Lives de Ciência

Veja calendário das lives de ciência.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Cadê o MCTI nas redes sociais?

Do dia 15 a 21 de outubro será a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (este ano com o tema de Sustentabilidade, Economia Verde e Erradicação da Pobreza) promovido pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação.

No hotsite do evento estão cadastradas as atividades comemorativas que devem ocorrer (algumas já em curso) em todo o país.

Mas uma coisa de que sinto falta é ação do MCTI nas redes sociais. Eles até têm um perfil no twitter @MTCI_Inova*, mas que parece, ao menos por enquanto, resumir-se a mais uma via única de informação oficial, sem se aproveitar da interação possível. Eles poderiam, por exemplo, promover uma blogagem coletiva com a temática da SNCT.***

Temos uma rede empolgada de cientófilos brasileiros. Pelo menos um condomínio bem estruturado de blogues sobre ciências (Scienceblogs Brasil) e um projeto de levantamento de blogues de ciências, vários perfis no twitter (entre alunos, pesquisadores e jornalistas de ciências), divulgadores bem conhecidos do brasileiro, como Drauzio Varella, Mayana Zatz e Marcelo Gleiser (entre outros); agências de fomento: Fapesp, Faperj, CNPq, etc e sociedades científicas: SBPC, ABC e outras. Sem falar nas universidades e centros de pesquisa.

Vários órgão de governo como o Ministério da Cultura e da Saúde marcam presença nas mídias sociais. E o próprio MCTI fala em investir meio bilhão de reais em TI.

Por que, então, essa ausência? Alô, alô, ministro Raupp; alô, alô, DEPDI.

*Obs. A ação é tão tímida que, iniciei esta postagem achando que o MCTI não tinha perfil no twitter (nem consta no sítio web do ministério**) e só encontrei por acaso no Google procurando pelo perfil do ministro Raupp.

**Upideite(04/out/2012): Na verdade consta, sim. Mas fica bem escondido na parte debaixo da página inicial - e ainda em banner de cor verde, não típica do twitter. De todo modo, erro meu em não observar.

***Upideite(04/out/2012): Eles irão analisar a proposta de blogagem coletiva. E com isso quebram minha impressão inicial de perfil sem interação. Bom estar errado assim : )

****Upideite(04/out/2012): O perfil do MCTI no Facebook.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Humanas, demasiado Humanas: Nota de Repúdio da Sociedade Brasileira de Sociologia

A Sociedade Brasileira de Sociologia também emitiu nota criticando a postagem de Luis Nassif.

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Nota de Repúdio


A Sociedade Brasileira de Sociologia - SBS - vem, de público, manifestar veemente repúdio ao modo desrespeitoso com o que o jornalista Luis Nassif tratou a pesquisa em sociologia, mediante crítica grosseira e desqualificada ao trabalho do sociólogo e professor Dr. Josimar Jorge Ventura de Morais, da Universidade Federal de Pernambuco.
No último dia 16 do mês corrente, o jornalista publicou em seu blog um artigo com o título "O financiamento da masturbação sociológica pelo CNPq", no qual é posto em xeque, de forma improcedente, o processo de avaliação e financiamento da pesquisa na área de ciências sociais.
A SBS lamenta que assuntos com esse grau de relevância, que dizem respeito à pesquisa e aos métodos de julgamento e avaliação de projetos, sejam tratados de forma preconceituosa, contribuindo para reforçar estereótipos.
A desqualificação, além de abranger uma agência de fomento como o CNPq, reconhecedora da relevância do trabalho sociológico, atinge também consultores e pareceristas, ou seja, os profissionais que possuem o mérito e a autoridade para tecer julgamento sobre os projetos de sua área de competência.
No momento em que a sociologia adquiriu um patamar de legitimidade, sendo reconhecida como ciência dotada de regras e métodos peculiares de investigação, declarações dessa ordem são prova da permanência do obscurantismo e da percepção de que as ciências sociais constituem um campo que não supõe aprendizado e conhecimento especializado.

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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Humanas, demasiado Humanas: Prof. Túlio Velho Barreto

Entrei em contato com os Profs. Drs. Josimar Jorge Ventura Morais e Túlio Augusto Velho Barreto de Araújo. A resposta abaixo (reproduzida na íntegra) foi-me remetida pelo Prof. Túlio Velho Barreto.

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Prezado Roberto Takata,

A propósito do comentário "o financiamento da masturbação sociológica pelo CNPq", postado pelo blogueiro Luis Nassif, sobre o qual você me pediu que escrevesse algo, tenho a dizer o seguinte:
Voltando ao trabalho no último dia 18, após viagem aos Estados Unidos, onde fui participar da mesa-redonda 'Brazil: Soccer and Identity', no XI Congresso Internacional da Brazilian Studies Association (BRASA), realizado na Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign – aliás, como único brasileiro convidado da referida mesa –, com o trabalho “Gilberto Freyre's contribution to the‘invention’ of Brazilian nationality: ‘Foot-ball mulato’ and other writings”, fui surpreendido com o seu e-mail tratando de comentário postado pelo blogueiro Luis Nassif na página dele. Como você estava interessado no trabalho citado pelo blogueiro, mas fez referências à violência do comentário postado, não tive como respondê-lo logo, pois não tinha lido o blog, o que, aliás, por falta de absoluto interesse e tempo, jamais o fiz.

Para minha surpresa maior, ao ler o comentário do blogueiro, vi que se tratava, de fato, de despropositado ataque contra o nosso – de Jorge Ventura de Morais e meu – trabalho no campo da Sociologia dos Esportes. Na verdade, o blogueiro cita uma das atuais pesquisas de Jorge Ventura, que possibilita o pagamento de sua bolsa de produtividade, e alguns trechos pinçados de um artigo nosso sobre outra temática, ainda que na área da Sociologia dos Esportes. Frise-se que o artigo em tela resultou de projeto de pesquisa submetido e aprovado pelo CNPq, que o financiou parcialmente, e foi publicado em periódico acadêmico de programa de pós-graduação em Sociologia. Artigo, aliás, que compôs o relatório final da referida pesquisa, igualmente aprovado por comitê científico do CNPq.

