Lives de Ciência

Veja calendário das lives de ciência.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Como o Grinch roubou o Natal ou Os antivacinistas no blogue do Nassif

Pra estragar minha comemoração da Saturnália do Natal, fiquei sabendo hoje que um texto antivacinista ganhou espaço no blogue do jornalista Luis Nassif.

A lenga lenga é que, na Índia, os casos de poliomielite induzidos pela vacina Sabin seriam em maior número do que os casos de pólio de ocorrência natural (por linhagens selvagens). É bem possível que isso seja verdade, mas e daí? E daí nada. A questão é menos a relação entre casos de pólio induzidos e casos naturais em situação de vacina por si mesma do que em comparação entre o número de casos de pólio em situação de cobertura vacinal adequada contra o número de casos de pólio em situação de cobertura vacinal inadequada ou inexistente.

Casos de indução de poliomielite por vacina Sabin ocorrem - por usar vírus atenuados e não desativados -, mas são raríssimos: da ordem de 1 caso a cada milhão de pessoas vacinadas. Se 30 milhãoões de crianças são vacinadas, é de se esperar que algo como 30 casos de pólio ocorram. Mas se nenhuma é vacinada, o número pode ser muito maior - na ordem de milhares a dezenas de milhares.

Reproduzo abaixo um texto que publiquei em 2001 no Observatório da Imprensa (infelizmente é outro texto que se perdeu nas mudanças do sítio web do OI, mas este ainda é encontrável no Internet Archive) a respeito de um texto antivacinista publicado na Superinteressante (a revista se retratou recentemente de abrigar a tese de que a Aids não seria causada pelo HIV; poderia aproveitar e fazer um mea culpa também por dar corda à turma contra as vacinas).

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SUPERINTERESSANTE
A volta do velho bacilo
Roberto Takata (*)

A propósito do artigo do médico José Antonio Palhano neste O. I., sobre problemas epidemiológicos [1], há outro produto – a santa paciência – que, devido aos usos e abusos, tem perdido a eficácia contra um outro grande agente infeccioso de alta periculosidade a dar as caras por aí: o bacilo da irresponsabilidade.

Mais uma vez a Superinteressante presta um desserviço a seus leitores. Em matéria de capa da última edição (fevereiro de 2001), a revista apresenta de modo leviano acusações levantadas contra a validade da vacinação [2]. Em outra ocasião, a revista já havia apresentado em seção dedicada a assuntos supostamente polêmicos espaço para argumentações semelhantes [3a-c].

A reportagem é um desserviço na medida em que comete erros crassos, desinformando o leitor em vez de esclarecê-lo. Os erros são muitos, enumero alguns mais evidentes (todos interrelacionados):

Ausência de senso crítico
A reportagem procura dar uma demonstração de "imparcialidade". Faz suspensão de juízo. Ora, suspende-se o juízo quando não há indícios claros suficientes para se apoiar um lado em detrimento de outro – não é certamente o caso.

Uso de referências inadequadas
A certa altura da reportagem, o repórter faz menção a Fritjof Capra, autor entre outros de "O tao da física" e "O ponto de mutação" (esta última, a obra citada na matéria), livros que deturpam conhecimentos científicos para que se encaixem na visão mística do autor [4]. Passagem do livro de Capra é utilizada como suporte de argumentação da própria reportagem.

No livro "O ponto de mutação", no qual discute, entre outros temas, o atual modelo médico, o físico americano Fritjof Capra afirma que, mais tarde, Pasteur reconheceu a importância do "terreno" [i.e., do corpo] para as enfermidades, tendo ressaltado a influência dos fatores ambientais e dos estados mentais na resistência às infecções. O químico, porém, segundo Capra, não teve tempo para empreender novas pesquisas, e seus seguidores persistiram na trilha original.'

Ausência de apuração dos fatos e informações
É dado espaço para que os antivacinistas dêem seus argumentos sem qualquer verificação posterior de validade ou não. Um deles diz que 95% dos casos de sarampo nos EUA teriam sido eliminados entre o início e os meados do século passado, antes da adoção da vacinação contra a doença, simplesmente em função das melhorias sanitárias e alimentares. Uma rápida pesquisa mostra que isso é uma mentira que não foi contestada na reportagem, embora já tenha sido refutada alhures [5a,b]. E mais: na versão impressa essa informação recebeu destaque, sem identificação, adquirindo status de informação bem-estabelecida:

"'As mortes por sarampo caíram 95% antes da criação da vacina."

