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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Microcefalia e zika: uma análise (parcial) dos números

É certo que os dados do Sinasc (Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos) - de uma média de 156,2 microcéfalos/ano entre 2010 e 2014 - representam uma grande subnotificação (a estimativa feita por Fernando Reinach de cerca de 20.000 casos anuais regulares de microcefalia para o Brasil é consistente); sobretudo antes da declaração da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) pelo governo brasileiro em nov.2015 (o que foi seguido de declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional - ESPII -, pela OMS, no começo do mês).

Mas como a metodologia do Sinasc - até antes da declaração do ESPIN - era a mesma (e a variação anual do número de casos era relativamente pequena), aparentemente os dados serviam como um proxy dos números reais de microcefalia - ao menos dos casos mais graves. Levantamento de Araújo et al. 2016, de recém-nascidos na Paraíba entre 2012 e 2015 encontrou um número relativamente estável de casos de microcefalia no período (ao menos na minha interpretação - ver figura 1 -; os autores acreditam que houve pico do 2° trimestre de 2014, o que, para eles, seria incompatível com a tese de introdução do ZIKV no Brasil durante a Copa do Mundo)

Figura 1. Painel à esquerda: figura original com variação temporal de casos de microcefalia na PB entre 2012 e 2015; painel à direita: figura modificada com análise de regressão para o período a entre o 4° trimestre de 2012 e o 4° trimestre de 2015. Fonte: Araújo et al. 2016.

Já para os casos mais severos de microcefalia (no terço inferior de cada um dos diferentes critérios de classificação de microcefalia considerados) parece haver um aumento mais súbito a partir do 3° trimestre de 2015: mais ou menos o observado pelos dados do Sinasc.

Figura 2. Evolução temporal de casos de microcefalia grave na PB entre 2012 e 2015. Extraído de: Araújo et al. 2016

Claro que isso é apenas um estudo e referente a apenas um estado da federação. Uma análise mais abrangente será necessáriao para confirmar que os dados do Sinasc realmente atuaram como um proxy dos casos graves de microcefalia.

Note-se que o fato de a metodologia antes do ESPIN não ser de notificação obrigatória de microcefalia não é um defeito - a maioria dos sistemas nacionais são de notificação facultativa para os defeitos congênitos. Um número limitado de doenças e agravos são de notificação obrigatória: seria impraticavelmente caro e complexo reportar todos os casos de todas as doenças e condições médicas. Assim, concentram-se mais em doenças com potencial mais graves em caso de epidemia (várias das infecções que podem causar microcefalia, como rubéola e sífilis, são de notificação compulsória no Brasil).

Por outro lado, 1.227 casos de microcefalia analisados até 06.fev.2016, 462 foram confirmados como relacionados à zika a ação de agentes infecciosos* (37,65% dos casos analisados), dos quais, em 41 (3,34% dos analisados) foram detectados vestígios de ZIKV. A estimativa é que de 440 mil (0,22%) a 1,3 milhão (0,65%) de pessoas tenham sido infectadas por ZIKV no Brasil. A probabilidade de, ao acaso, haver esse tanto ou mais de microcéfalos com o vírus zika é inferior a 0,0001% (de menos de 1 em 1 milhão - na verdade bem menos do que isso, mas é o limite inferior da calculadora online de probabilidade binomial que utilizei). Se considerarmos uma taxa de infecção geral de 2%, a probabilidade de haver 41 microcéfalos com vestígios de ZIKV em 1.227, é de 0,13%.

*Upideite(17/fev/2016): Corrigido a esta data.

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