Ao ler o comentário e conversar com Jorge Ventura, logo ficou claro que, na verdade, fingindo interesse em discutir o financiamento público de pesquisas na área das Ciências Sociais, tratava-se de retaliação do blogueiro em função de desentendimentos dele com Jorge Ventura, que havia dito, em seu Facebook, que achava “ruim” o blog dele. Infelizmente, muitas pessoas entraram na discussão sem conhecer os trabalhos citados nem as trajetórias acadêmicas de seus autores, e mais: sem conhecer as verdadeiras motivações do blogueiro. Com efeito, os comentários foram apenas ataques pessoais com uma motivação: alguém apontou legítimo desinteresse por um determinado blog. Assim, abusando da confiança e fidelidade que seus leitores depositam nele, o blogueiro agiu como alguns dos veículos de imprensa que fazem 'tabula rasa' da verdade e da reputação das pessoas.

Finalmente, aqui, não vou perder meu tempo, nem fazer com que os leitores de seu blog percam o deles, tratando da validade ou não de determinados objetos de estudos na área das Ciências Sociais. Quanto à Sociologia dos Esportes, para usar uma expressão cara a um clássico como Pierre Bourdieu, já é um campo de pesquisa consagrado mundialmente desde os anos 1960, após os estudos originais e seminais entabulados por Norbert Elias e Eric Dunning, e seus discípulos, sobre o tema. Isso para não citar os estudos anteriores de Johan Huizinga, Anatol Rosenfeld, entre tantos outros. Bem como os estudos acerca do cotidiano, como apontado em 'Nota de Desagravo a Jorge Ventura de Morais do PPGS-UFPE' (acessar: http://miliano.blogspot.com.br/2012/09/nota-de-desagravo-ao-professor-jorge.html, entre outros sítios).

Entretanto, para quem se interessar por nossos trabalhos ou desejar conhecer nossas trajetórias acadêmicas, basta acessar a Plataforma Lattes do CNPq (www.cnpq.br). Dessa forma, ficará sabendo que, criado em 2006, o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Sociologia do Futebol (Nesf), uma colaboração entre a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), instituição em que trabalho – diferentemente do que escreveu o blogueiro –, já deu origem a trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses, a artigos publicados em livros e periódicos (impressos e eletrônicos) no Brasil, Argentina, México e Inglaterra e a artigos apresentados em eventos acadêmicos nacionais e internacionais (Chile, Colômbia, Inglaterra, Estados Unidos e Argentina). E mais: que, após a criação do Nesf, coordenamos Grupo de Trabalhos em encontros de Ciências Sociais do Norte e Nordeste (Ciso), da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) e da Asociación Latinoamericana de Sociología (Alas), promovemos seminários nacionais e internacionais e, finalmente, realizamos várias pesquisas, todas parcialmente financiadas pelo CNPq.

Como se vê, realizar pesquisas na área das Ciências Sociais, qualquer que seja o campo e objeto de estudos, tem um alto custo pessoal e profissional, sobretudo porque é necessário atender aos rigorosos critérios dos comitês científicos das revistas e dos eventos acadêmicos, e das agências de fomento, que nos julgam de forma sistemática e contínua. E, no meu caso, pelo menos, realmente não sobra muito tempo para dar crédito a idiossincrasias de alguns blogueiros, que imaginam que a Internet é terra de ninguém ou o perdido paraíso... Por isso, apenas em respeito ao insistente interesse que você tem demonstrado desde a segunda-feira passada em obter alguma posição minha em relação ao episódio em tela, é que me dispus, uma semana depois, a quebrar o silêncio. Mas fico por aqui. Em definitivo.

Túlio Velho Barreto
Cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
Vice-coordenador do Nesf (UFPE/Fundação Joaquim Nabuco)

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Upideite(25/set/2012): Estou tentando esclarecer com o jornalista Luís Nassif essa questão do desentendimento via Facebook.

Humanas, demasiado Humanas: Nota de Desagravo do Colegiado de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE


Publico abaixo o posicionamento do colegiado de pós-graduação em Sociologia da UFPE em relação às críticas de Luís Nassif ao trabalho dos professores Jorge Ventura Morais e Túlio Araújo. (Mais tarde publicarei texto 

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Nota de Desagravo ao Professor Jorge Ventura de Morais

Com grande estranheza leitores do blog de Luis Nassif defrontaram-se com o texto intitulado “O financiamento da masturbação sociológica pelo CNPq” no último dia 16 do corrente mês. Nele, o autor, mediante o recurso a excertos pinçados e descontextualizados, põe em xeque a relevância do estudo da relação entre o uso da tecnologia e as regras do futebol sob o argumento de sua obviedade, tomando como exemplo os trabalhos do Professor Jorge Ventura de Morais, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco.

Ora, como é sabido, a Sociologia constitui campo de conhecimento que busca compreender a realidade social na sua complexidade – constituição, manutenção, transformação – em especial, processos sociais relativos ao compartilhar significados, valores, símbolos, conhecimento, cultura, tecnologia. Também é sabido que, para tanto, o estudo do cotidiano, em suas diversas dimensões, tem contribuído para fazer avançar o conhecimento sobre a sociedade, bastando mencionar os aportes da Etnometodologia, de Erving Goffman, Aaron Cicourel, dentre muitos outros. Subjacente a todos eles, há a questão das regras que orientam o comportamento coletivo, aspecto que certamente pode ser aprofundado mediante o estudo do futebol como uma das práticas sociais que atrai multidões e que ganhou vida própria, como se revela nos trabalhos de Norbert Elias e Pierre Bourdieu. O autor do texto, além de citar trechos que não mostram o sentido do trabalho criticado em sua inteireza, parece revelar ignorância do campo da sociologia. Demonstra não vislumbrar que os trabalhos do referido professor focalizam temas de enorme importância científica, como as relações entre a tecnologia e as distintas práticas sociais e a relevância das normas e da sua interpretação para o funcionamento das sociedades. Finalmente, na sua estreiteza, o blogueiro não compreende que a produção do conhecimento científico envolve aspectos tanto “puros” quanto “aplicados”.

