Lives de Ciência

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sábado, 7 de maio de 2016

Padecendo no paraíso 6

Figura 1. Aquilonifer spinosus. Autor: Derek Briggs.
Fonte: Wikimedia Commons
Durante a preparação de fóssil de um pequeno artrópodo marinho (cerca de 1 cm de comprimento), o paleontólogo Derek Briggs e colaboradores (2016) notaram estruturas ainda menores (cerca de 2 mm de comprimento) ligados aos espécimes por meio de filamentos. (Fig. 1)

Cada uma dessas estruturas parecem com um saco dos quais em alguns deles brotam pequenos apêndices. A organização aparentemente segmentada e a presença desses apêndices levaram os cientistas a suspeitar que são também artrópodos.

Três grandes hipóteses foram avaliadas quanto à natureza desses pequenos anexos. Poderiam ser parasitas, caroneiros epizoóticos ou... filhotes do artrópodo maior.

Para os autores do trabalho, a posição afastada do hospedeiro, na extremidade de filamentos, não seria favorável a uma ação de parasitismo, de sugar os fluidos corporais do organismo parasitado. Também não seriam caroneiros, porque o hospedeiro dificilmente toleraria um número tão grande deles - 10 -, sendo que poderia facilmente removê-los com seus longos apêndices da cabeça (em verde na Fig. 1): argumento que também valeria para a hipótese do parasitismo.

As 10 cápsulas com pernas ligadas por longos filamentos seriam, então, jovens presos ao corpo do adulto que seriam arrastados para lá e para cá, enquanto o pai ou a mãe (não se sabe o sexo do indivíduo carreador) nadava pelos mares da região que hoje é a Inglaterra.

A visão deslumbrada pelos cientistas que descreveram os espécimes é de pipas (papagaios, pandorgas, quadrados, etc.) empinadas, o que levou-os a batizarem a espécie de Aquilonifer spinosus, do lat. 'aquila' (águia, pipa), 'fer-' (o que porta) e 'spinosus' (espinhoso, pelos espinhos laterais nos tergitos - elementos da carapaça do adulto).

Aparentemente esse tipo de cuidado parental - com filhotes ou jovens carreados por meio de filamentos - é desconhecido em outras espécies até o momento.
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Se o adulto realmente seria capaz de eliminar parasitas ou caroneiros por meio de seus apêndices cefálicos é discutível na medida em que sabemos pouco sobre a resistência dos filamentos. Certamente eram fortes o bastante para manterem-nos firmemente presos enquanto o pai/mãe/hospedeiro nada por aí. E também para mantê-los afixados enquanto os processos de soterramento e fossilização dos indivíduos ocorria.

sábado, 9 de maio de 2015

Padecendo no paraíso 5

Hippocampus barbouriFonte: Wikimedia Commons.
Os singnatídeos (cavalos marinhos, peixes cachimbos, dragões do mar...) são uma família muito peculiar de peixes ósseos que compreende cerca de 300 espécies que vivem no mar, estuários e rios. Todas as espécies conhecidas apresentam uma característica única: a gravidez paterna - os ovos são fertilizados e incubados dentro de uma estrutura no corpo do macho, com a emergência de filhotes vivos. (Wilson & Orr 2011.)

Em várias espécies, ocorre a inversão dos papéis sexuais com a competição entre as fêmeas por machos, que é o sexo que escolhe o parceiro (no caso, a parceira) sexual. Aparentemente a inversão dos papéis correlaciona-se com o padrão de acasalamento: espécies poligâmicas tendem a apresentar inversão, enquanto o padrão sem inversão tende a ocorrer em espécies monogâmicas. (Wilson et al. 2003.)

A estrutura de incubação dos ovos pelos machos parece ter se desenvolvido de modo independente duas vezes ao longo da evolução dos singnatídeos: um grupo com incubação na região abdominal (Gastrophori) e outro com incubação na região caudal (Urophori). Dentro de cada grupo, parece haver uma tendência geral de complexificação da estrutura (embora com exceções): de uma simples região no corpo à qual os ovos são aderidos, mantidos expostos; à uma bolsa para dentro da qual os ovos são transferidos e incubados (Fig. 1). (Stölting & Wilson 2007.)

Figura 1. Evolução de estrutura de incubação em machos de Syngnathidae. Fonte: Stölting & Wilson 2007.