Mistura de contestações válidas com acusações sem base
A reportagem não distingue preocupações procedentes (como a contaminação esporádica das vacinas, o que deveria levar à exigência de uma fiscalização mais severa dos fornecedores dos produtos) de discussões em andamento – ocorrência, caracterização e causa do chamado "Mal do Golfo" (também denominado "Síndrome do Golfo"; recentemente, tem-se atribuído o mal até a munições de urânio empobrecido) –, ou de especulações sem base alguma (a de que o HIV seria um vírus da poliomielite mutante utilizado em vacinações no Congo em meados do século passado); e das mentiras deslavadas (as estatísticas sobre o sarampo apresentadas). Essa colagem mal-engendrada acaba emprestando de preocupações legítimas ares de validade aos livres desvarios.

Adoção de teorias conspiratórias
As frases seguintes são afirmações do próprio autor da reportagem:

"Ressalvas às imunizações são tema tabu na maioria dos círculos médicos. De um lado, não são raros os casos de pediatras que, de forma quase clandestina, aconselham pais a moderar a vacinação dos filhos ou a simplesmente evitá-la. De outro, as divergências com o pensamento médico hegemônico, que manda vacinar a qualquer custo, acontecem sempre de forma discreta e subterrânea."

"Em quase todos os casos, os círculos oficiais da ciência, os governos e os técnicos em saúde pública optaram por desconhecer a polêmica, no pressuposto de que o atual modelo de imunização é inquestionável."

Tendenciosidade injustificada
Este último item – haveria muitos mais possíveis – pode ser visto como fruto da confluência dos cinco itens anteriores. Na parte das leituras recomendadas ao leitor para se aprofundar mais no tema aparecem apenas livros e sítios web que são francamente contrários à vacinação, quebrando a suposta imparcialidade da reportagem. Poder-se-ia justificar a indicação apenas de fontes de visão contrária se os leitores estivessem totalmente a par da visão corrente. Mas certamente não é o caso do público-leigo brasileiro e leitor da revista. Além disso, os destaques estão quase todos fora de contexto, distorcendo-os contra a vacinação.

"O Brasil utiliza vacinas e substâncias proibidas nos Estados Unidos"

Meia-verdade, ou nem isso. Não informam que a decisão sobre a substituição da vacina Sabin pela Salk se deu justamente porque garantiu-se uma baixa incidência de poliomielite na população americana, de forma que uma vacina menos eficaz, mas com menos riscos (o risco nos dois casos é proporcionalmente pequeno – um caso de paralisia a cada 2,4 milhões de doses aplicadas ou um caso a cada 750 mil crianças que recebem a primeira dose, no caso de vacinas do tipo Sabin; com vírus atenuado [6]) passa a ser mais vantajosa. É quase o equivalente a alarmar-se porque no Brasil aplica-se vacina contra febre amarela e nos EUA não. Não tem nada a ver com proibição. Sobre o Timerosal, aparentemente, também não houve nenhuma proibição, mas uma recomendação para a eliminação do produto [7a,b]. No Congresso americano houve discussão sobre o tema, mas não há nada no sítio indicando a conclusão pela proibição [8].

"Vacinar é adoecer, só que brandamente, sob controle médico."

Meia-verdade. Citação fora de contexto, como se percebe no corpo da reportagem. A afirmação é de um pró-vacinação, e não é um reconhecimento da ineficácia da vacina em nenhum sentido. A descontextualização leva a uma distorção que permite erros de interpretações.

"No Iraque, os soldados americanos tomaram 17 vacinas. Metade adoeceu"

Falácia de falsa implicação de causalidade. "Depois disso, então por causa disso" é o que se sugere nessa frase destacada. É tão descaradamente falaciosa que, caso fosse válida essa inferência, sua contrapartida também teria que ser verdadeira: "No Iraque, os soldados americanos tomaram 17 vacinas. Metade não adoeceu." Adoeceram por causa das vacinas? E se não tivessem tomado as vacinas? É preciso haver parâmetros de comparação para saber se esse número significa alguma coisa em relação a uma variável – no caso, as vacinas. Não há nada, até o momento, que indique claramente essa conexão causal [9a-i]. Eventualmente, pode ser que estabeleçam essa conexão, mas isso não desmentirá os dados de que os programas de vacinação em massa são eficazes e, embora possam ser melhorados, certamente são muito melhores do que a alternativa de abandoná-los.