Não vá o sapateiro além dos seus sapatos.

Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco
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Upideite(27/09/2012): A Sociedade Brasileira de Sociologia também emitiu nota condenando a postagem de Nassif..

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Como é que é? - "Tornados" de fogo são raros?

A Folha Online manchetou:

Outros sites noticiosos foram na mesma linha

E não apenas no Brasil:

*

"Tornados" ou redemoinhos de fogo são eventos impressionantes, plasticamente belos, e muito perigosos - milhares de pessoas já morreram ao longo do último século por ação direta e indireta do fenômeno.

Seu núcleo é repleto de material combustível (gás e partículas sólidas), enquanto a região externa é relativamente empobrecida. Eles podem contribuir para o alastramento rápido de um incêndio dadas sua dimensão, velocidade e dinâmica. Seu diâmetro pode chegar a 360 m e a altura atingir 1,2 km e se deslocar como um tornado classe F5 da escala Fujita [1] - assim além do próprio poder destrutivo, pode espalhar fagulhas e escombros em chamas, originando novos focos de incêndio ao redor. Sua temperatura interna de combustão também é elevada ao concentrar o fogo, o que pode pôr em ignição material próximo mesmo sem tocá-lo diretamente.**

As condições para sua origem e manutenção em um incêndio são: vorticidade ambiental (geralmente fornecida pelo vento, mas também a rotação da Terra pode ocasionar a vorticidade por efeito Coriolis), mecanismo de concentração (deslocamento vertical de ar - pelo ar aquecido pelo calor do sol ou pelo próprio incêndio ou por uma frente de tempestade). O deslocamento vertical aliado à vorticidade faz com que o torvelinho se estique e, assim, o diâmetro se reduza. A conservação de momento faz com que a redução de diâmetro leve a uma aceleração do movimento rotatório, criando uma redução de pressão, sugando o ar ao redor que traz mais vorticidade, acelerando ainda mais a velocidade de rotação. Isso cria uma estrutura dinâmica relativamente estável que impede que o material no núcleo se disperse com a rotação. [1]

Não são condições muito restritivas, até porque elas podem ser autogeradas - por exemplo, o próprio fogo produz o mecanismo de concentração ao aquecer o ar - e são relativamente ubíquas - como os ventos moderados. E mais, incêndios florestais e campestres são extremamente frequentes: cerca de 150.000 por ano nos EUA; 30.000/ano na Rússia; 130.000/ano no Brasil.

Além disso há vários casos registrados, inclusive na mídia, em diversos pontos do globo (quase sempre acompanhado com o adjetivo 'raro'):
1871, Chicago, EUA. (cidade) [1]
1871, Peshtigo, Wiscosin, EUA. (floresta) [1]
1906, São Francisco, Califórnia, EUA. (cidade) [1]
1923, Tóquio, Japão. (cidade) [1]
1926, San Luis Obispo, Califórnia, EUA. (óleo) [1]
1945, Michoacán, México. (vulcão) [1]
1947-1948, Islândia. (vulcão) [1]
1950-1953, 28 eventos no noroeste da costa do Pacífico, EUA. (floresta) [1]
1954, Ilha Myojin, Japão. (vulcão) [1]
1964, Polo, Santa Barbára, Califórnia. (floresta) [3]**
1965, Hokkaido, Japão. (óleo) [1]
1989, Califórnia, EUA (floresta).
1999, Winnemuca, Nevada, EUA. (floresta) [1]
2000, Hamilton, Montana, EUA. (floresta) [1]
2001, Doyle, Califórnia, EUA. (floresta) [1]
2002, Durango, Colorado, EUA. (floresta) [1]
2003, Califórnia, EUA. (floresta)
2003, Canberra, Austrália. (campo)***
2007, Griffith Park, Los Angeles, EUA. (floresta)
2007, Corona, Califórnia, EUA. (campo)
2008, Brea, Califórnia, EUA. (floresta)
2009, Califórnia, EUA. (campo)
2009, Austrália.(floresta) [2]
2010, Araçatuba-SP, Brasil. (campo)
2010, Havaí, EUA. (floresta)
2011, Budapeste, Hungria. (óleo)
2012?, Stayton, Oregon, EUA. (campo)
2012, Califórnia, EUA. (campo?)
2012, EUA?. (campo)
2013, Tetlin Junction, Alaska, EUA. (floresta)***
2014, San Marcos, Califórnia, EUA. (floresta)***

Esse não é, claro, nem de longe, um levantamento exaustivo, ainda assim parece forçado dizer que seja um fenômeno raro, pior ainda "dos mais raros fenômenos naturais".

Mas não podemos culpar os jornalistas pela conversa da raridade. Artigos técnicos afirmam isso: "Fire whirls are a typically rare but potentially catastrophic form of fire" [1].

**Por outro lado, outros textos dizem o contrário: "Firefighters frequently report that whirlwinds develop in and adjacent to the intensely burning fires." [3] "Fire whirls appear frequently in and around wildland fires.". Em um texto da National Geographic sobre o "tornado" de fogo na Austrália reporta: "Also known as fire whirls, fire devils, or even firenados, these whirlwinds of flame are not really rare, just rarely documented, Jason Forthofer, a mechanical engineer at the U.S. Forest Services's Missoula Fire Sciences Laboratory in Montana, said in 2010." (Provavelmente a NatGeo se refere ao trabalho de Forthofer & Butler 2010 apresentado em uma conferência sobre comportamento de fogo e combustíveis. Forthofer & Goodrick 2011 revisam a dinâmica de formação de torvelinhos verticais e horizontais associados a incêndios.)

De todo modo seria preciso um levantamento mais sistemático dos "tornados" de fogo para se ter uma ideia mais clara de quão realmente raro ou frequente são.

Referências:
[2] Hartl, K.A. & Smits, A. J. 2012.
[3] Countryman, C.M. 1964.**
[4] Countryman, C.M. 1971.**

*Upideite(21/set/2012): acrescentado a esta data.
**Upideite(24/set/2012): acrescentado a esta data.
***Upideite(16/mai/2014): acrescentado a esta data.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Humanas, demasiado Humanas

Eu mesmo tenho lá meus preconceitos com a área das Humanidades e Ciências Humanas e Sociais, mas é um campo do conhecimento que é vítima de muita incompreensão.

