Essa mitologia seriam histórias a serem contadas nas peças publicitárias e propagandísticas, histórias envolventes, que toquem os sentimentos do consumidor (o que não quer dizer que sejam peças necessariamente emotivas, piegas - há vários sentimentos a serem explorados, nem todos nobres: sensação de poder, de ser especial e diferente...).
(Mercadólogos são especialmente antenados com buzzwords. Já criaram cursos que juntam dois conceitos hypados: "inovação em storytelling".)
Escrevo isso com uma certa pitada de menoscabo. Mas por trás da importância inflada há *alguma* base psicológica séria (o que não quer dizer que tudo seja cientificamente embasado).
Histórias, sim, ajudam a marcar. A criação de narrativas em torno de elementos que são desconjuntados isoladamente ajuda a fixar na memória e é uma das técnicas mais eficientes. Dada uma lista aleatória de itens, digamos: fonógrafo, lixa, címbalo, pavão, plugue, ferro de passar, nariz, plaina, rinoceronte; é mais fácil de nos lembrarmos dos itens se os conectarmos dentro de uma historinha mais ou menos realista e compacta do que tentar pura e simplesmente decorar a lista item a item. Algo como: "Fui mexer em um velho fonógrafo, mas ele estava quebrado. Usei uma lixa para tirar a ferrugem e o atrito fazia um som de címbalo. Por baixo da ferrugem apareceu uma imagem de um pavão. Peguei o plugue do ferro de passar pra tirar uma peça. Estava suja que nem o nariz. Tentei passar uma plaina, mas era mais dura que pele de rinoceronte."
Histórias também compelem o nosso modo de pensar a certas direções. Em seu livro "O Andar do Bêbado" (2008, Ed. Zahar, 261 pp.), o físico Leonard Mlodinow saca o resultado de um experimento publicado em 1952 por Daniel Kahneman e Amos Tversky. 36 alunos de graduação eram informad
1. Participa do movimento feminista
2. É bancária e participa do movimento feminista
3. É bancária
Em um raciocínio estritamente lógico-probabilístico, a probabilidade de Linda ser A *e* B deve ser *menor* do que a probabilidade de qualquer uma das condições isoladamente: de ser A ou de ser B. A probabilidade de uma pessoa qualquer ser corintiana e careca deve ser, no máximo, igual à probabilidade de ser corintiana ou de ser careca. Mas 31 consideraram a afirmação 2 como mais provável do que a afirmação 3.
(Há, no entanto, uma interpretação alternativa que os entrevistados podem ter dado à afirmação "Linda é bancária": como há a opção "Linda é bancária e participa do movimento feminista", podem ter interpretado inicialmente que a afirmação "Linda é bancária" corresponderia a "Linda é bancária e não participa do movimento feminista", em vez de "Linda é bancária e pode ou não participar do movimento feminista". Porém, mesmo depois de esclarecidos sobre a questão da probabilidades de eventos disjuntos, 2 alunos permaneceram considerando que a afirmação 2 era mais provável do que a 3.)
Embora cada detalhe não consubstanciado nos dados acrescentado na descrição efetivamente *diminua* a probabilidade geral do relato ser verdadeiro, as pessoas parecem considerar que detalhes que não sejam flagrantemente contraditórios com o que se sabe aumentam a verossimilhança do relato.
Tendo jogado só a água suja, pegando o bebê de banho tomado e fralda trocada, o que resta de efetivamente aplicável no "storytelling" na divulgação científica?
Continuo depois.
Parte 3.
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