O resultado do 1° ILC não é nem um pouco diferente do que seria o esperado - o diabo é tão feio quanto pintam. Entre os entrevistados (2.002 pessoas entre 15 e 40 anos de nove regiões metropolitanas e do DF), apenas 5% apresentam o nível 4 - letramento científico proficiente: e a proficiência não é um nível particularmente alto de conhecimento, envolve coisas como interpretar gráficos de acordo com certas hipóteses (no exemplo do relatório, verificar o gráfico de projeção de temperaturas globais de acordo com as emissões de carbono em dois cenários e dizer o que significam essas duas projeções) (Tabela 1).
Tabela 1. Níveis de letramento científico dos entrevistados.
Nível | Descrição | % |
Nível 1 | "Não científico: Localiza, em contextos cotidianos, informações explícitas em textos simples (tabelas ou gráficos, textos curtos) envolvendo temas do cotidiano (consumo de energia em conta de luz, dosagem em bula de remédio, identificação de riscos imediatos à saúde), sem a exigência de domínio de conhecimentos científicos." | 16 |
Nível 2 | "Letramento científico rudimentar: Resolve problemas que envolvam a interpretação e a comparação de informações e conhecimentos científicos básicos, apresentados em textos diversos (tabelas e gráficos com mais de duas varáveis, imagens, rótulos), envolvendo temáticas presentes no cotidiano (benefícios ou riscos à saúde, adequações de soluções ambientais)." | 48 |
Nível 3 | "Letramento científico básico: Elabora propostas de resolução de problemas de maior complexidade a partir de evidências científicas apresentadas em textos técnicos e/ou científicos (manuais, esquemas, infográficos, conjunto de tabelas) estabelecendo relações intertextuais em diferentes contextos." | 31 |
Nível 4 | "Letramento científico proficiente: Avalia propostas e afirmações que exigem o domínio de conceitos e termos científicos em situações envolvendo contextos diversos (cotidianos ou científicos). Elabora argumentos sobre a confiabilidade ou veracidade de hipóteses formuladas. Demonstra domínio do uso de unidades de medida e conhece questões relacionadas ao meio ambiente, à saúde, astronomia ou genética." | 5 |
Mesmo com metodologias distintas e público-alvo da pesquisa também totalmente diferente
Figura 1. a) Resultados para o Brasil do PISA 2012 de ciências (estudantes de 15 anos). b) ILC 2014 (brasileiros entre 15 e 40 anos).
Entre os com nível mais alto de letramento científico, 31% teriam problema em calcular a quantidade de combustível consumido para percorrer uma dada distância sabendo o consumo médio do veículo. Isso mesmo, entre os com maior capacidade de compreensão científica, quase 1/3 não saberia aplicar uma simples conta de multiplicação.
A pesquisa incluiu algumas perguntas sobre percepção e atitudes públicas sobre ciências, mas o relatório, infelizmente, não detalhou os resultados por nível de letramento. Entre as perguntas sobre interesses em temas científicos, os resultados poderiam ser alentadores (Tabela 2), mas a realidade sobre o grau de informação parece demonstrar que precisamos interpretar essas declarações de interesse com não apenas um grão de sal, mas com salinas inteiras (Tabela 3).
Tabela 2. Interesses declarados dos entrevistados a respeito de temas científicos.
Frase | concorda (total ou parcialmente) | não concorda nem discorda | discorda (total ou parcialmente) | ns/nr |
A ciência me ajuda a compreender o mundo em que vivo | 72 | 15 | 12 | 1 |
Procuro estar sempre bem informado sobre novidades no campo da ciência e da tecnologia | 62 | 13 | 26 | 0 |
Gosto de ler textos sobre temas científicos | 45 | 17 | 39 | 0 |
Sempre gostei de estudar ciências | 44 | 17 | 39 | 0 |
Tabela 3. Conhecimento de temas científicos tratados nos meios de comunicação.