Luis Nassif chama bem a atenção para o fato de que é preciso um olhar crítico em relação ao financiamento de pesquisas em Ciências Sociais - e eu ampliaria dizendo que é preciso o mesmo olhar crítico para o financiamento público de todas as áreas: Biológicas e Saúde, Ciências Exatas e da Terra... Nassif, porém, pega desnecessariamente pesado, carregando nas tintas de sua crítica ema um trabalho proposto pelos Profs. Drs. Josimar Jorge Ventura de Morais, da UFPE, e Túlio Augusto Velho Barreto de Araújo da UFPEFundação Joaquim Nabuco: "As regras do futebol e o uso das tecnologias de monitoramento".

Duncan Watts, pesquisador da Microsoft, físico de formação que migrou para o estudo sociológico por meio de análise de redes, frente às propostas de corte de financiamento de estudos em áreas como Ciências Políticas, acredita que essa visão depreciativa das Ciências Sociais se deve a terem como objeto de estudos nós mesmos. Como todas as pessoas têm experiência direta em ser... bem, humano, todo mundo tende a ter uma opinião a respeito do que os cientistas sociais estudam. Uma visão altamente contaminada por subjetividades e o que forma o senso comum - o que as pessoas tomam por bom senso.

É o mesmo espírito que parece ter atacado outra jornalista, Ruth de Aquino, não se restringindo, porém, apenas às Ciências Sociais, mas de todo modo as críticas foram centradas em pesquisas a respeito do ser humano.

O próprio Watts escreveu um livro somente para atacar essa que talvez possamos denominar de "síndrome do desdém ao óbvio": "Tudo é óbvio*. *Desde que você saiba a resposta. (Como o senso comum nos engana.)" (2011. Ed. Paz e Terra, 328 pp.)

Como humano e como cidadão do país do futebolbalípodo, pode parecer óbvio para mim o que pode sair da discussão a respeito das visões e opiniões das pessoas sobre o emprego da tecnologia no futebol. Mas há dimensões para além da análise superficial: p.e. que implicações isso teria a respeito do chamado "jeitinho brasileiro"? teria alguma ligação com a tecnofobia manifestada por uma parte não desprezível da sociedade? da desconfiança de tecnologias de monitoramento como chips em automóveis, bafômetro, pontos eletrônicos?

Nassif ironiza a respeito do "papel do 'juiz ladrão'", mas lhe passa despercebido exatamente o paradoxo: o brasileiro (como a maioria dos cidadãos de outros países) critica as injustiças, então por que parte substancial crê que isso seja defensável no contexto esportivo?

Não me parece que a consideração superficial de um único estudo e de modo tão desrespeitoso seja uma contribuição positiva para a questão da qualidade da pesquisa e do financiamento público.

Obs: Estou tentando contato com os pesquisadores mencionados para uma entrevista.

Upideite(22/set/2012): Nassif volta ao tema em mais duas postagens. Em uma, anuncia que abrirá o blogue dele para a resposta dos pesquisadores (e inclui algumas perguntas); em outra, sobe um comentário que reproduz texto opinativo publicado em outro sítio web, criticando o funcionamento atual da pesquisa em universidades.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Sing Along: Challenge Accepted

Há algumas boas músicas de divulgação científica sobre evolução. Tratei de uma aqui (onde também comento sobre o samba-enredo da União da Ilha em 2011).

Mas poucas conhecidas em português. Frente a um clipe antievolucionista postado no YT, @Rafael_RNA, lamentou que tenhamos chegado atrasados.

Tomei isso como desafio e escrevi umas pseudorredondilhas.

Evolua sua cabeça.
Por mais incrível
Que lhe pareça,
Somos só macacos
Sem pelagem espessa.

Evolua seu conhecimento.
Ardi, Australo, habilis, erectus,
Em algum evento,
Deram o ar da graça.
E, com neander, deu casamento.

Evolua sua mente.
São os mesmos ossos
No mico e na gente;
Não se espanta nada,
É nosso parente.

Evolua seu coração.
O lindo chimpanzé
É nosso primo-irmão;
E mais afastados:
Gorila, orango e gibão.

Evolua sua alma.
Preste muita atenção,
Nesta hora muita calma,
Há semelhanças
Nas unhas e na palma.

Evolua o seu ser.
Em nossos DNAs
Podemos ver
De novo a história
Se desenvolver.

Evolua sua pessoa.
Não é por disserem Darwin
e tanta gente boa;
O que importa mesmo
É o que o fato apregoa.

Evolua sua cabeça.
Por mais incrível
Que lhe pareça,
Somos só macacos
Sem pelagem espessa.

Não é a versão definitiva, aceito sugestões para alterações dos versos e estrofes, e também para o título da composição (obviamente "Challenge Accepted" não se encaixa como tal). Se alguém quiser musicar e fazer um video pra subir no YT, podemos combinar.

E, claro, desafio os demais cientófilos a criarem também suas composições infantis com o tema da evolução. (Avisem-me para botar os links para suas criações - epa! - nesta postagem.)

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Forrobodó Universitário: a polêmica do RUF

"To say that dinosaur classification is contentious is like saying that the Atlantic Ocean is a bit damp. The number of different dinosaur classifications operational at any time can be described by the formula
C = (N + A) - 1
where C is the number of classifications, A is the number of amateur paleontologists, and N is the number of dinosaur paleontologists. The '-1' represents the true classification, which we shall never know (part of Durham's law)." (p. 62)
Farlow, J.O. & Brett-Suman, M.K. (eds.) 1997. The Complete Dinosaur. Indiana University Press. 752 pp.


Não falamos aqui de dinossauros (apesar da opinião eventualmente em contrário de alguns), mas de universidades - instituições surgidas entre o fim do século 9 e começo do 10, algumas das pioneiras resistem até hoje (como a Universidade de Al-Azhar, fundada no Cairo em cerca de 970) - e classificações ou rankings.

