Precisamos ter em mente que os 33 x 10^6 BRL investidos pela Finep no projeto *não* foram só para essa apresentação. A pesquisa segue, o desenvolvimento do BRA-Santos Dumont 1 (e 2, e 3, e 4...) também. Para equipamentos de uso corrente, o prazo estimado por Nicolelis é de 10 anos,
Há, claro, desvios do que foi anunciado inicialmente: a) o sinal usado foi de EEG, não de sinais de implantes cerebrais de microeletrodos; b) o paciente é um adulto, não um adolescente; c) não houve caminhada (embora, segundo o diretor da Finep
Mas isso ocorre rotineiramente em qualquer projeto de P&D. Sempre há problemas não previstos, há a necessidade de se adaptar às circunstâncias que surgem. (A questão de uso de implante cerebral e, especialmente, de um menor de idade sempre foram motivos de ceticismo para mim - duvidava que o comitê de ética permitisse isso em uma fase tão inicial do projeto, ainda mais em demonstração pública, não sei se Nicolelis chegou a apresentar o projeto nesses moldes para o comitê - em entrevista ao SciAm, ele afirmou que o uso de implantes de microeletrodos em humanos ainda demanda pesquisa. Embora, pela inteligência do bom doutor, eu tenha certeza de que o item 'e' foi deixado de lado após uma boa reflexão. Houvera tempo para uma reflexão mais profunda, chegariam à conclusão de que o boné a ser usado seria o do dono do estádio. ) O prazo anunciado por Nicolelis foi desafiador. Propositadamente.
Foi a partir de meados de 2009 que o neurocientista passou a cogitar a fazer a apresentação pública. O financiamento da Finep saiu em janeiro de 2013 (não é a única fonte de verbas do projeto, mas certamente é uma das mais substanciais). Em fins do ano passado, o exoesqueleto começou a ser testado em humanos.
Em um ano e meio, o projeto produziu um aparato mecânico que permite uma pessoa paraplégica caminhar comandando os movimentos por meio de sinais de seu cérebro (captados por uma toca com sensores e processados por um computador) e receber de volta sinais de sensores no aparato. "Realmente naquele momento eu voltei a ter a sensação de andar novamente", disse o voluntário Juliano Alves Pinto (escolhido apenas horas antes da cerimônia de abertura, entre os pré-selecionados que haviam testado o protótipo em laboratório), que pilotou o exoesqueleto BRA-Santos Dumont 1 para uma entrevista à Folha de São Paulo. É mesmo pouco isso?
O objetivo era mostrar o feito para o mundo. Escondido na lateral do campo, longe da apresentação no meio do gramado, e passando só de relance - menos de 3 segundos de tela - foi frustrante. Mas mesmo assim o noticiário internacional registrou e destacou o chute dado com o exoesqueleto.
BBC: Paraplegic in robotic suit kicks off World Cup
Bloomberg: Formidable Brain Makes First Kick of World Cup
CBC: Mind-controlled exoskeleton kicks off World Cup
CBS: World Cup 2014: First kick made by mind-controlled exoskeleton
Clarín: Un puntapié muy especial
CNN: Mind-controlled exoskeleton kicks off World Cup
Die Welt: Mit "Iron Man" sollen Gelähmte wieder gehen
El Comercio: Parapléjico dio play de honor en inauguración de Brasil 2014
El Observador: Brasil 2014: una cerimonia inaugural con críticas y sin exoesqueleto
El Mercurio: Ausencia de exoesqueleto marca largada del Mundial e indigna a los televidentes
El Nacional: El exoesqueleto: autogol de la neurociencia
Het Belang Van Limburg: Verlamde jongen kleurt voetbalfeest
Materia: El exoesqueleto de Brasil,¿un timo?
NBC: 'We Did It!' Brain-Controlled 'Iron Man' Suit Kicks Off World Cup
Paraplegic to Kick Off Soccer World Cup After Medical Miracle
Neue Zürcher Zeitung: Wissenschaft an der WM: kick-off eines Gelähmten
Repubblica: Brasile 2014, il tiro di un paraplegico inaugura i Mondiali
Univisión: El momento más esperado de la inauguración del Mundial dejó a todos con las ganas
Vozpópuli: La verdad sobre el exoesqueleto del Mundial de Brasil 2014: más espectáculo que ciencia
The Scientist: Paralyzed Man Kicks Off World Cup
KSJ Tracker: Decepcionante saque inaugural por parapléjico em Mundial
La Razón: Mundial Brasil 2014: dos segundos de exoesqueleto
NIH Director's Blog: Neuroscience Research Kicks Off World Cup
Scope (Stanford Medicine): World Cup debut of robotic exoskeleton grounded in more than two decades of scientific research
O tom pessimista é marcado na imprensa nacional e na hispanofônica (seria por influência da imprensa brasileira?), já a anglogermanófona (em especial a americana) é francamente otimista (e tendendo ao ufanismo). Nem sempre a verdade está no meio, mas a minha avaliação do projeto até aqui, neste caso, é intermediária, tendendo ao otimismo, mas sem vê-lo como "milagre", "formidável". É um avanço no aspecto de incluir o feedback sensório. Mas mesmo sem isso já é um pequeno feito de engenharia pelo tempo - 16 meses - e mesmo que não acrescentasse em nada, haver projetos paralelos tem seu valor: se houver patentes, a concorrência tende a evitar que os preços finais sejam exorbitantemente caros; não havendo, projetos concorrentes chegarão a soluções diferentes para o mesmo problema geral, elas poderão ser mescladas para uma solução superior, ou elas pode ser melhores para casos específicos.
