Figura 1. Estrutura molecular da capsaicina. Fonte: Wikimedia Commons.
A capsaicina é um metabólito secundário presente em plantas do gênero Capsicum, a qual pertencem as pimentas do tipo malagueta. Em contato com mucosas, ela causa sensação de ardência e dor nos mamíferos, mas não em aves - que são as dispersoras das sementes da planta.
Ela age sobre o receptor de vaniloide tipo 1 (VR1 - Fig. 2) que é um canal não-seletivo de cátions, presente em fibras sensórias periféricas (C - de pequeno diâmetro - e Aδ - de diâmetro médio) e em alguns núcleos cerebrais. Quando ativado, o VR1 permite o fluxo de íons positivos como Ca2+ e K+, despolarizando a membrana celular e ativando as fibras, em estímulo interpretado como dor. (Caterina & Julius 2001.)
Figura 2. Estrutura molecular do receptor VR1. Fonte: Wikimedia Commons.
O VR1 é ativado por vários tipos de estímulos potencialmente nocivos: pH baixo, temperaturas acima de 43°C e compostos vegetais: como a própria capsaicina
Figura 3. Representação esquemática de interação de estímulos na potencialização do efeito sobre o receptor VR1. Fonte: Tominaga et al 1998.
Em 2002, foi descrita
Figura 4. Estrutura molecular da N-araquidonil-dopamina. Fonte: Wikimedia Commons.
O papel fisiológico da NADA (sem trocadilhos, e perdoem-me o cacófato) parece ser o de modular a ação de neurônios dopaminérgicos (DA). Na parte compacta da substância negra (substantia nigra pars compacta - SNpc), núcleo da base cerebral que produz dopamina e tem papel no sistema de recompensa e no desenvolvimento do vício. A NADA, através da ativação do VR1, aumenta a transmissão glutaminérgica pelos neurônios (DA), e reduz através da ativação do receptor de canabinoide tipo 1 (CB1-R). (Marinelli et al. 2006.)
Como os mamíferos herbívoros mastigam seus alimentos, as sementes frágeis de pimenta são destruídas. As aves engolem as sementes inteiras, que sobrevivem a seu trato digestório e são eliminadas com as fezes em outro local, sendo, assim, dispersas. Essa diferença pode ter sido o fator seletivo para a evolução da capsaicina. (Levey et al 2006.) A substância tem também um efeito antifúngico (Fieira et al. 2013).
A exposição prolongada à capsaicina leva a uma dessensibilização pelo esgotamento dos cátions (O'Neill 1991), assim a capsaicina, um tanto ironicamente, também pode ser usada como analgésico.
O spray de pimenta é usado como arma sub-letal na incapacitação temporária de agressores (humanos e animais): atingindo os olhos causa intenso lacrimejamento e irritação, cegando do indivíduo de modo reversível, a dor intensa também reduz a capacidade do indivíduo em se locomover. Nos EUA, a taxa de sucesso de subjugamento do indivíduo é de 90% (apud Busker & Van Helden 1998). Embora frequentemente denominado de não-letal, o spray pode ocasionalmente provocar a morte do indivíduo exposto. Estudos de casos de morte durante ação policial e modelos animais indicam que a capsaicina potencializa o efeito letal da cocaína (Mendelson et al. 2010). Há também preocupações acerca do efeito do spray sobre o trato respiratório (Billmire et al. 1996).
Como a capsaicina é lipofílica, lavagem com água tende a contribuir pouco para sua remoção das mucosas. O vinagre, sendo solução aquosa, também é ineficiente para diluir o composto, além disso, seu pH reduzido pode potencializar o efeito. Na mucosa oral, substâncias oleosas e gordurosas como o leite podem diminuir a sensação de queimação (Nasrawi & Pangborn 1990) - não se recomenda a aplicação delas sobre a mucosa dos olhos, no entanto.
Referências
Billmire DF, Vinocur C, Ginda M, Robinson NB, Panitch H, Friss H, Rubenstein D, & Wiley JF (1996). Pepper-spray-induced respiratory failure treated with extracorporeal membrane oxygenation. Pediatrics, 98 (5), 961-3 PMID: 8909494
Busker RW, & van Helden HP (1998). Toxicologic evaluation of pepper spray as a possible weapon for the Dutch police force: risk assessment and efficacy. The American journal of forensic medicine and pathology, 19 (4), 309-16 PMID: 9885922
Caterina MJ, & Julius D (2001). The vanilloid receptor: a molecular gateway to the pain pathway. Annual review of neuroscience, 24, 487-517 PMID: 11283319
Fieira, C., Oliveira, F., Calegari, R., Machado, A., & Coelho, A. (2013). In vitro and in vivo antifungal activity of natural inhibitors against Penicillium expansum Ciência e Tecnologia de Alimentos, 33, 40-46 DOI: 10.1590/S0101-20612013000500007
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Huang SM, Bisogno T, Trevisani M, Al-Hayani A, De Petrocellis L, Fezza F, Tognetto M, Petros TJ, Krey JF, Chu CJ, Miller JD, Davies SN, Geppetti P, Walker JM, & Di Marzo V (2002). An endogenous capsaicin-like substance with high potency at recombinant and native vanilloid VR1 receptors. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 99 (12), 8400-5 PMID: 12060783
Marinelli S, Di Marzo V, Florenzano F, Fezza F, Viscomi MT, van der Stelt M, Bernardi G, Molinari M, Maccarrone M, & Mercuri NB (2007). N-arachidonoyl-dopamine tunes synaptic transmission onto dopaminergic neurons by activating both cannabinoid and vanilloid receptors. Neuropsychopharmacology : official publication of the American College of Neuropsychopharmacology, 32 (2), 298-308 PMID: 16760924
Mendelson JE, Tolliver BK, Delucchi KL, Baggott MJ, Flower K, Harris, CW, Galloway GP & Berger P. (2010) Capsaicin, an active ingredient in pepper sprays, increases the lethality of cocaine. Forensic Toxicology, 28(1), 33-37. DOI: 10.1007/s11419-009-0079-9
Nasrawi CW, & Pangborn RM (1990). Temporal effectiveness of mouth-rinsing on capsaicin mouth-burn. Physiology & behavior, 47 (4), 617-23 PMID: 2385629
Levey DJ, Tewksbury JJ, Cipollini ML, & Carlo TA (2006). A field test of the directed deterrence hypothesis in two species of wild chili. Oecologia, 150 (1), 61-8 PMID: 16896774
O'Neill TP (1991). Mechanism of capsaicin action: recent learnings. Respiratory medicine, 85 Suppl A, 35-41 PMID: 1709750
Tominaga M, Caterina MJ, Malmberg AB, Rosen TA, Gilbert H, Skinner K, Raumann BE, Basbaum AI, & Julius D (1998). The cloned capsaicin receptor integrates multiple pain-producing stimuli. Neuron, 21 (3), 531-43 PMID: 9768840
*Upideite(28/jun/2013): A Profa. Dra. Marília Zaluar Guimarães informa pelo facebook que o AITC (isotiocinato de alila) ativa outro receptor, o TRPA1 (que é o canal de atuação do gás lacrimogêneo). E, além da NADA, outro endocanabinóide que atua sobre o VR1 e CB1 é a anandamida. O VR1 também é chamado de TRPV1 - transient receptor potential vanilloid type 1 (channel).
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