Mesmo descontando o fato de haver populações de ursos pretos no México, há populações de uma espécie exclusiva da América no Sul - o urso-de-óculos (Tremarctus ornatus) - na região norte dos Andes, da Bolívia à Venezuela, passando por Peru, Equador e Colômbia - e aparentemente presente também na Argentina. (Fig. 1 e 2.)
Figura 1. Distribuição mundial de espécie de ursos. Ursus maritimus: urso polar; U. artcos: urso pardo; U. americanus: urso negro; U. malayanus: urso-malaio; U. ursinus: urso-preguiça; U. thibetanus: urso negro asiático; Tremarctos ornatus: urso-de-óculos. Não mostrado na figura, Ailuropoda melanoleuca: panda gigante (restrito a florestas de bambu na China). Fonte: Kumar et al. 2017.
Figura 2. Urso-de-óculos (Tremarctos ornatus), única espécie atual de urso nativo da América do Sul. Fonte. Wikimedia Commons.
Embora as relações entre as espécies atuais de ursos seja mais ou menos bem resolvida: a linhagem dos pandas divergindo da que daria
A subfamília do urso-de-óculos: a Tremarctinae, pode ter aparecido na América do Norte num período em que a América do Sul era uma gigantesca ilha-continente separada do resto (ela começou a se separar da África por volta de 120 Maa). Quando a América do Sul se aproximou da América do Norte, a América Central começou a se soerguer - por volta de 4,5 a 15 Maa (Montes et al. 2015). A conexão levou a uma intensa troca de espécies entre as duas porções, num evento chamado de Grande Intercâmbio Biótico Americano. E os ursos não ficaram de fora.
Fósseis de ursos mais antigos na América do Sul são de cerca de 1,5 a 2 Maa; mas outra espécie do mesmo gênero do urso sul-americano era encontrada onde hoje é o sul dos EUA, da Flórida à Califórnia (e se estendendo a área até o Tennessse ao norte): T. floridanus - atualmente extinta, os fósseis mais antigos são de cerca de 3 Maa. Um outro gênero da subfamília, próximo ao gênero Tremarctos, é o Arctotherium e os fósseis destes são encontrados apenas na América do Sul. A separação entre os dois gêneros deve ter ocorrido por volta de 4 Maa (Fig 3.). Então a migração dos ursos da América do Norte para a América do Sul deve ter pelo menos essa idade. (Mitchell et al. 2016.)
Figura 3. Distribuição temporal e relações de parentescos entre ursos da subfamília Tremarctinae. Em azul, espécies da América do Norte; em vermelho, da América do Sul. Borophagus e Chapalmalania não são da família dos ursos - são respectivamente da família dos cães e dos guaxinins; Agriotherium é um urso de outra subfamília. Fonte: Mitchell et al. 2016.
Os ursos, assim, estão há pelo menos 4 milhões de anos na América do Sul - muito antes da nossa espécie aparecer na face da Terra. E, embora hoje reste apenas uma espécie, sua diversidade foi maior por aqui - pelo menos 6 espécies (praticamente a mesma diversidade de ursos atual em todo o mundo!) e estiveram distribuídos por todo o (sub)continente: no Nordeste e Sudeste brasileiros, no Uruguai e noroeste da Argentina e no sul da Patagônia (Soibelzon & Bond 2005).
Não é justo negar cidadania ao urso-de-óculos. É mais latino-americano e sul-americano do que nós.
Infelizmente sua situação ecológica inspira cuidados devido à perda de hábitat e às mudanças climáticas. A União Internacional para a Conservação da Natureza a considera uma espécie vulnerável.
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