(Este texto foi inicialmente encomendado para sair em uma revista, mas, depois de finalizado, não obtive mais o retorno. Acabou servindo de base pra dois textos mais ou menos sobre o mesmo tema. Como uma discussão similar se deu recentemente entre cientistas e divulgadores no twitter, creio que esta versão mais completa - e ligeiramente mais técnica, embora não tanto - possa ser eventualmente útil.)
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A importância da Divulgação Científica
Pesquisadores são frequentemente instados a se envolverem em atividades de divulgação científica, tanto indiretamente, na forma de entrevistas para veículos de comunicação, como mais diretamente, falando com o público sem intermediários, em palestras, textos para colunas de jornais, vídeos explicativos, etc. São atividades que demandam um certo tempo - que poderia ser empregado na pesquisa e docência - e podem expor os cientistas e acadêmicos a críticas: dos pares ou do próprio público. Então, afinal, qual a vantagem que a divulgação científica pode trazer? Por que um cientista deveria se ocupar de se comunicar com a população? Apresentaremos a seguir uma série de motivos trazidos ao longo do tempo a favor do engajamento dos pesquisadores na comunicação pública de ciências.
Thomas & Durant em
um artigo publicado em 1987 intitulado "Why should we promote
the public understanding of science?" analisam nove classes de
possíveis benefícios que podem ser promovidos pela divulgação
científica:
1) Para a própria ciência: atrair futuros
novos cientistas, apoio da população às ciências, debelar visões
e expectativas irrealistas quanto às possibilidades de novos
desenvolvimentos científicos e tecnológicos (evitando a desilusão
que ocorreria quando tais expectativas fossem frustradas);
2) Para
a economia nacional: uma população com um certo nível de
conhecimento científico e tecnológico pode aplicar tais
conhecimentos no aumento da produtividade e na geração de novos
produtos e serviços, além de aumentar a demanda por produtos
baseados em conhecimentos científicos e tecnológicos;
3) Para
o poder e influência do país: o domínio de conhecimento e
tecnologias estratégicas permitem desenvolver uma defesa mais
segura, projetar o poder se necessário e galgar e manter posição
de destaque e liderança regional ou mundial;
4) Para os
indivíduos: cidadãos mais bem informados estão mais bem
equipados para aplicar seus conhecimentos na decisão sobre dietas,
sistemas de saúde, segurança pessoal e confrontar inúmeras
alegações promocionais sobre produtos e serviços que lhes são
oferecidos, podem também almejar empregos mais bem remunerados que
exijam maior capacidade científico-tecnológica;
5) Para
governos democráticos: grande parte da pesquisa científica é
financiada com dinheiro público e seus resultados impactam a vida
das pessoas; em democracias modernas, os cidadãos devem opinar e
decidir a respeito de temas que envolvem a sociedade: a fim de que os
cidadãos possam tomar decisões sobre políticas científicas, eles
devem estar bem informados sobre o tema; assim, tanto se promove a
própria democracia, ao permitir que a população participe mais
diretamente, quanto se abastece a população com ferramentas para
decisões mais eficientes;
6) Para a própria sociedade:
acabar com o abismo entre o conhecimento ultraespecializado das
disciplinas científicas e acadêmicas e os não-especialistas,
permitindo à população mais opções de respostas que apenas o
medo e a adulação frente ao conhecimento científico, tornando-os
uma espécie de crítico das ciências (como há críticos literários
e gastronômicos);
7) Para o aspecto intelectual: a ciência
é um empreendimento que promove a capacitação intelectual e seu
enobrecimento, o conhecimento científico deve ser promovido como
parte da própria cultura intelectual;
8) Para a estética:
a ciência é uma atividade criativa de destaque da mentalidade
moderna, ela ajuda a revelar a beleza e o significado das coisas
e;
9) Para a ética: nas ciências, para haver o
convencimento, é preciso se basear em indícios objetivos e não em
meras opiniões e princípios de autoridades; alguns pensadores
chegam a dizer que o ideal da busca pela verdade objetiva através de
regras claras tornaria a prática científica como um ideal moral a
se buscar na sociedade (aqui é o único item em que Thomas &
Durant fazem uma nota mais crítica observando a polêmica que é tal
sugestão de superioridade moral da prática científica).