Tema | Não sei nada/quase nada | Conheço pouco/apenas ouvi falar | Conheço bastante sobre o assunto | Conheço bem o assunto e procuro estar atualizado |
Mudanças climáticas/efeito estufa | 24 | 59 | 14 | 3 |
Informática e tecnologia | 26 | 48 | 21 | 6 |
Poluição/uso de recursos naturais/biodiversidade | 27 | 52 | 17 | 4 |
Evolução das espécies; origem da vida | 31 | 51 | 16 | 3 |
Cura de doenças/novos medicamentos | 31 | 55 | 12 | 2 |
Fontes de energia renováveis | 35 | 48 | 14 | 2 |
Animais pré-históricos, fósseis e descobertas arqueológicas | 38 | 49 | 11 | 2 |
Engenharia genética/organismos geneticamente modificados/transgênicos | 47 | 43 | 8 | 2 |
História do desenvolvimento científico | 48 | 42 | 8 | 2 |
Exploração do universo/buracos negros/quedas de asteroides | 50 | 41 | 8 | 2 |
Robótica e nanotecnologia | 61 | 32 | 6 | 2 |
As opções de temas (Tabela 3) são bem abrangentes para uma interpretação de que os entrevistados consideram-se bem informados em outras áreas de ciências possa ser considerada com maior seriedade. Como compatibilizar a declaração de que se procura informar muito sobre ciências (Tabela 2) com a declaração de que se sabe pouco sobre ciências (Tabela 3)? Poderia ser por modéstia em declarar seu próprio conhecimento? Poderia ser por considerarem os textos que leem como pouco informativos? Darei a cara a bater e avançarei a hipótese de que os dados sobre interesses são pouco confiáveis: os entrevistados exageram seu grau de interesse. Alerto que pelos dados disponíveis *não* se pode testar a validade de tal interpretação que defendo aqui. É só um palpite.
77% dos entrevistados concordam (em parte ou totalmente) com a frase: "O governo deveria investir mais na ciência, pois ela tem importância estratégica para o país";
53% dos entrevistados concordam (em parte ou totalmente) com a frase: "O dinheiro usado na pesquisa científica e tecnológica deve ser destinado para outras finalidades sociais". (Tabela 4.)
Isso significa que entre
Tabela 4. Comparação da concordância dos entrevistados quanto aos investimentos em C&T e destinação dos recursos nas pesquisas do MCTI 2010 e do ILC 2014.
concorda totalmente | concorda em parte | não concorda nem discorda | discorda em parte | discorda totalmente | ns/nr | pesquisa | |
O dinheiro usado na pesquisa científica e tecnológica deve ser destinado para outras finalidades sociais | 28 | 21 | - | 13 | 35 | 3 | MCTI 2010 |
O dinheiro usado na pesquisa científica e tecnológica deve ser destinado para outras finalidades sociais | 21 | 32 | 18 | 14 | 12 | 2 | ILC 2014 |
Os governos devem aumentar os recursos que destinam à pesquisa científica e tecnológica | 68 | 23 | - | 4 | 2 | 3 | MCTI 2010 |
O governo deveria investir mais na ciência, pois ela tem importância estratégica para o país | 48 | 29 | 15 | 5 | 2 | 1 | ILC 2014 |
Por motivos que não entendi bem, resolveram concentrar o público na faixa entre 15 e 40 anos. Somado ao fato de restringirem às regiões metropolitanas e à capital federal, infelizmente não podemos extrapolar diretamente os resultados para a população brasileira. A comparação com os dados de atitudes e consumo de informações científicas dos levantamentos do MCTI também é prejudicada.
Seria legal se tivessem incluído perguntas utilizadas nos principais levantamentos de alfabetização científica no mundo - particularmente da NSF e da Eurobarometer. Mas é o que tem pra hoje. (
Agora sabemos o tamanho do buraco da educação e divulgação científicas no Brasil.
Veja o que foi publicado em outros blogues:
Ceticismo - Uma catástrofe chamada letramento científico
Minas faz Ciência - Reflexões sobre o letramento científico
Upideite(25/ago/2014): Comparativo entre as categorias do PISA 2012 e o grupo de 15-19 anos do ILC 2014.
O nível abaixo de 1 do PISA parece corresponder ao nível 1 do ILC, assim como os níveis 4 e acima do PISA e o nível 4 do ILC
*Upideite(07/fev/2018): novo link (o anterior estava quebrado).
2 comentários:
Tatiana,
Desculpe. Eu exclui seu comentário sem querer...
O link q vc passou:
http://revistaescola.abril.com.br/blogs/eja/2014/08/20/letramento-cientifico-o-ensino-medio-faz-diferenca/
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eu tinha lido, mas valeu pela indicação.
Desculpe-me, de novo, por apagar seu comentário.
[]s,
Roberto Takata
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