Com a publicação do manifesto "Eu apoio a Ciência Brasileira" em que um grupo de pesquisadores brasileiros na área de neurociências criticam o Prof. Dr. Miguel Nicolelis, quis esclarecer alguns pontos.
Por email, entrei em contato no dia 23/fev/2013 com um dos signatários do manifesto, o Prof. Dr. Márcio Flávio Dutra Moraes, da UFMG, cuja equipe também desenvolve projeto de neuroprótese de sensor de infravermelho. Abaixo segue a entrevista gentilmente concedida pelo Dr. Moraes.
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GR. Antes de mais nada, poderia nos contar resumidamente a trajetória de Núcleo de Neurociências da UFMG e como foi o convite para sua participação no comitê gestor do INCeMaq?
MM. Muito resumidamente, o NNC é um grupo de pesquisa multidisciplinar formado atualmente por 5 docentes, 17 alunos de pós-graduação, 3 pós-docs além de vários alunos de IC e estagiários. O grupo foi formalmente criado em 2000 com o seu credenciamento no Diretório de Grupos de pesquisa do CNPq. (ver www.nnc.ufmg.br para mais detalhes). O grupo possui diversas cooperações nacionais e internacionais, está vinculado a uma PG nível 7 CAPES e possui diversos projetos aprovados em andamento (p.e. participação na criação-implementação e coordenação do Centro de Tecnologia e Pesquisa em Magneto Ressonância – CTPMAG: http://www.nnc.ufmg.br/CTPMAG).
Quanto ao convite, eu estava fazendo um sabático na Inglaterra (King’s College London) quando fui convidado pelo Prof. Dr. Sidarta Ribeiro para fazer parte da escrita e submissão ao CNPq de um projeto para o INCT (o INCeMaq). Para contextualizar, na época, um ex-aluno meu de doutorado realizava seu Pós-Doutorado no ELS-IINN; hoje o Prof. Dr. Vinícius Rosa Cota é docente da Universidade Federal de São João del Rei. Uma vez aprovado o INCT, os líderes de grupos de pesquisa que empenharam suas equipes para executar partes do projeto foram convidados a compor o CG.
GR. Quais eram exatamente as atribuições e o modo de funcionamento do comitê gestor do INCeMaq? Somente o coordenador convocava as reuniões? Havia comunicação fora das reuniões - por meio de e-mails, telefones, pessoalmente?
MM. Quanto às atribuições do CG de qualquer INCT, peço gentilmente que consulte o CNPq e/ou outros INCTs que possuam páginas na internet. O INCeMaq foi formado por um grupo de colegas pesquisadores com os quais me sentia muitíssimo à vontade, extremamente competentes, abertos à colaboração e promoviam um ambiente informal e agradável. Já conhecia pessoalmente alguns dos membros do CG; os demais conhecia pela reputação na comunidade científica nacional. Dito isto, apesar das comunicações e convocações formais serem feitas pelo coordenador, que era também muito acessível, todos mantínhamos um relacionamento profissional e pessoal muito saudável.
GR. No manifesto é revelado que houve apenas duas reuniões entre 2010 e 2012. O que foi tratado na segunda reunião?
MM. Sobre o assunto do INCT, especificamente, peço que procure o Prof. Dr. Antônio Roque (também do CG) para esclarecimentos. Sinto-me pouco à vontade de falar sobre reuniões reservadas que envolvem outros colegas cientistas colaboradores do INCeMaq.
GR. No comunicado do desligamento dos membros do comitê gestor foi mencionada a razão do ato? O senhor tem informações a respeito do funcionamento atual do INCeMaq? Houve algum desentendimento anterior ao desligamento entre os membros do comitê gestor e o coordenador do INCeMaq?
MM. Novamente, não gostaria de mudar o foco do problema em questão. A carta divulgada não fala sobre isto.
GR. Qual foi a reação de V. Sra. e equipe diante do anúncio do trabalho de Nicolelis com implantes intracranianos ligados a sensores de infravermelho? O senhor chegou a entrar em contato com Nicolelis?
MM. Fiquei muito surpreso. O trabalho que vinculamos ao INCeMaq no início da escrita do projeto (meados de 2008) estava relacionado à utilização de estimulação elétrica profunda para supressão e predição de crises epilépticas. Esta escolha era mais lógica pois já tínhamos resultados positivos e, portanto, uma maior segurança quanto à prestação de contas do projeto. De fato, publicamos vários trabalhos com esta ideia nos anos seguintes, todos com reconhecimento declarado ao INCT (ver publicações no meu CV). Contudo, depois da aprovação do INCeMaq, nos reunimos em 2010 e decidi mostrar algo em que estávamos (no NNC) trabalhando, que considerávamos de mais alto risco de sucesso mas de grande repercussão para as neurociências. Não houve apoio para incorporar isto ao INCT e portanto, retornei para meu grupo de pesquisa dizendo que não havia interesse de vincular o referido projeto ao INCT. Não escrevi diretamente para o Prof. Nicolelis pois considerei que não havia muito o que conversar. Entenda, os aspectos legais deste processo me interessam muito pouco, estava entre colegas de trabalho, comungando de um mesmo projeto, com financiamento comum e, sem nenhum outro comunicado, vi uma de nossas linhas de pesquisa publicadas em âmbito internacional. Nossa equipe de trabalho no NNC é muito motivada, o que ajuda a lidar com o baque desta ordem, mas ainda assim é muito desagradável. Se o Prof. Nicolelis tivesse me dito na época que a ideia era interessante e que gostaria de compartilhar resultados, o que era exatamente o que eu estava fazendo (reunião de 2010) sobre uma linha que NÃO SABIA E AINDA NÃO POSSO AFIRMAR QUE ESTAVA SENDO FEITA EM QUALQUER OUTRO LUGAR DO GLOBO, nós poderíamos ter discutido parcerias e estreitado colaborações. Nunca sofri situação parecida na minha carreira (sou Pesquisador Produtividade I do CNPq), não é o caso de publicar em congresso e ter seu trabalho feito por outro grupo, o trabalho foi apresentado a portas fechadas para colegas colaboradores de um mesmo projeto INCT.
