Mas, deixando de lado (de modo mais do que imprudente - e até impudente) por um instante a questão ética, a tortura é um meio eficaz de se combater a criminalidade? Os dados indicam que não.
"It is commonly believed that torture is an effective tool for combating an insurgent threat. Yet while torture is practiced in nearly all counterinsurgency campaigns, the evidence documenting torture’s effects remains severely limited. This study provides the first micro-level statistical analysis of torture’s relation to subsequent killings committed by insurgent and counterinsurgent forces. The theoretical arguments contend that torture is ineffective for reducing killings perpetrated by insurgents both because it fails to reduce insurgent capacities for violence and because it can increase the incentives for insurgents to commit future killings. The theory also links torture to other forms of state violence. Specifically, engaging in torture is expected to be associated with increased killings perpetrated by counterinsurgents. Monthly municipal-level data on political violence are used to analyze torture committed by counterinsurgents during the Guatemalan civil war (1977–94). Using a matched-sample, difference-in-difference identification strategy and data compiled from 22 different press and NGO sources as well as thousands of interviews, the study estimates how torture is related to short-term changes in killings perpetrated by both insurgents and counterinsurgents. Killings by counterinsurgents are shown to increase significantly following torture. However, torture appears to have no robust correlation with subsequent killings by insurgents. Based on this evidence the study concludes that torture is ineffective for reducing insurgent perpetrated killings." (Sullivan 2014)
["Acredita-se comumente que a tortura seja uma ferramenta eficaz no combate à ameaça insurgente. No entanto, embora a tortura seja pratica em quase todas as campanhas de contra-insurgência, os indícios documentando os efeitos da tortura permanecem seriamente limitados. Este estudo fornece a primeira análise estatística em micronível da relação entre a tortura e as mortes subsequentes cometidas por forças insurgentes e contra-insurgentes. Os argumentos teóricos defendem que a tortura é ineficaz na redução de mortes perpetradas por insurgentes tanto porque ela falha em reduzir a capacidade dos insurgentes para a violência quanto porque ela pode aumentar os incentivos para os insurgentes cometerem futuras mortes. A teoria também liga a tortura a outras formas de violência de Estado. Especificamente, ao engajamento na tortura é esperado associar-se um aumento nas mortes perpetradas por contra-insurgentes. Dados mensais em nível municipal de violência policial são usados para analisar a tortura cometida por contra-insurgentes durante a Guerra Civil Guatemalteca (1977-94). Com o uso de amostras-pareadas, estratégia de identificação por diferença em diferença e dados compilados por 22 diferentes fontes da imprensa e ONGs, bem como milhares de entrevistas, o estudo estima como a tortura é relacionada a mudanças de curto prazo nas mortes perpetradas tanto por insurgentes quanto por contra-insurgentes. É demonstrado que mortes por contra-insurgentes aumenta significativamente após tortura. No entanto, a tortura parece não ter nenhuma correlação robusta com mortes subsequentes por insurgentes. Baseado nesses indícios, o estudo conclui que a tortura é um meio ineficaz na redução de mortes perpetradas por insurgentes."]
Hajja (2009) em uma revisão intitulada "Does torture work? A sociolegal assessment of the practice in historical and global perspective" conclui: "At a very high cost, the U.S. case confirms that torture does not work by any measure. No modern regime or society is more secure as a result of torture. Its use spreads, its harms multiply, and its corrosive consequences boost rather than diminish the threat of terrorism. Nunca más, indeed." ["A um custo muito alto, os casos americanos [como a tortura em Abu Ghraib e outras na chamada 'guerra ao terror'] confirmam que a tortura não funciona em nenhuma medida. Nenhum regime ou sociedade modernos estão mais seguros em função da tortura. Seu uso espalha, seu dano multiplica e suas consequências corrosivas impulsionam em vez de diminuir a ameaça do terrorismo. Nunca más, de fato." - grifo no original]
Houck et al (2014) obtiveram em um conjunto de dois experimentos um resultado não surpreendente de que a crença na eficácia da tortura tende a aumentar quando, em avaliações de cenários hipotéticos, as vítimas são mais próximas aos sujeitos experimentais.