Já Semir &
Revuelta 2010 dividem em cinco grupos:
1) Para os indivíduos:
por aumentar seu conhecimento sobre o mundo e sua capacidade de tomar
decisões informadas e usar os conhecimentos científicos para novos
usos;
2) Para a sociedade global: pelo fato de o
conhecimento científico, gerado sobretudo com investimentos
públicos, é um elemento imprescindível para a democracia e pode
contribuir para o bem estar e desenvolvimento econômico dos
países;
3) Para a ciência e cultura em geral: o
conhecimento compartilhado gera novas perguntas para pesquisas no
mesmo campo e também em outros e dão origem a novas disciplinas;
4)
Para a comunidade científica: a opacidade gera temor e a
transparência, confiança do público; se os cientistas se omitem,
outros farão a comunicação, nem sempre da mesma forma, com a mesma
intenção ou com a mesma clareza;
5) Para a estética:
muitas peças de divulgação científica: livros, fotografias,
filmes, desenhos... são de grande beleza plástica e artística)
Alguns dos potenciais benefícios têm sido objeto de pesquisa científica. Um dos mais investigados é a suposição de que indivíduos com maiores conhecimentos sobre ciências tendem a ter uma melhor atitude (tendência psicológica de se avaliar um tema positiva ou negativamente) em relação às ciências, o chamado "modelo do déficit": a suposição é que o medo e a oposição ao conhecimento científico e às tecnologias dele resultante seriam frutos da ignorância científica. Embora pareça haver uma tendência para que a maioria dos pesquisadores da área considerem a hipótese falsa: não haveria essa relação, a relação seria invertida (na verdade, indivíduos que mais se opõe às ciências tenderiam a ser mais bem informados) ou haveria uma relação em "U" (indivíduos pouco informados e indivíduos muito bem informados sobre ciências teriam atitudes mais negativas, sendo as mais positivas entre os indivíduos com nível intermediário); uma meta-análise de Allum et al. 2008 com dados de 40 países indica que, de fato, quanto maior o conhecimento científico, mais positiva é a avaliação das ciências. O efeito, porém, é pequeno. [Para alguns temas como "mudanças climáticas" o efeito do maior conhecimento de ciências pode ser uma maior polarização entre as visões (Braman et al. 2012).]
Makarovs & Achterberg (2018) analisaram dados da pesquisa Special Eurobarometer de 2010 com 32 países e relacionaram a relação entre o nível de democratização do país e características socioeconômicas dos entrevistados e o engajamento público em ciências. Nas sociedades mais democráticas tende a haver uma maior participação pública nas ciências e maior apoio ao controle democrática delas; e cidadãos com níveis educacionais mais altos e mais bem informados sobre tópicos científicos também tendem a se engajar mais com ciências. O estudo, no entanto, é correlacional, não sendo possível apenas com esses resultados assumir uma relação causal necessária.
Em relação à hipótese da atração de futuro novos cientistas, Goto et al. (2018) fizeram um estudo longitudinal com alunos japoneses para avaliar o efeito da participação em eventos científicos. Alunos que já apresentavam motivação para o aprendizado foram os que mais participaram e se beneficiaram - aumentando sua motivação e aprofundando seus conhecimentos, tendo os eventos relativamente pouco impacto em atrair estudantes fora desse perfil.
Outro efeito estudado é o do impacto da cobertura midiática sobre a citação dos artigos. A publicação de notícias relacionadas aos estudos, especialmente na mídia escrita, de modo geral, correlaciona-se com um maior número de citações do trabalho em outros artigos científicos. Alguns estudos têm encontrado uma relação causal direta do destaque na imprensa não-especializada sobre a visibilidade posterior do artigo. (E.g. Kiernan 2003, Mathelus et al. 2012, Fanelli 2013, Manisha & Mahesh 2015.)
Em relação a boa parte dos benefícios putativos, no entanto, não há muitos dados corroborando ou refutando as relações alegadas.