"As mortes por sarampo caíram 95% antes da criação da vacina."

Isso, como dito acima, é uma mentira deslavada, que foi aceita sem contestação ou questionamento.

É sintomático também que os dados numéricos citados ao longo da reportagem refiram-se praticamente apenas aos utilizados e manipulados pelos contrários à vacinação. E o único número apresentado nas falas dos pró-vacinação é:

"Aguinaldo e Cláudio admitem que não existem vacinas 100% seguras."

Como dito, não é a primeira vez que a SI comete esse atentado à saúde da população, desinformando-a a respeito de um assunto de grande seriedade. Em relação à Aids e ao HIV também foram cometidos os mesmos equívocos. Ela já apresentou a tese de que Aids não seria causada por HIV – tese que considera tão consistente como a de que a causa seria virótica, desconsiderando a montanha de indícios favoráveis à última hipótese em detrimento da primeira [10].

Isso tudo faz lembrar a piada da campanha pelo banimento do monóxido de hidrogênio, também chamado de hidróxido de hidrogênio ou ácido hidroxílico. Uma substância causadora de freqüentes mortes por asfixia, lesões ao contato com a forma gasosa e sólida, sendo o principal componente da chuva ácida, causando corrosão de construções e estruturas de ferro. Apesar de tudo isso, o governo não impede que as indústrias lancem essa substância em nossos rios e no ar. A danada que faz tudo isso tem singela fórmula: H2O – a água, que causa afogamentos, queimaduras na forma de vapor e lesões na forma de gelo, obviamente é o principal componente das chuvas (ácidas ou não), que por sua vez causam paulatina degradação dos edifícios e enferruja metais. [11a,b]

Na carta do editor dessa edição, a revista volta a se gabar dos números de exemplares vendidos: "A capa de dezembro, 'Aids: o HIV é inocente?", vendeu 106.000 exemplares em banca. É a primeira vez na história da revista que essa venda rompe a barreira dos seis dígitos. O que permite à Super ingressar num clube bastante seleto, do qual fazem parte apenas uma dúzia de publicações no Brasil""[...] A capa de janeiro, "O fim do câncer?", tem números preliminares que apontam para uma venda também superior a 100.000 exemplares". Gostaria de acreditar que a ética jornalista, a busca da informação acurada e o compromisso com o leitor ainda tenham espaço frente a uma análise puramente financeira, a busca do lucro fácil e o pouco caso com a qualidade do que se veicula. Mas isso me parece cada vez mais tão real quanto o duende que a Xuxa viu. Ou outras amenidades que a mídia cobre.

(*) Mestrando em Biologia no Instituto de Biociências da USP

Leia também
Rifampicina, usos e abusos – José Antonio Palhano
Espírito de porco – Roberto Takata

Referências

1) Rifampicina, usos e abusos
2) Vacinas fazem bem ou mal? [só para assinantes da revista ou do UOL]
3a) Fernando Travi – Vacina assassina, Superinteressante, pag. 114, Out/2000.
3b) Sociedade Biogênica Brasileira –
3c) Grave risco de contágio
4) Quantum Quackery
5a) Six Common Misconceptions about Vaccinations
5b) Misconceptions about Immunization
6) Poliomyelitis Prevention in the United States
7a) Questions and Answers about Thimerosal
7b) Center for Biologics Evaluation and Research Letter – Dear Vaccine Manufacturer
8) Committee on Government Reform
9a) Gulf War Syndrome
9b) Everson MP, Shi K, Aldrige P, Bartolucci AA, Blackburn WD 2000 – Is there immune dysregulation in symptomatic Gulf War veterans? ZEITSCHRIFT FUR RHEUMATOLOGIE 59: 124-26, Suppl. 2.
9c) Steele L 2000 – Prevalence and patterns of Gulf War illness in Kansas veterans: Association of symptoms with characteristics of person, place, and time of military service. AMERICAN JOURNAL OF EPIDEMIOLOGY 152: (10) 992-1002.
9d) Hotopf M, David A, Hull L, Ismail K, Unwin C, Wessely S 2000 – Role of vaccinations as risk factors for ill health in veterans of the Gulf war: cross sectional study. BRITISH MEDICAL JOURNAL 320: (7246) 1363-7.
9d) Turnbull PCB 2000 – Current status of immunization against anthrax: old vaccines may be here to stay for a while. CURRENT OPINION IN INFECTIOUS DISEASES 13: (2) 113-20.
9e) Fiedler N, Lange G, Tiersky L, DeLuca J, Policastro T, Kelly-McNeil K, McWilliams R, Korn L, Natelson B 2000 – Stressors, personality traits, and coping of Gulf War veterans with chronic fatigue. JOURNAL OF PSYCHOSOMATIC RESEARCH 48: (6) 525-35.
9f) Sartin JS 2000 – Gulf War illnesses: Causes and controversies. MAYO CLINIC PROCEEDINGS 75: (8) 811-9.
9g) Knoke JD, Smith TC, Gray GC, Kaiser KS, Hawksworth AW 2000 – Factor analysis of self-reported symptoms: Does it identify a Gulf War syndrome? AMERICAN JOURNAL OF EPIDEMIOLOGY 152: (4) 379-88.
9h) Jamal GA 1998 – Gulf War Syndrome – a model for the complexity of biological and environmental interaction with human health. ADVERSE DRUG REACTIONS AND TOXICOLOGICAL REVIEWS17: (1) 1-17.
9i) Ronald MG, Blanck R, Hiatt J, Hyams KC, Kang H, Mather S, Murphy F, Roswell R, Thacker SB 1995 – Unexplained illnesses among Desert-storm veterans – a search for causes, treatment, and cooperation. ARCHIVES OF INTERNAL MEDICINE 155: (3) 262-8.
10) Espirito de Porco
11a) Banir o monóxido de dihidrogênio
11b) The Invisible Killer