Janoff-Bulman (2007) apresenta (4) quatro causas principais para a persistência do mito de eficácia da tortura na obtenção de informações úteis no combate ao crime.
1) Confusão entre conformidade (compliance) e exatidão (accuracy): métodos de intimidação e tortura geram medo e necessidade de autoproteção, o que induz o interrogado a rapidamente concordar com tudo o que o interrogador/torturador disser. A investigação, no entanto, não deve ser uma ação de obtenção de submissão pré-especificada, mas, sim, a obtenção de novas informações confiáveis. (Aqui me vêm à mente a piada do campeonato mundial de investigação. A Scotland Yard, o FBI e uma força policial estadual de um certo país tropical abençoado por deus - FPEPTAD - disputaram para ver quem tinha os melhores métodos de solução de casos. Para cada um deles foi liberado um coelho que deveriam rastrear e trazer de volta à comissão julgadora. A Scotland Yard foi a primeira. Seus agentes saíram distribuindo panfletos com foto do coelho, analisando pegadas, fazendo exame de ADN nos pelos encontrados e, em 4 dias, voltaram com o leporídeo. O FBI foi em seguida. Usando equipamento de termografia e rastreamento por satélite, voltaram com lagomorfo em 3 dias. A
2) Achar que aplicação de influência social deve ser apenas para "humanos", a tortura pode ser aplicada para os "desumanizados". O bom interrogatório pouco mais é do que a psicologia social aplicada. Há vários métodos de estabelecimento de influência social, baseados no correto entendimento dos motivos, necessidades e autopercepções do suspeito, com a criação de vínculo de confiança mútua entre interrogador e interrogado. Muitas pessoas imaginam que isso só funciona para pessoas "de bem", para pessoas cruéis como terroristas técnicas igualmente cruéis devem, para elas, ser utilizadas. (Uma frase que vêm à mente é o mantra conservador: "direitos humanos para humanos direitos".)
3) Subestimação da resistência. Ao imaginar cenas de dor excruciantes, as pessoas tendem a imaginar que elas logo cederiam e, projetando-se para os interrogados, eles também rapidamente acederiam para parar a dor. Porém, ao dar atenção apenas para o aspecto mais saliente - a dor física -, deixamos de lado a existência de elementos mais sutis que permitem ao interrogado resistir ao suplício sem entregar nenhuma informação - nem mesmo uma falsa. Processos dissociativos - em que a pessoa deixa de associar o corpo a estados mentais - podem proteger psicologicamente o torturado minimizando a dor sentida. Outro processo de resistência é o torturado desenvolver um significado de alto valor ao sofrimento. (A imagem do suplício da personagem bíblica Jó e mesmo de Josué de Nazaré dão conta do segundo caso. Inspirando diversos mártires ao longo do tempo. Outra imagem associada são das autoimolações em atos de protestos e de expressão de fé.)
4) Mudança de objetivo para a vingança pura e simples. Quanto mais danosa é a imagem que se faz da pessoa a ser interrogada: sujeito frio, cruel, assassino, sádico, psicopata... maior a propensão das pessoas a se desviarem do objetivo da obtenção de informações úteis. Esse parece ser o caso de parte dos 21% de brasileiros que dizem que a tortura pode ser usada para punir um criminoso.
Janoff-Bulman reforça que depoimentos de interrogadores militares mais experientes e os anos de pesquisa apontam para a eficácia dos métodos de influência social por trabalhos de inteligência. Nesse caso, o uso continuado de técnicas de tortura no processo investigatório não é a prova de que elas funcionam, mas sim de que as pessoas continuam *achando* que funcionam.
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