Como disse antes, o projeto segue. Foi só um marco - importante - no cronograma. Os próximos passos (com e sem trocadilho) devem incluir a incorporação dos implantes cerebrais (que permitem uma coleção de sinais mais ricos, essencial para um controle mais fino e variado do equipamento), redução do tamanho, aumento da autonomia da bateria...
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Em uma observação secundária, uma das polêmicas em torno da apresentação é sobre a razão dada pela Fifa para que o exoesqueleto ficasse de fora dos gramados: o peso. Algumas críticas a respeito compararam a massa total do paciente+aparelho (~70+~70 ~ 140 kg) com o da bola digital/palco+cantores (provavelmente entre várias centenas de quilogramas a algumas toneladas). Não devemos comparar apenas as massas, mas, sim, a pressão sobre o gramado. Se o exoesqueleto seguramente tem um peso muito menor do que a bola palco, certamente sua base de apoio também é muito menor. Seria o suficiente para exercer uma pressão que pudesse danificar o gramado? Muito provavelmente não. Mesmo desconsiderando-se a lona estendida durante a apresentação de abertura, usada justamente para proteger o gramado. Durante as partidas, é frequente que um jogador suba apoiando-se no ombro de outro. Isso gera pressões sobre o gramado muito mais elevadas do que as que seriam geradas pelo exoesqueleto. Claro, isso gera algum dano ao gramado, mas nada terrivelmente catastrófico. Corridas, saltos e pousos durante o jogo também produzem pressões mais elevadas, com danos relativamente pequenos ao gramado.
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Considerar que os 33 mi BRL serviram só pra comprar 3 segundos de tela é tão correto quanto dizer que os 150 bi USD da ISS foram usados para produzir o video clipe mais caro da história.
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Biorritmo - E a ciência passou em branco...
Ciência na Mídia - A polêmica saga do exoesqueleto que apareceu invisível
Contraditorium - Exoesqueleto da Copa - Brasileiro sendo viralata até o osso
Devaneios Biológicos - Copa do Mundo com golaço da ciência (postagem de antes da abertura)
Geek Café - Copa do Mundo e o marco científico de Nicolelis que o Brasil não viu
Herton Escobar - Exoesqueleto toca bola na abertura da Copa
Andar de Novo: O que a TV não mostrou
Meio Bit (Carlos Cardoso) - Globo e FIFA dão rasteira em paraplégico
Meio Bit (Caio Gomes) - Robocopa: incrível? Sim. Polêmico? Também.
Papo de Homem - O que o exoesqueleto do Nicolelis diz sobre ele e nós mesmos
Pirulla (videoblog) - Keep walking, Nicolelis
Teoria de Tudo - O espetáculo da ciência
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2 comentários:
Bom artigo, equilibrado. Como jornalista, eu me preocupo sobretudo com o aspecto midiático da apresentação.
Creio que a ausência de fanfarra com que o exoesqueleto foi apresentado é indesculpável. Mesmo que seu peso pudesse prejudicar o gramado, houve cinco anos de planejamento para que isso não ocorresse. Se houvesse mesmo vontade de dar destaque a isso, teriam dado um jeito.
OK, a transmissão é de responsabilidade da FIFA. Mas havia diversos jornalistas da Globo e outras emissoras lá, com credenciais. Poderiam muito bem ter entrevistado Nicolelis e o voluntário, antes e depois do chute, mostrado bem o aparelho, enfim, produzido alguma cerimônia em torno do acontecimento.
Em vez disso, acharam mais importante mostrar imagens de um ônibus entrando no estádio.
Salve, Träsel,
Valeu pela visita e comentários.
Eu até entendo os que criticam isso exatamente pelo aspecto midiático, que deveriam primeiro publicar os artigos pra, então, fazerem a demonstração pública... Por outro lado, entendo o grupo do Nicolelis de optar pela exibição pública antecipada como um modo de chamar a atenção para a pesquisa.
Conversando com alguns jornalistas, alguns estavam mesmo lá para registrar o feito do Nicolelis, mas, pelo que me contaram, o briefing da Fifa sobre a abertura era pouco detalhado - mencionava o chute do exoesqueleto, mas não dizia quando ocorreria, nem onde. Quando passou, já era.
E depois tem o problema de comunicação do Nicolelis com a imprensa nacional, que, claro, não ajuda muito em fazer a cobertura posterior. (De novo, entendo os dois lados.)
Mas daí tem aqueles veículos que distorcem tudo por questões políticas...
[]s,
Roberto Takata
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