Syngnathus acusFonte: Wikimedia Commons.
A viviparidade dos singnatídeos é conhecida desde pelo menos a Grécia Antiga. Em 350 AEC, Aristóteles descreveu provavelmente o parto de Syngnathus acus, peixe cachimbo muito comum na costa mediterrânea próxima às praias: "Quando o tempo de dar à luz chega, [o peixe cachimbo] explode em dois e a prole é liberada (...) o peixe tem uma diáfise ou sulco sob sua barriga ou abdômen e após a desova pela abertura da diáfise, as metades divididas crescem e se unem novamente. (...) Os jovens peixes juntam-se ao redor de quem lhe gerou (...) porque o peixe libera os filhotes sobre si mesmo; e se alguém toca nos jovens, eles fogem nadando." (Frias-Torres 2004.) Por muito tempo, considerou-se que eram as fêmeas quem davam à luz aos filhotes. Só em 1831, C.U. Ekström descreveria a "falsa barriga" no macho. Mas levaria ainda mais umas quatro décadas até que vários cientistas demonstrassem a transferência de ovos da fêmea para o macho. (Ahnesjö & Craig 2011.)

domingo, 11 de maio de 2014

Padecendo no paraíso 4

Ciclídeo Cyphotilapia frontosa com filhotes
na boca. Fonte: Wikimedia Commons.
Em várias espécies de peixes e de alguns anfíbios encontramos o comportamento chamado de 'mouthbrooding' (incubação oral ou bucal) - a incubação dos ovos e proteção dos filhotes em fase inicial de desenvolvimento dentro da cavidade oral.

Alguns grupos apresentam incubação materna, outros paternas ou mesmo biparental (cada uma dos pais cuida de uma porção dos ovos). No caso da tilápia da Galiléia, na mesma população há uma variação entre uniparental materna, paterna e biparental.

Esse comportamento é explorado por alguns predadores que praticam a pedofagia - alimentação de ovos ou jovens em estágios iniciais do desenvolvimento. Ciclídeos pedofágicos do lago Vitória atacam as mães de outras espécies (em ciclídeos geralmente a incubação é uniparental materna) até que ela libere alguns dos ovos ou filhotes. Outra estratégia é engolfar a boca da mãe e sugar os ovos/filhotes da cavidade oral.

Há também parasitas que depositam os próprios ovos na boca do hospedeiro que realiza a incubação oral. O peixe-gato mochokídeo Synodontis multipunctatus parasita ciclídeos do lago Tanganika. Os ovos do parasita eclodem antes e o alevino se alimenta de ovos e filhotes do hospedeiro. Por isso, o S. multipunctatus é também conhecido como bagre-cuco.

Apesar desses infortúnios, em geral, considera-se que a incubação oral seja vantajosa ao prover um "porto seguro" aos ovos e filhotes pequenos. Por essa hipótese, seria esperado que houvesse correlação entre cuidados parentais e tamanho dos ovos, porém, para peixes Betta isso não foi confirmado - embora haja uma correlação entre incubação oral e tamanho dos filhotes.

domingo, 12 de maio de 2013

Padecendo no paraíso 3

ResearchBlogging.org
A galinha tem sido o símbolo por excelência da maternidade e dos cuidados parentais com os filhotes, enquanto o polvo é relegado a representante do submundo (Werness 2006), mas talvez o polvo fêmea fosse um símbolo igualmente ou mais adequado da atenção da mãe à sua cria.

Apesar de os cuidados parentais com ovos serem relativamente raros em organismos marinhos, em várias espécies de polvos - especialmente do gênero Octopus -, as fêmeas apresentam cuidados bastante elaborados. Batham (1957) descreve um caso típico de uma fêmea de Octopus maorum tomando conta de sua massa de ovos em um aquário de Portobello, Nova Zelândia.

Durante todo o período de incubação, a fêmea manteve guarda de sua massa de aproximadamente 7.000 ovos (cimentados no substrato em grupos de 3 a 10 ovos) - saindo para se alimentar provavelmente somente à noite (em outras espécies a fêmea pode deixar completamente de se alimentar, até mesmo recusando alimentos oferecidos pelos criadores). Com movimento dos tentáculos os ovos foram mantidos limpos e sob um leve fluxo de água, ocasionalmente, com o sifão, um jato de água era dirigido aos ovos. Predadores como lesmas marinhas - detectados tanto tátil como visualmente - eram mantidos longe dos ovos com a ajuda dos tentáculos.

A mãe acabou morrendo pouco depois de ocorrer a eclosão das larvas.

Em cefalópodos, tanto machos quanto fêmeas passam por processo de senescência que culmina com a morte dos indivíduos. As fêmeas geralmente passam o período de senescência nesse cuidado com os ovos. Machos senescentes do polvo gigante do Pacífico também param de se alimentar e perdem cerca de 17% de massa corporal antes de morrer; já as fêmeas perdem muito mais: entre 50 e 70% da massa, enquanto tomam conta dos ovos. (Anderson et al. 2002.)

