todos eles requerendo essa conjugação de grupos
mais consolidados com grupos emergentes no país. Evidente que hoje o
grande desafio da ciência brasileira é também se internacionalizar
mais. Em função da necessidade de crescimento interno, nós
perdemos muito da nossa capacidade de cooperação internacional nos
anos recentes e por isso a participação em redes internacionais é,
de fato, extremamente importante, embora isso mesmo dentro das
comunidades às vezes gera olhares contraditórios, nós tivemos um
exemplo recente que é o do ESO, European Southern Observatory, que,
enfim, há uma proposta de participação brasileira, que
evidentemente tem que ser aprovada pelo Congresso Nacional, se a
gente quer aportar recursos vultosos, mas que a própria comunidade
científica discutia, porque achava que era muito dinheiro num
laboratório internacional, quando devia colocar esse dinheiro para
os laboratórios do próprio país. O programa Ciência sem
Fronteiras também gerou esse tipo de reação: “ah, será que vale
a pena pagar para estudantes brasileiros irem para o exterior quando
a gente podia pegar esse mesmo dinheiro e botar nos laboratórios de
ensino das universidades brasileiras”, mas essas coisas tem que ser
completares, entendeu? A gente tem que, de fato, olhar de uma forma
mais abrangente a interação dentro do país e, principalmente, fora
do país no formato de redes.
Tem duas modalidades no
Ciência sem Fronteiras para atrair pesquisadores do exterior. Uma é
para jovens talentos, que são pós-docs diferenciados, com uma bolsa
diferenciada com auxílio à pesquisa. Equivalente ao Jovem
Pesquisador aqui da Fapesp. Nós já temos 500 bolsas dessa
modalidade concedidas nos últimos três anos. E o outro programa é
o programa de Professor Visitante Especial, esse é um programa bem
interessante, porque você pega um pesquisador sênior, cientista de
alto nível internacional, e que está disposto a vir ao Brasil, um,
dois meses por ano, por um período de três anos inicial[mente]. Ele
ganha uma bela bolsa pelo mês que passa aqui. São 14 mil reais
pessoais, por mês. Esse mês não precisa ser contínuo, pode ser
dividido em estágios. Ele ganha uma bolsa de pós-doc, para deixar
um pós-doc aqui trabalhando durante três anos. Uma bolsa de
doutorado sanduíche para cada vez que vem levar um estudante junto
com ele de volta para seu país de origem. E 50 mil reais por ano
para fazer pesquisas aqui no laboratório que o hospeda. E um acordo
com agências de fomentos locais, estaduais e federais de que esses
indivíduos nesses programas podem pedir projetos maiores nas
agências liderando esses projetos. Porque eles têm um certo
vínculo, então, com as instituições que os hospedam. Nós já
temos 8 centros desses pesquisadores no Brasil trabalhando hoje em
dia.
Não, não [não temos
metas numéricas para esses programas]. Nós temos agora a renovação
do programa Ciência sem Fronteiras pelos próximos 4 anos. Mais 100
mil bolsas. E portanto a gente espera ter aí um número maior para
os próximos anos a seguir.
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Agradecimentos: Aos entrevistados; à comissão organizadora do evento. Às orientadoras Profa. Dra. Simone Pallone e Dra. Katlin Massirer.
Este trabalho foi produzido sob financiamento da Fapesp (Bolsa Mídia Ciência).
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