GR. Como surgiu a ideia em sua equipe do experimento de neuroprótese com sensor de infravermelho? No projeto de sua equipe, o estímulo dá-se na região do complexo amigdaloide; no trabalho da equipe de Nicolelis, na região do córtex táctil. Essa diferença pode ser considerada significativa nos designs dos projetos?
MM. A realidade da pesquisa em território brasileiro é bem diferente. A UFMG não tem ainda uma estrutura de apoio técnico em bio-engenharia para construir equipamentos, software e eletrônica embarcada para um experimento customizado em neurociências. Desta forma, os amplificadores que registram o sinal captado do receptor de IV(infra-vermelho), os estimuladores de IV, o sistema de recompensa e estimuladores elétricos controlado por computador tiveram que ser desenhados e construídos no NNC. A ideia do experimento é antiga, anterior a 2009, discutida em reuniões com alunos de PG do NNC na época; contudo, os primeiros resultados são de 2009 quando a primeira versão do Harware e Software ficaram prontas. Com relação à sua pergunta sobre a metodologia e o alvo anatômico da estimulação, permita-me fazer uma analogia didática da razão da escolha de uma área poli-modal. Imagine se você tivesse um celular que vibrasse toda vez que você apontasse ele para um determinado emissor de IV, mexendo o celular seria possível encontrar a origem do sinal emitido, correto? Contudo, isto não seria exatamente um sexto-sentido, pois o que existe é a percepção de um tremor (estímulo tátil) que controla sua interação sensório-motora para otimizar a resposta do sinal captado pelo sensor. O experimento do Prof. Nicolelis estimula diretamente o córtex primário deste sentido sensorial. Nossa escolha de uma área poli-sensorial, que recebe informação de todos os demais sistemas sensoriais, foi baseada na ideia de verdadeiramente construir um sentido sensorial novo (artificial) que poderia se integrar aos demais 5 sentidos. Nesta linha de raciocínio, o termo sexto-sentido para o caso de estimulação de uma área sensorial primária seria inadequado; sinestesia, ainda que discorde, talvez fosse mais apropriado. Apesar desta ser uma importante diferença conceitual, a metodologia é muito parecida e se baseia fortemente em uma integração sensório-motora complexa que resulta do implante físico do receptor de IV cirurgicamente na cabeça do animal. Uma informação importante sobre a metodologia é que posso garantir e comprovar que o que foi feito e está em andamento na UFMG não recebeu qualquer interferência internacional e, sem questionar o mérito de uma afirmação de igual teor de outros grupos, é original e concebida integralmente em território nacional.
GR. Os pesquisadores signatários do manifesto mantêm alguma rede entre suas equipes coordenando seus trabalhos em um projeto maior fora do INCeMaq?
MM. Não posso e não devo responder em nome dos outros signatários. Mas posso dizer que o NNC possui vários projetos financiados, que somados são muitíssimo inferiores ao liberado para qualquer INCT, mas que nos permitem investir em alguns protocolos/experimentos de alto risco.
GR. Gostaria de acrescentar alguma observação a respeito do que não foi abordado acima?
MM. Não quero deixar você esperando mais tempo por uma resposta, por isto paro por aqui. Mas me faço disponível para continuar esta conversa em outra ocasião. Ressalto, contudo, que o objetivo de divulgar o incidente não foi a de contestar o trabalho científico de um excelente pesquisador (prova disto é que o Prof. Nicolelis é uma das principais referencias citadas em nossos trabalhos e é citado em diversas palestras que dou ao redor do Brasil); mas de proteger grupos de pesquisa brasileiros muito competentes, assegurando um financiamento contínuo e duradouro, que independa do Líder ou do indivíduo para garantir seu sucesso. O INCT foi idealizado exatamente para este fim, o episódio mostra que o Brasil tem que tomar muito cuidado com investimentos que podem acarretar conflito de interesse entre a promoção pessoal do coordenador e a finalidade última de crescimento institucional com formação de recursos humanos (no caso, alunos envolvidos no projeto aqui no NNC).
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
Entrevista com um neurocientista - Márcio Flávio Dutra Moraes
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ciência brasileira,
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