Mostra a tendência geral de melhora das atitudes em relação às ciências: mais pessoas consideram que a atividade traz só benefícios ou mais benefícios do que malefícios (o que não deixa de ser também um fato preocupante*) - tendência que se dá por motivos não muito claros. (Fig. 1.)
Figura 1. Atitude do brasileiro em relação às ciências. Percepção de benefícios x malefícios. Fonte: CGEE 2015.
Em relação ao interesse declarado, não é possível uma comparação com toda a série pela mudança na metodologia de codificação das respostas na pesquisa de 2010. Mas é possível se verificar que praticamente não há alteração pelo interesse declarado em ciências - a maior variação ocorre em relação à moda, por motivo que desconheço - em
Figura 2. Interesse declarado do brasileiro por a) temas selecionados com destaque para b) ciências. Fonte: CGEE 2015.
Como comentei em uma análise sobre os resultados do Indicador de Letramento Científico da Abramundo, esses valores devem ser tomados com um bom grau de reticências. Há incongruências quando comparamos atitudes declaradas e ações medidas. O interesse manifestado não se concretiza, por exemplo, na busca pelas informações sobre o tema - 93,3% dos entrevistados não se lembram do nome de nenhum cientista brasileiro, 87,2% não sabem o nome de nenhuma instituição de pesquisa; além disso, a visão de que a ciência só traz benefícios não se casa com a opinião de que os cientistas têm poderes que os tornam perigosos (31,5% concordam totalmente, 35,9% concorda em parte), que a C&T é responsável pela maior parte dos problemas ambientais (21,9% totalmente e 34,6% em parte)*.
Os resultados de 2015 podem ser analisados online combinando-se vários filtros por categorias socioeconômicas. Ferramente similar à disponível na base dados da GSS americana e do SIDRA do IBGE. Uma sugestão de melhoria é permitir também o cruzamento entre as perguntas, p.e., saber, dentre os que responderam que as ciências só trazem benefícios, quantos acham que os cientistas são perigosos.
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O ponto em que os entrevistados continuam a manifestar um alto grau de desconhecimento sobre cientistas e instituições científicas brasileiras é motivo de preocupação por parte de acadêmicos e autoridades. Uma discussão lateral que surge é sobre o papel que cientistas célebres - ou cientistas "celebridades" - poderiam ter na atração de novos talentos para a área de STEM (ciências naturais, tecnologia, engenharia e matemática). André Rabelo, do
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* É legal que se tenha uma visão positiva das ciências. Sim, as ciências são muito úteis e trazem vários benefícios. Mas, de um lado, claro que é exagero se considerar que ela *só* traz benefícios. Há vários perigos embutidos na atividade científica e em seus produtos. A energia nuclear é útil e pode ser que, em uma análise ponderada sobre riscos e benefícios, conclua-se que valha a pena investir nela. No entanto, não dá para dizer que não haja perigos em sua utilização (Three Miles Island, Chernobyl e Goiânia que o digam). Que 54% acreditem que não haja malefício algum na atividade científica é, assim, problemática. O outro ponto é que, o que em parte explica os 54%, essa visão positiva não se dá através de uma análise ponderada sobre o papel das ciências na sociedade moderna e na vida cotidiana. O baixo conhecimento - declarado e medido - em relação às ciências mostra que essa visão grandemente positiva está calcada exatamente em uma ignorância quanto à questão. Claro que não é apenas uma questão de ignorância: ela provavelmente não explica, por exemplo, um aumento da visão positiva ao longo do tempo - teria o nível de ignorância sobre ciências aumentada com o tempo? Não temos dados diretos a respeito dessa questão, mas os resultados etários do ILC não parece corroborar que haja um decréscimo geracional no grau de conhecimento científico - sempre fomos tão ignorantes em relação às ciências quanto somos hoje (ao menos na janela das últimas três décadas). Retornando à visão positiva calcada na ignorância, bem, esse grau de ingenuidade é bastante perigosa: tanto na manipulação de anúncios do tipo "cientificamente comprovado" quanto em campanhas anticiência baseadas em teorias da conspiração. Verdade que a ingenuidade é longe de total: a maior parte dos entrevistados considera que os cientistas são perigosos e a ciência (e a tecnologia) causam a maior parte dos problemas ambientais**. O que, por uma feita, traz ainda outro problema para os relações públicas das ciências resolverem, e, por outra, estabelece um conundro - que se resolve pela observação da incongruência dos pensamentos da população a respeito da C&T (em parte, certamente o conhecido fenômeno das pesquisas de opinião em que o entrevistado tenta dar a resposta que acha que o entrevistador considera a correta).
Talvez esse problema pudesse ser minorado invertendo-se a ordem das perguntas. A questão sobre se consideram que as ciências trazem mais benefícios do que malefícios ficasse depois de perguntas que dão exemplos de potenciais malefícios: cientistas perigosos por deterem poder do conhecimento e conhecimento e tecnologia que resultam em danos ambientais. Claro que isso criaria outro viés. Então, talvez seja o caso de aleatorizar a ordem das perguntas. Aí seria possível se ter uma ideia de o quanto a visão positiva sobre as ciência dá-se por não se ter à mente um exemplo de malefício das ciências e o quanto dá-se por realmente desconsiderar tais malefícios.
**Upideite(27/jul/2015): corrigido a esta data.
***Upideite(28/ju/2015): meus pitacos sobre a questão de cientistas celebridades.
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