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As mesmas críticas gerais podem ser feitas ao texto publicado no blogue do Nassif.
 
Upideite(02.nov.2021): Vitória! Tardia e temporária, mas vitória mesmo assim (não minha, obviamente, mas de todos os que criticaram e trabalharam pela correção): o site da Super finalmente eliminou (ao menos enquanto durar a pandemia de covid-19) de seu acervo a edição com essa reportagem que atenta contra a saúde pública, informa Maurício Stycer em seu blog. 

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

I saw the mommy Science kissing Santa Claus

O Papai Noel não é apenas a figura mítica bonachona a trazer brinquedos na época do Natal para crianças bem comportadas. Suas características servem de base de inspiração para batizar fenômenos naturais e artificiais nos mais diversos ramos das Ciências.

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Efeito Papai Noel (1): hipotético padrão de maior crescimento econômico mensal entre dezembro e janeiro.
Efeito Papai Noel (2): efeito putativo de maior volume de transações em fundos com histórico mais longo de "bom comportamento" em comparação com fundos com melhor rentabilidade recente.
Efeito Papai Noel (3): aumento da taxa de imigração para populações que se desempenham melhor em comparação a populações em perigo.
Problema do Papai Noel: problema de computação concorrente - "O Papai Noel dorme seguidamente até ser acordado por todas as noves renas, que retornam de seu descanso, ou por um grupo de três de dez elfos. Se acordado pelas renas, o Papai Noel encilha os animais e os atrela ao trenó, distribui os brinquedos e desencilha os bichos - liberando-os para descanso. Se acordado por um grupo de elfos, introduz-os a seu estúdio, consulta-os sobre P&D de brinquedos e os conduz para fora - permitindo-os voltarem ao trabalho. Noel deve dar prioridade às renas no caso haja tanto elfos quanto renas esperando."
Síndrome de Papai Noel (1): asfixia postural, lesões por inalação e queimaduras corporais e/ou complicações relacionadas à síndrome compartimental por aprisionamento em chaminés.
Síndrome de Papai Noel (2): desejo de médicos em darem aos pacientes um "presente" surpreendente e agradável - na forma de boas notícias sobre doenças.
Síndrome de Papai Noel (3): tendência de pais divorciais que não detêm a guarda dos filhos a premiá-los excessivamente.
Síndrome de Papai Noel (4): sentimento de culpa de pais gueis que os leva a uma atitude demasiadamente indulgente para com os filhos.
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terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Um milagre de Natal: Super se desculpa por matéria negacionista da relação HIV/Aids

Oquei, não é Natal (mas quase), não é um milagre (mas quase), mas é algo a comemorar.

Fiquei sabendo pelo @evolucionismo que a revista Superinteressante finalmente se retratou por dar espaço para a tese de Peter Duesberg de que a Aids não seria causada pelo vírus HIV.