Já oO hábito de classificação certamente precede em muito as primeiras universidades. Junte a necessidade de categorização dos objetos (como por exemplo, coisas que se pode comer e coisas que não se pode), a necessidade de quantificação (quanto de alimentos foi produzido nesta safra, será o suficiente para sustentar a população?) e o hábito competitivo (razão da existência de tantos esportes) e, presto, eis os rankings: listas ordenadas de acordo com alguma qualidade (normalmente por diferenças quantitativas).

Os rankings invariavelmente vêm acompanhados de polêmicas e contestações. Em boa parte porque a criação de rankings é motivada justamente pela existência de divergência de opiniões sobre quem (ou o quê) é melhor do que quem (ou o quê) - naturalmente o resultado final irá frustrar expectativas.

Então todo ranking é inútil no fim das contas? Não exageremos. Eles são úteis na medida em que deixam suas metodologias transparentes - quem contesta poderá apontar mais objetivamente (ou menos subjetivamente) os pontos de divergência e ainda poderá tentar reproduzir o processo (ou introduzir-lhe modificações) e verificar se resultados similares são obtidos (ou mais próximo do que se esperava). Então qualquer ranking é útil? Não exageremos tampouco por este extremo. Há metodologias inadequadas para os objetivos pretendidos: entrevistar as pessoas em um show promovido pela Gaviões da Fiel para saber qual o time do coração não irá revelar muita coisa sobre qual o clube de preferência dos paulistanos em geral - para um caso menos caricatural, enquetes feitas por internet não têm validade de amostragem estatisticamente justificada para representar, digamos, a população de um país.

A quizila e quizumba da vez é o resultado do Ranking Universitário Folha. Menos no aspecto geral - que bate com o amplo consenso que as IES públicas são, em geral, muito melhores do que as congêneres privadas - do que em alguns detalhes. Um em específico. A avaliação da Unicamp no quesito 'mercado', em comparação, por exemplo, com a Unip. Leandro Tessler, em seu Cultura Científica, explicitou sua divergência. Outros, como o Dr. Tufi Soares, creem que deva haver alteração no modo de avaliação do quesito 'ensino'.

É possível que seja necessário algum refinamento na metodologia - o que, em geral, implica em custos aumentados na obtenção dos resultados; porém, não me parece que seja o caso de explodir ou implodir o RUF.

Não encontrei detalhes da validação da metodologia adotada pela Folha. Mas podemos fazer algumas análises de correlação de parâmetros - os usados pela própria Folha e outros obtidos de modo independente.

Tessler questiona: "No entanto, entre as 40 primeiras segundo a Avaliação do Mercado 10 receberam ZERO em Avaliação do Ensino. É razoável supor que o 'mercado' privilegie universidades com um ensino tão mal avaliado? Haveria uma máfia de responsáveis por recursos humanos que de propósito privilegiaria egressos de certas escolas, ainda que de qualidade inferior?"

Há que se observar que o grupo que avaliou o fator 'mercado' (profissionais de RH) é diferente do que avaliou o fator 'ensino' (cientistas de maior produtividade). Os critérios de cada grupo tendem a ser distintos: o segundo grupo tenderá a avaliar a questão do ponto de vista de formação do profissional voltado para a pesquisa; o primeiro grupo, de profissionais voltados para o mercado. Isso invalida a metodologia? Creio que não. Até porque, na verdade, apesar das divergências de critérios (subjetivos dos avaliadores), na *média*, há convergência da avaliação (Fig. 1).*

Figura 1. Correlação entre médias de notas de avaliação do ensino e de avaliação de mercado no RUF. Barra: desvio padrão. Fonte: Folha.

Os avaliadores da qualidade de educação foram rigorosos atribuindo notas 0 para 142 instituições analisadas: 74,35%. Não é de se espantar que entre as 40 mais bem avaliadas pelo mercado haja uma parte com notas 0: 16/40 = 40% (bem menos do que no geral, como não é tampouco de se espantar).

Considerando-se um critério independente de avaliação da qualidade de ensino - a média dos Conceitos Preliminares de Curso no Enade 2010 - também temos uma correlação razoável com a avaliação do critério 'mercado' no RUF (Fig. 2).**

Figura 2. Correlação entre médias de CPC - Enade 2010 - e avaliação do mercado pelo RUF 2012. Fontes: Folha e Inep.

Os rankings internacionais que inspiraram a metodologia adotada no RUF tampouco são livres de polêmicas.

A minha visão é que se deve ter uma leitura menos a ferro e a fogo dos rankings. Nenhum (ou quase nenhum) traz, por exemplo, valores de desvio padrão das medidas adotadas. Como a teoria do erro nos garante (e a prática mais ainda), toda medida importa algum erro. Então se se está em 2o ou 5o lugar - ainda mais com um diferença de apenas 5,48 pontos em 100 possíveis (sendo o desvio padrão de 20,99 - atenção: como os valores não têm distribuição normal [vide abaixo], não são aplicáveis boa parte dos testes estatísticos para se avaliar as diferenças***) - não quer dizer que haja realmente uma diferença significativa entre as IES. Desse modo, avaliação de medidas individuais - como se esta ou aquela universidade está nesta ou naquela posição - são menos informativas. Análises menos problemáticas são avaliação em relação a *grupos*: como privadas vs. públicas (24,47±15,01 vs. 42,02±23,36), do Sudeste vs. de outras regiões (33,62±23,62 vs. 33,84±20,27); ou um exame de séries históricas - no caso do RUF, obviamente isso ainda não é possível. Para avaliação de IES individuais convém também comparar entre os diferentes rankings.

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As notas não estão calibradas de modo a se obter uma distribuição normal (Fig. 3)

Figura 3. Distribuição das classes de notas do RUF. (Teste Shapiro-Wilk, W = 0,955, p < 0,001.) Folha.

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Não há necessidade de que notas tenham uma distribuição normal, mas isso permitiria algumas análises estatísticas interessantes - como a mencionada análise estatística da significância das diferenças das notas***.
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Confesso que tenho uma certa coceira de criar um ranking de rankings - classificados, por exemplo, pelo número de citações em certos tipos de documentos.