Referências
Anderson RC, Wood JB, & Byrne RA (2002). Octopus senescence: the beginning of the end. Journal of applied animal welfare science : JAAWS, 5 (4), 275-83 PMID: 16221078
Batham, E.J. (1957). Care of eggs by Octopus maorumTransactions of the Royal Society of New Zealand, 84 (3), 629-638
Werness, H.B. 2006. Hen. In: The Continuum Encyclopedia of Animal Symbolism in World Art. Continuum International Publishing Group. 476 pp.

domingo, 13 de maio de 2012

Padecendo no paraíso 2

ResearchBlogging.orgA matrifagia é o consumo da fêmea pela própria prole - uma espécie de complexo de Édipo elevado a um googol. É um comportamento descrito em artrópodos: algumas espécies de aranhas, de pseudoescorpiões e de tesourinhas.

Na aranha (sub-)social, Amaurobius ferox, Kim e cols. 2000 notaram que os filhotes que praticavam a matrifagia atingiam, em média, uma massa corporal maior do que a da prole impedida de realizar o comportamento, mesmo com presas em quantidade suficiente. Indivíduos matrífagos, além disso, apresentavam um desenvolvimento mais acelerado, com mudas mais precoces; um período social mais longo; maior sobrevivência pós-dispersão e maior sucesso na captura de presas grandes. Ok, para os filhotes parece ser um bom negócio. Mas, e Maria, como fica?

Os pesquisadores separaram algumas fêmeas logo antes da ocorrência da matrifagia. Elas foram capazes de produzir uma nova ninhada, aumentando inicialmente seu sucesso reprodutivo em 33%. Porém, no fim das contas, comparando-se a sobrevivência dos filhotes, as fêmeas que foram devoradas por suas crias tiveram um sucesso reprodutivo maior do que as que escaparam da morte e puderam ter uma segunda ninhada.

A mamãe A. ferox, naturalmente antes de ser devorada viva, provê outros cuidados parentais às suas crias. Ela fornece ovos tróficos que, consumidos pelos filhotes, fornecem nutrientes extras. (Kim & Roland 2000.)

Aqui um vídeo feito pela BBC do comportamento canibal dos filhotes de A. ferox.

Certamente tal sistema é vantajoso do ponto de vista seletivo apenas em casos particulares; do contrário, seria de se esperar uma distribuição mais ampla da matrifagia.

Referências
Kim, K., Roland, C., & Horel, A. (2000). Functional Value of Matriphagy in the Spider Amaurobius ferox Ethology, 106 (8), 729-742 DOI: 10.1046/j.1439-0310.2000.00585.x
Kim K.W. & Roland C. (2000). Trophic egg laying in the spider, Amaurobius ferox: mother-offspring interactions and functional value. Behavioural processes, 50 (1), 31-42 PMID: 10925034

domingo, 8 de maio de 2011

Padecendo no paraíso

ResearchBlogging.org
O sapo-pipa (Pipa spp.), também conhecido como aru, cururu-de-pé-de-pato ou sapo-surinã, vive na região Amazônica e, apesar de se chamar sapo-surinã ou, em inglês, Surinam toad, é encontrado não apenas na ex-Guiana Holandesa, mas também na Bolívia, no Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Venezuela e até na ilha caribenha de Trinidad e Tobago.

Seu corpo achatado dá uma aparência de folha morta (figura 1).

Figura 1. Pipa pipa. Fonte: Wikimedia Commons.

Uma das características mais marcantes é o modo de reprodução. O macho não vocaliza como a maioria dos anuros para atrair a fêmea, o som produzido é um estalo resultante do repetido choque do osso hióide contra sua garganta. Macho e fêmea envolvem-se em um amplexo que pode durar até 30 horas, com a fêmea liberando algumas dezenas de ovos (em P. carvalhoi foram contados até 200 ovos - Weylgoldt 1976 apud Buchacher 1993). Os movimentos do macho faz com que os ovos acabem enterrados na pele da fêmea. É aí que as larvas eclodirão e se desenvolverão em pequenos sapinhos que emergem das bolsas formadas na pele da mãe. (Video 1, Rabb & Rabb 1960.)


Vídeo 1. Emergência dos filhotes de P. pipa da pele dorsal da mãe.

Parecem pequenos gremlins/mogwais saindo das costas maternas. Algo reminescente a uma lenda grega da Atena surgindo já adulta formada da testa de Zeus.

Referências
Buchacher, C. (1993). Field studies on the small Surinam toad, Pipa arrabali, near Manaus, Brazil Amphibia-Reptilia, 14 (1), 59-69 DOI: 10.1163/156853893X00192

Rabb, G., & Rabb, M. (1960). On the Mating and Egg-Laying Behavior of the Surinam Toad, Pipa pipa Copeia, 1960 (4) DOI: 10.2307/1439751

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