Diz a nota:
"UPDATE: dezembro de 2013
A SUPER gostaria de fazer um esclarecimento. Em 2000, publicamos uma entrevista com o biólogo e químico Peter Duesberg, que defendia a tese de que a aids não era causada pelo vírus HIV. A entrevista foi conduzida por Flavio Dieguez, um dos maiores jornalistas científicos que já trabalhou conosco, e está fundamentalmente correta. Mas, ao longo dos últimos 13 anos, as teses de Duesberg caíram em descrédito e hoje temos muita clareza de que não deveríamos ter dado espaço a elas. Em parte esse descrédito se deve à tragédia de saúde pública que se abateu sobre a África do Sul, país que adotou as ideias de Duesberg em suas políticas de combate à aids. O resultado foi que o vírus se disseminou. Gostaríamos então de afirmar que, aqui na SUPER, não temos mais dúvidas de que a aids é causada pelo HIV e de que todo cuidado para evitar a transmissão desse vírus é fundamental para a saúde pública. Percebemos que esta entrevista foi redescoberta e está circulando nas redes sociais. Que fique claro que não concordamos com as ideias expressas nela.

Um abraço,
Denis R Burgierman
Diretor de redação
Superinteressante"
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Minha sugestão é que essa nota fosse colocada no cabeçalho da entrevista - que eu entendo que seja mantida no sítio web para fins de arquivamento e documentação.

Só tem um erro, não é que a hipótese química da Aids tenha caído em descrédito nos últimos 13 anos - nunca teve qualquer crédito (salvo, talvez, no início dos anos 1980 antes de isolarem o vírus HIV).

Sei que a culpa não é de Flavio Dieguez - não a principal pelo menos. O maior culpado dessa barbeiragem histórica da Superinteressante é de Adriano Silva, editor-chefe da revista durante o período, cujo único objetivo era turbinar as vendas da revista, introduzindo um período negro em que o veículo abraçava toda sorte de pseudociências - como teses antivacinistas

Na época publiquei um texto no Observatório da Imprensa sobre a entrevista e uma outra matéria negacionista do papel do HIV mostrando os principais indícios da relação causal entre o HIV e a Aids. Infelizmente esse texto não está mais disponível (refutando a tese comum de que tudo o que cai na rede fica para sempre).

De todo modo, fique aqui o meu registro (até dar uma nove horas no Google e ele desistir do blogspot): parabéns a Denis Russo Burgierman por este quase milagre de resgatar a credibilidade da Super - jogada na lama durante a gestão Adriano Silva. Quase posso ouvir, entre o tilintar de sinos e farfalhar de agulhas de pinheiros, um distante e amistoso: Ho-ho-ho.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

#fbciencia: uma (outra) proposta modesta (agora pra usar no facebook)

Nascida de uma discussão entre tuiteiros de ciências, a tag #twitciencia tem sido usada há quase dois anos no twitter para compartilhar conteúdos sobre ciências.

Talvez seja hora de criarmos um mecanismos similar no facebook. A plataforma tem sido bastante usada para divulgar conteúdo de ciências - sendo apontada como uma possível causa da crise no ritmo de postagens em blogues filomáticos.

O amplo alcance potencial do facebook, no entanto, tem como contrapartida a volatilidade dos conteúdos, que surgem e somem rapidamente das linhas de tempo dos usuários, perdendo-se para sempre no mar de atualizações. Problema não diferente do que ocorre no twitter. Como este também há um sério problema de indexação e um péssimo sistema de busca.

Mas, com a implementação há algum tempo das hashtags no facebook, sugiro que as atualizações na rede do tio Zucko sobre temas de ciência sejam marcadas com a tag: #fbciencia.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Pesquisa "Visão do Brasileiro sobre Ciência, Sociedade e Tecnologia" - primeiros resultados

Antes de mais nada, gostaria de agradecer muitíssimo aos que colaboraram com a pesquisa, seja respondendo-a, seja divulgando-a.

Apesar de alguns esforços para diminuir o desvio da razão sexual dos respondentes - como apelos públicos voltados às mulheres e tentativas de divulgar em blogues e perfis de rede social voltados ao público feminino -, não teve jeito. 72,1% dos respondentes foram do sexo masculino, apenas 28,8% do feminino (apesar de haver opção para responder outra coisa, ninguém respondeu fora dessas alternativas).

O gráfico abaixo (Figura 1) resume os meios declarados pelos quais os participantes tomaram ciência da pesquisa.