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*Obs. Listando-se pela classificação geral RUF e fazendo-se a média de grupos de 10 em 10 para as notas de critérios de ensino e mercado. Menos para o último grupo, com 11 elementos - os últimos do ranking.
**Obs2. As IES foram listadas por ordem crescente dos valores de CPCs e foram tomadas as médias em grupos de 10 e 10 instituições. Exceto o grupo de 6 mais bem avaliadas pelo critério de CPC.

Abaixo relacionarei postagens de blogues analisando o RUF (se souberem de outros, por favor, avisem-me nos comentários):
Devaneios Docentes: Ranking Universitário
Hum Historiador: Rankings universitários e sua manipulação para fins propagandísticos
Arcos (Henrique Araújo Costa): Sobre o ranking de universidades da Folha
Observatório da Imprensa (Sylvia Moretzsohn): Sobre universidades, campeonatos e reportagem
Observatório da Imprensa (João de Abreu): Celebração da pesquisa a quilo

Upideite(08/set/2012): Por sugestão do Prof. Tessler nos comentários, fiz um exame um pouco mais detido (mas ainda assim um tanto superficial), da componente 'ensino'. De fato, a componente 'ensino' do RUF não apresentou correlação maior com o CPC do Enade. Mas, ao contrário do suposto, parece não se dever ao fato do CPC ser influenciado pelo fator pesquisa, e, sim, pelo fator *'ensino' do RUF* estar mais correlacionado a questões referentes à pesquisa e menos ao ensino em si.

Na Fig. 4, correlação entre as notas de ensino atribuídas pelo painel de pesquisadores consultados pelo RUF e componentes do Enade. As instituições foram ordenadas de acordo com a nota de critério 'ensino' do RUF e tomada as médias dos valores das componentes. A classe de média 0 de 'ensino' contém 130 IES, a classe de média mais alta, 8 IES; as demais classes são formadas por 10 IES.

Figura 4. Correlação entre notas de 'ensino' do RUF e algumas componentes do Enade 2010. Eixo horizontal: média de nota de 'ensino RUF', vertical, valores das componentes do Enade. Fontes: Folha e Inep.


Há alguma correlação entre o 'ensino' do RUF e elementos como proporção de mestres e doutores e a nota de regime de dedicação exclusiva avaliados pelo Inep. Mas não em relação ao desempenho dos alunos (nota dos ingressantes, dos concluintes, diferença de desempenho), infraestrutura e componente pedagógico. Aparentemente, a nota dada pelo painel de especialistas no critério 'ensino' reflete mais a qualidade do corpo docente do que outros fatores relacionados à qualidade do ensino.

Um ponto que sugeriria para análise mais detida na metodologia do RUF seria justamente essa componente 'ensino'.

Não está mostrada na figura, mas há alguma correlação entre a componente 'ensino' e as componentes 'pesquisa' e 'inovação' - o que não é de todo surpreendente. Não por outra coisa, a componente 'pesquisa' foi avaliado pelo mesmo painel e inovação está bastante ligada à pesquisa (de fato, a correlação é quase 100% - Fig. 5 - que, no fundo, o critério 'inovação' é redundante ao de 'pesquisa').

Uma sugestão que faço é uma análise de correlação multifatorial para a determinação dos pesos dos componentes para evitar a redundância.

Figura 5. Correlação das componentes 'pesquisa' e 'inovação' do RUF. Fonte: Folha.

***Upideite(09/set/2012): adido a esta data.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Especulando: Conceptoma Funcional

Nos últimos 10 anos - ou um pouco mais - parece ter explodido a área de análise de redes (o número de artigos publicados anualmente praticamente triplicou na primeira década do milênio) - embora a análise de redes sociais tenha mais de 80 anos (sim, existem antes mesmo das chamadas mídias sociais: como orkut, facebook, twitter, instragram, flickr, youtube, etc. - as redes sociais são redes de interação entre pessoas independente dos meios em que se dá tal interação: pode ser no trabalho, na escola, por email, por nome, ou simplesmente por conhecidos de conhecidos - o que gerou a hipótese do mundo pequeno).

A análise de redes vai além de como pessoas estão conectadas. Pode usar as mesmas ferramentas teóricas para estudar as relações entre países (comerciais, políticas, militares, esportivas, etc.), cidades, objetos (como redes de computadores) e até entidades abstratas como palavras e conceitos.

Na sociologia das ciências, um estudo frequente é a análise de redes formadas por coautorias. Com isso é possível, p.e., investigarem-se as relações entre as diferentes áreas (Figura 1). Ou a colaboração entre centros de pesquisa de diferentes partes do mundo (Figura 2).

Figura 1. Redes de coautorias por área em trabalhos científicos. Fonte: Newman 2004.


Figura 2. Mapa de colaborações internacionais em trabalhos científicos. Fonte: Beaucheusne 2011.

Há, ainda, estudos de coocorrência de termos nos artigos científicos.

Mas, pelo menos enquanto a web semântica não se torna uma realidade, um tipo de investigação deve permanecer bastante restrita: o mapeamento amplo das relações de hipóteses científicas - não como simples coocorrência, e, sim, como relação de dependência conceitual. Por exemplo, o conceito de "estratégia evolutivamente estável" depende de conceitos como "estratégia evolutiva", "evolução", "estabilidade evolutiva", "teoria dos jogos" - mesmo que esses termos não sejam utilizados diretamente no mesmo artigo.

Seria não simplesmente um mapa conceitual com indicação da implicação de um conceito sobre o outro. Tal mapeamento permitiria descobrirem-se premissas ocultas nos testes de certas hipóteses. Isso porque nenhuma hipótese é testada isoladamente. E, valendo-se de análises como a bayesiana, poderíamos testar a robustez das hipóteses considerando-se todo o conjunto de dados disponíveis na literatura (ou pelo menos na literatura analisada), mesmo de modo indireto. Isso pelo fato de um teste de hipótese típico depender da assunção apriorística da validade das premissas de apoio - ocultas ou declaradas (como da própria validade da ferramenta estatística utilizada): então, na verdade, quando se diz que há apenas 5% de chance de os resultados obtidos deverem-se unicamente dao acaso, está a se dizer que há apenas 5% de chance de os os resultados obtidos deverem-se unicamente  dao acaso *se* as hipóteses assumidas (como os aparelhos estarem devidamente calibrados, ou as leis da mecânica serem aproximações boas o suficiente) estiverem corretas.