Mas e quanto à
importância que os cientistas efetivamente veem na divulgação
científica? Besley e colaboradores (2017) verificaram o grau de
concordância de membros de sociedades científicas americanas a oito
seguintes objetivos da comunicação pública de ciências (listados
em ordem decrescente de maior concordância geral entre os
entrevistados):
1) garantir que as pessoas estejam bem
informadas sobre temas científicos;
2) interessar e
estimular as pessoas a respeito das ciências;
3) demonstrar
que a comunidade científica se preocupa com o bem estar da
sociedade (a percepção de benevolência e calor humano afetam a
inclinação das pessoas em apoiar os outros);
4) demonstrar que a
comunidade científica é aberta e transparente;
5) ajustar
o enquadramento (framing) das implicações das
pesquisas a fim de que o público pense sobre o tópico de modo a
ressoar com seus valores (o modo como uma questão é vista afeta as
atitudes e o comportamento em relação a ela);
6) demonstrar que
os cientistas compartilham dos valores da comunidade (as
pessoas frequentemente utilizam de pistas de identificação para
compreender questões científicas);
7) ouvir o que os
outros pensam sobre temas científicos;
8) demonstrar a
expertise da comunidade científica (a competência é uma das
dimensões avaliadas pelas pessoas para estabelecer a confiança nos
especialistas).
Martín-Sempere e
colegas (2008) analisaram 13 motivos para cientistas e técnicos
espanhóis participarem da Feira de Ciências de Madrid. As repostas
puderam ser agrupadas em quatro categorias, aqui apresentadas na
ordem decrescente de importância atribuída:
1) divulgação e
cultura científicas: estimular e aumentar o interesse e o
entusiasmo do público pelas ciências, aumentar a cultura científica
da população, aumentar a apreciação pública das ciências,
tornar a instituição em que trabalha mais conhecida e visível;
2)
senso de dever;
3) compromisso pessoal: além do
comprometimento pessoal propriamente dito, o fato de haver sido
incumbido por superiores;
4) motivações pessoais e
profissionais: satisfação pessoal, diversão, relacionamentos
profissionais, promoção profissional, recompensa financeira,
recompensa com dia de folga.
Um temor relativamente frequente entre os acadêmicos e cientistas a respeito de se engajar nas atividades de divulgação científica é ilustrado pelo que é conhecido por "efeito Carl Sagan". Segundo essa hipótese, cientistas mais envolvidos com extensão e comunicação com o público seriam academicamente menos produtivos. Mas estudos realizados apontam que, na verdade, tende a ocorrer o oposto: pesquisadores que se dedicam mais a levar o conhecimento sobre ciências para o público em geral estão entre os que mais publicam em revistas científicas (p.e. Jensen et al. 2008, Bentley & Kyvik 2010).
Assim, existem várias razões potenciais por que os cientistas deveriam participar de atividades de divulgação. Embora muitas delas ainda não tenham tido sua validade verificada, para pelo menos algumas a resposta é de resultados positivos para o público, a comunidade científica e para a própria carreira do cientista. Diversas estratégias e receitas têm sido aventadas para permitir um bom equilíbrio entre as inúmeras atividades do cientista e a de divulgação, mas isso é objeto para um outro texto.
Referências
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https://doi.org/10.1177/0963662517728478
Fanelli, D. 2013. Any
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https:// doi.org/10.1007/s11192-012-0925-0
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Jensen, P.
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https://doi.org/10.3152/030234208X329130
Kahan, D. et al. 2012.
The Polarizing Impact of Science Literacy and Numeracy on Perceived
Climate Change Risks. Nature Climate Change 2: 732–5.
https://doi.org/10.1038/nclimate1547
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https://doi.org/10.1177/1075547003255297
Manisha, M. & Mahesh,
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Scientometric Res. 4(1): 42-5.
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Markovs, K. &
Achterberg, P. 2018. Science to the people: a 32-nation survey.
Public Understanding of Science.
https://doi.org/10.1177/0963662517754047
Martín-Sempere, M.J. et
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technology to the public: surveying participants at the Madrid
Science Fair. Public Understanding of Science 17: 349-67.
https://doi.org/10.1177/0963662506067660
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Promotion of research articles to the lay press: a summary of a
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https://doi.org/10.1087/20120307
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Quaderns de la Fundació Dr. Antoni Esteve no. 20: 1-7.
http://www.raco.cat/index.php/QuadernsFDAE/article/view/253622
Thomas,
G. & Durant, J. 1987. Why should we promote
the public understanding of science? In: Shortland, M (ed.)
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Upideite(03.set.2020): Um artigo analisa os fatores correlacionados às visões dos estudiosos da DC sobre os motivos para o engajamento público da ciência.
Besley, T. et al. 2020. Exploring scholars’ public engagement goals in Canada and the United States. PUS.
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