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A sensação de dor é codificada por fibras nervosas do tipo Aδ e C com terminais livres na região cutânea e subcutânea - o limiar de disparo dos receptores mecânicos de dor é muito mais alto do que a de mecanorreceptores táteis também presentes na pele (Purves et al. 2001).
Os detalhes moleculares da transdução do estímulo mecânico doloroso em sinais elétricos da dor não são bem conhecidos (Eilers & Schumacher 2005). Baseando-se em modelos invertebrados e bacterianos, dois grandes modelos de transdução molecular são propostos: um processo mecanoquímico e um sistema de controle mecânico de abertura de canais (Julius & Basaum 2001).
No mecanoquímico, células sob pressão ou em tecidos mecanicamente deformados liberariam sinais químicos (como ATP) para o meio extracelular. Receptores nos terminais nervosos livres ligar-se-iam a esses compostos e disparariam ondas de despolarização da membrana (Fig 1a). No sistema de controle mecânico de abertura, canais iônicos de membrana teriam porções proteicas ligadas fisicamente ao meio extracelular e ao citoesqueleto - a movimentação causada pelo estímulo mecânico tensionaria as proteínas abrindo o canal (Fig. 1b) - alternativamente, alteração da forma ou volume da célula criaria uma tensão horizontal na membrana celular, levando à abertura do canal (Fig. 1c).
Figura 1. Mecanismos de transdução de estímulos mecânicos nocivos. a) sistema mecanoquímico - quando submetidas à pressão ou deformação, células da pele liberam sinais químicos (ligantes) no meio extracelular, os sinais ligam-se a canais de membrana dos terminais nervosos livres, abrindo o canal: o processo de liberação do sinal químico pode ser como em (b) ou (c); b) sistema mecânico com ancoragem física de canais de membrana a elementos da matriz extracelular: deformação do tecido desloca da matriz extracelular, provocando a abertura do canal iônico; c) sistema mecânico por distensão da membrana celular: deformação ou alteração da curvatura da membrana celular abre os canais iônicos. Modificado de Julius & Basaum 2001.
Com o impacto do projétil, o processo de transdução produz a despolarização da membrana e o disparo do sinal nos neurônios nociceptores. As fibras conduzem o sinal até o gânglio dorsal da medula. De lá sobe até as vias superiores, onde é processado como sinal doloroso (Fig. 2). Na medula, o sinal dispara um arco reflexo que afasta a parte do corpo da fonte do estímulo.
Figura 2. Via de processamento de sinais dolorosos. Fonte: Etherpedia - Post-Operativa Pain.
A lesão do tecido libera também sinais químicos como ATP, adenosina, prótons, bradicinina, e, via células do sistema imunológico recrutadas ao local, histamina, serotonina, interleucinas, NGFs (fatores neurotróficos), etc. que disparam o processo inflamatório. Vários desses compostos - como os prótons - ativam vias de nocicepção química, incluindo os canais VR1, o que proporciona a sensação de ardência da laceração da pele. (Scholz & Woolf 2002; Basbaum et al. 2009.)
Prostaglandinas e bradicininas ligam-se a receptores associados à proteína G. A ativação desta leva a uma cascata que aciona as cinases de proteína, que fosforilam canais de membrana, isso resulta na diminuição do limiar de disparo: a região inflamada passa a ter uma maior sensibilidade e estímulos que antes não causavam nenhum incômodo passam a ser percebidos como dolorosos. (Scholz & Woolf 2002; Basbaum et al. 2009.)
Mesmo não havendo uma laceração da pele, vasos periféricos podem ser danificados, havendo vazamento e acúmulo de sangue no local formando o hematoma. Pode ainda ocorrer a formação de hematomas em tecidos profundos.
Interpreta-se a dor como um mecanismo adaptativo. A dor aguda chama a atenção para a fonte do estímulo nocivo - o reflexo prontamente afastando a parte do corpo da fonte e o processamento superior associando emoções negativas e eliciando respostas mais complexas, como fuga da fonte ou ataque contra ela, bem como a geração de memória que evite experiências similares no futuro. Em havendo lesão, a dor subcrônica ocasionada protege a região afetada, evitando o indivíduo que a área seja tocada enquanto ocorre o processo natural de reparo. (Scholz & Woolf 2002.)
Referências
Basbaum AI, Bautista DM, Scherrer G, & Julius D (2009). Cellular and molecular mechanisms of pain Cell, 139 (2), 267-284 DOI: 10.1016/j.cell.2009.09.028
Eilers H, Schumacher MA. 2005 Mechanosensitivity of Primary Afferent Nociceptors in the Pain Pathway. In: Kamkin A, Kiseleva I, editors. Mechanosensitivity in Cells and Tissues. Moscow: Academia.
Julius, D, & Basbaum, AI (2001). Molecular mechanisms of nociception Nature, 413, 203-210 DOI: 10.1038/35093019
Purves D; Augustine GJ; Fitzpatrick D et al. (eds.) 2001. Nociceptors. In Neuroscience 2nd. ed. Sunderland (MA): Sinauer Associates.
Scholz, J., & Woolf, C.J. (2002). Can we conquer pain? Nature Neuroscience, 5, 1062-1067 DOI: 10.1038/nn942
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