Assim poderíamos analisar a probabilidade de correção da hipótese frente a todos os dados disponíveis - provavelmente bem menor do que a probabilidade que seria atribuída por qualquer estudo isolado - e verificar qual o ponto fraco que precisaria ser mais bem estudado.

Entre as dificuldades que devem surgir, além do levantamento do material primário, pode estar o processo de análise estatística: o mapa deve ter um aspecto reticulado, com alguns conceitos sendo influenciados pelos conceitos sobre os quais exercem influência (ou seja, em muitos casos, a análise deve cair em um loop - se houver convergência não há problemas, mas, do contrário, o tratamento dos dados pode ser bem problemático, se não impossível); um problema enfrentado por grafos abertos similares às árvores filogenéticas é a explosão de topologias alternativas conforme mais terminais são acrescidos, algo similar, ou até idêntico, pode ocorrer.

Porém, o resultado seria nada menos do que o desenho - ainda que grosseiro - do edifício teórico de todos os ramos científicos incluídos. Que aspecto teria? Um elegante ou um labirinto quase incompreensível? Um robusto e sólido ou um frágil? O esquema física->química->biologia->psicologia estaria ali ou seria desmistificado?

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Jogo dos erros 6

Não sei se podemos chamar de "virada de tempo", mas há uma certa coincidência temporal em que a Folha de São Paulo tenha intensificado o espaço para os negacionistas climáticos e demitido o jornalista Claudio Angelo (melhor para o Scienceblogs, que agora conta com o texto acurado, apurado e afiado do brasiliense). O que esses fatos significam só os tempos (cronológico e meteorológico) poderão dizer.

De todo modo, Molion emplacou mais um texto no jornal paulista (reproduzido no Quiprona, de Roberto Berlinck). Torno a dizer que respeito a produção científica do pesquisador no que se refere à meteorologia, mas discordo de muitas coisas que ele diz, sobretudo em seu posicionamento de negação do aquecimento global.

Um resfriamento global, com mais invernos rigorosos e má distribuição de chuvas, é esperado nos próximos 20 anos, em vez do aquecimento global antropogênico (AGA) alardeado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
Uma coisa boa aqui: Molion faz uma previsão testável. Uma coisa não tão boa: ele vem dizendo a mesma coisa desde pelo menos 2005: "O clima global poderá experimentar um resfriamento paulatino nos próximos 25 anos se a ODP comprovadamente permanecerem sua nova fase fria." Já são pelo menos sete anos dessa previsão de resfriamento que não se concretiza. Há um fator complicador: Molion poderia até mesmo acertar com um período de resfriamento por duas décadas, sem que isso representassem um resfriamento global - duas décadas são uma janela curta em relação à tendência maior do aquecimento. O pesquisador até cita período anterior de queda de temperatura global média - essa queda entre o pós-guerra e a década de 1970 não anulou o tendência maior (vide a parte 1 da série sobre o Aquecimento Global).

O AGA é uma hipótese sem base científica sólida. As suas projeções do clima, feitas com modelos matemáticos, são meros exercícios acadêmicos, inúteis quanto ao planejamento do desenvolvimento global.
Molion volta a errar a mão na sua crítica. A base científica da hipótese do AGA é bastante sólida. São milhares de artigos nas últimas décadas publicados em revistas indexadas com processo de revisão por pares que trazem dados que sustentam a hipótese. Até as previsões realizadas sobre tendências de temperatura vem sendo confirmadas - mostrando a robustez dos modelos usados. Por outro lado, com base em quê Molion projeta um período de resfriamento? Oras com base em modelos matemáticos que dão certo peso a fenômenos como a Oscilação Decadal do Pacífico e atividade solar. Mas enquanto o modelo adotado pelo IPCC vem sendo confirmado nos últimos 20 anos, o modelo de Molion vem errando nos últimos 7 anos.

Porém, o efeito estufa jamais foi comprovado, nem sequer é mencionado nos textos de física. Ao contrário, há mais de cem anos o físico Robert W. Wood demonstrou que seu conceito é falso.
O que Robert W. Wood mostrou é que em uma estufa verdadeira - daquelas casas transparentes em que se cultivam plantas tropicais - o efeito do aquecimento se dá pelo impedimento do movimento de convecção do ar aquecido. Mas não é isso o que se entende atualmente pelo nome de 'efeito estufa'. (O termo é, sim, terrível e bastante enganoso - assim como ocorre com vários outros termos de amplo uso nas ciências: Eva mitocondrial, p.e, não se refere nem à única mulher que existiu em um período remoto, nem à única mulher que contribuiu geneticamente com os humanos atuais.)

Na parte 1 da série sobre o Aquecimento Global Antropogênico, apresentei a definição de efeito estufa: "aumento da temperatura média de uma porção de ar (podemos considerar toda a atmosfera, p.e.) pela presença de determinados gases em certas concentrações."

O efeito estufa assim definido é amplamente comprovado: desde estudos em laboratório e demonstrações didáticas, até observações interplanetárias. E é mencionado em livros-textos de física: e.g. Giordano, 2012, College Physics vol. 1 (p. 471 – Cengage Learning, 608 pp). Mas vamos supor que não fosse mencionado, há vários fenômenos que não são mencionados em livros-texto de física já que o espaço é limitado - mesmo um livro eletrônico deve ter um tamanho razoável que possa ser coberto em dois semestre de introdução à Física. Além disso, o efeito estufa é um fenômeno que se casa mais bem em um livro sobre física atmosférica - e lá encontramos menções em abundância. De modo geral, há pouca menção sobre dinâmica de atmosférica em livros básicos de física introdutória de graduação.


As temperaturas já estiveram mais altas com concentrações de CO2 inferiores às atuais. Por exemplo, entre 1925 e 1946 o Ártico, em particular, registrou aumento de 4 °C com CO2 inferior a 300 ppmv (partes por milhão em volume). Hoje, a concentração é de 390 ppmv.//Após a Segunda Guerra, quando as emissões aumentaram significativamente, a temperatura global diminuiu até a metade dos anos 1970.//Ou seja, é obvio que o CO2 não controla o clima global.
Aqui o Molion dá a entender que entre 1925 e 1946 as temperaturas globais médias foram mais altas. Não é o que os dados mostram. Vide, por exemplo, as Figs. 1 e 2 da parte 1 da série sobre o AGA para as médias globais e para as médias locais, veja a Figura 1 abaixo.
Figura 1. Variação da temperatura superficial em Godthab Nuuk, Groenlândia. Fonte: Giss/Nasa.

Há a variação mencionada por Molion, mas a tendência geral é de aumento da temperatura*. E mesmo com outros fatores a atuar, há correlação entre a temperatura local e a concentração atmosférica de CO2 (Figura 2). Poderia não haver, já que temperaturas locais sofrem influência de outros fatores - como padrão de massas de ar.

Figura 2. Covariação entre temperatura local em Godthab Nuuk e concentração atmosférica global de CO2. Fonte (concentração de CO2): Giss/Nasa.

**Deve-se notar também que entre o fim da Segunda Guerra e a década de 1970, houve um grande aumento de emissão de particulados na atmosfera. A Hipótese do Escurecimento Global leva isso em conta.Com a introdução de medidas de controle de emissão de particulados e fuligem - necessárias por conta de problemas à saúde - houve um clareamento da atmosfera a partir da década de 1970, o que deve ter levado aos níveis de incidência solar de volta aos valores pré-guerra, anulando o efeito de resfriamento observado no período.

Após a Segunda Guerra, quando as emissões aumentaram significativamente, a temperatura global diminuiu até a metade dos anos 1970 // Ou seja, é obvio que o CO2 não controla o clima global..
Não é verdade. Houve diminuição, mas até meados dos anos 1950. Depois disso, a tendência de aumento voltou a ocorrer (vide as Figuras 1 e 2 da parte 1 da série). Mas até poderia ter ocorrido tal redução. A hipótese do AGA não diz que a temperatura sempre sobe a todo instante, e sim que há uma *tendência* de aumento da temperatura média global na superfície ao longo do tempo - pode haver reduções momentâneas de temperatura (por exemplo, quando ocorre uma grande erupção vulcânica, cujas cinzas bloqueiam parcialmente a incidência solar).

A ideia não é que o CO2 *controle* o clima, mas sim que sua concentração aumentada influencie no aumento da temperatura média global.

[R]eduzir emissões significa reduzir a geração de energia e condenar países subdesenvolvidos à pobreza eterna, aumentando as desigualdades sociais no planeta.
Nope. É possível de se reduzir as emissões por meio da redução do consumo por aumento da eficiência energética, por exemplo: algo em torno de 30% podem ser economizados. E, principalmente, pode-se reduzir as emissões pela substituição gradual da matriz energética por fontes renováveis como biomassa, eólica e solar e até algumas não renováveis como energia nuclear.

A trama do AGA não é novidade e seguiu a mesma receita da suposta destruição da camada de ozônio (O3) pelos clorofluorcarbonos (CFC) nos anos 1970 e 1980.
Suposta? A redução é medida. Vide Figura 3 da primeira parte da análise sobre as alegações de Felício.

Criaram a hipótese que moléculas de CFC, cinco a sete vezes mais pesadas que o ar, subiam a mais de 40 km de altitude, onde ocorre a formação de O3.
Sim, essa hipótese foi aventada. Mas Molion parece ignorar que essa previsão foi testada e... sim, *há* de fato moléculas de CFC a 40 km de altitude. Balões meteorológicos com armadilhas que fecham e capturam amostras de ar permitem que se analise a composição química da mistura gasosa a diferentes altitudes. E moléculas de CFC, a despeito de sua densidade massa molecular, são encontradas a altitudes de 30, 40 km.


Figura 3. Perfil vertical de concentração atmosférica de CFC-11 sobre Fort Sumner, Novo México, EUA, 1996. Fonte: NOAA. (A tropopausa fica a uma altitude entre 9 km - nos polos - e 17 km - no equador; a altitude de 50 km tem em torno de 110 mb. Nota: O link original encontra-se quebrado, uma cópia pode ser lida aqui.

Em 1995, os autores das equações químicas que alegadamente destruíam o  O3  receberam o Nobel de Química. Porém, em 2007 cientistas do Jet Propulsion Laboratory da NASA demonstraram que as suas equações não ocorrem nas condições da estratosfera antártica e que não são a causa da destruição do ozônio.
Por algum motivo, Molion não cita que desde 2009 a discrepância dos resultados está resolvida. A técnica usada pela equipe de Pope (pesquisador do JPL) necessitava de amostras de alta pureza do gás CFC testado para se medir o efeito catalisador. A suspeita desde o início era de que as amostras analisadas estivessem contaminadas. Usando uma técnica que não depende do grau de pureza da amostra de gás, a equipe taiuanesa de Hsueh-Ying Chen obteve uma atividade compatível com o mecanismo proposto pelos nobelistas Molina, Crutzen e Rowland***.

*Updieite(11/ago/2012): A média da variação das temperaturas médias anuais registradas nas estações da Groenlândia é similar ao padrão de Godthab Nuuk (Figuras 4 e 5****).
Figura 4. Variação das temperaturas anuais médias nas estações de Groenlândia. Fonte: GISS.

**Upideite(11/ago/2012): adido a esta data.
***Upideite(11/ago/2012): corrigido a esta data.

****Upideite(13/ago/2012):
Figura 5. Correlação entre as anomalias das temperaturas médias anuais da Groenlândia e as anomalias das temperaturas médias anuais em Godthab Nuuk. (Base: média entre 1881-2011.) Fonte: GISS.

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