Figura 1. Meios pelos quais os participantes da pesquisa tomaram conhecimento dela. Respostas espontâneas.

Não há muita surpresa pela grande concentração das respostas na web 2.0 - afinal, foi concebida, gerida e anunciada quase que exclusivamente na web 2.0. Boa parte souberam pelo próprio blogue do GR [preciso parar com a piada de ter apenas um casal de leitores : )], mas a maior fração por outros blogues. Do twitter, onde também concentrei bastante esforço de divulgação e o facebook. Além dos próprios esforços, a natureza das redes sociais certamente contribuíram - uma boa fração nas redes sociais souberam através de terceiros (bem mais do que diretamente pelos perfies do GR e meu).

Na Figura 2, estão destrinchados as referências nos blogues.

Figura 2. Blogues pelos quais os respondentes ficaram sabendo da pesquisa.

Nos blogues da Folha (no Mensageiro Sideral, do Salvador Nogueira,  e no Darwin e Deus, de Reinaldo José Lopes) e no blogue do Luís Nassif publiquei um comentário em algumas postagens. Não foram os únicos blogues em que publiquei comentários sobre a pesquisa, claro. Mas nos demais casos, não houve retorno. Nos blogues Álvaro Augusto, Carlos Orsi, Dragões de Garagem e O Telhado de Vidro (do Daniel Bezerra) foram publicadas postagens com links para a pesquisa.

Na Figura 3, está a distribuição das fontes no twitter.


Figura 3. Perfis do twitter pelos quais os participantes souberam da pesquisa.

Em um terço dos casos, nenhum perfil foi especificado. O principal perfil individual foi o do @cardoso, seguido de @ceticismo, @scienceblogsbr, @acidocetico e @ciencianamidia.

No caso do facebook (Figura 4), em mais de 3/5 dos casos, não houve menção a um perfil em específico. Minha interpretação tentativa é que no FB, a autoria das postagens e, principalmente, da fonte primária de menção tende a se diluir.

Figura 4. Perfis do facebook por intermédio dos quais os respondentes ficaram sabendo da pesquisa.

O padrão nada surpreendente, dada a natureza da pesquisa, é que os canais condutores mais eficientes são os ligados às ciências.

(O leitor ou a leitora atenta terá notado que não segui as melhoras práticas preconizadas para a produção de gráficos do tipo pizza - como a ordenação decrescente das classes.)

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Especulando: Que história é essa de storytelling? - parte 3

Vimos que "storytelling" é uma buzzword que estourou na última década, e que tem alguma base factual.

O conceito de Homo narrans (ou Pan narrans, como preferem Pratchett, Stewart e Cohen) parece ter sido cunhado em algum momento entre a década de 1960 (algumas dfontes atribuem a criação do termo a Ranke 1967) e 1990 (outras a Fisher 1987), mas o início da sistematização da aprendizagem por narração se dá por volta do começo dos anos 2000 ("teoria narrativa") e até arriscam a uma ciência da narração: a narratologia.

Uma das mais antigas menções ao termo "storytelling" no contexto de divulgação/comunicação científica é de 1978, por Stephen J. Gould. E uma associação negativa: "Sociobiology: the art of storytelling", em uma de suas tradicionais críticas aos "just so stories" de tentativas de explicar características presentes em organismos atuais com base em cenários evolutivos.

Isso nos diz algo a respeito de problemas potenciais de "storytelling" em DC que precisa ser mais bem analisado. Douglas Allchin, da University of Minnesota, analisa o uso dos enquadramentos históricos da ciência pelos professores em suas aulas. Sua conclusão é que, contrário ao discurso predominante, não é que seja necessário mais história na educação científica, mas um uso diferente da história para uma melhor caracterização das ciências no processo de ensino.

Allchin alerta para o perigo da mitificação da ciência no processo narrativo, por uso de recursos e enquadramentos, em nome de se contar uma boa história.

Diane Winston, da University of Southern California, considera um perigo potencial associado: a distorção causada pela narrativa sob enquadramento do conflito. Nem toda narrativa científica pode ser encaixada no esquema "fulano disse isso, beltrano acha isso", forçando a equivalência entre argumentos epistemologicamente díspares (e eu diria, com embasamento factual completamente díspar - como igualar os argumentos de negacionistas climáticos com os da maioria dos climatologistas).

Mas qual a efetividade de sua aplicação na divulgação científica? A resposta é... não sabemos. Não muita coisa pelo menos.

Aliás, como boa parte do que se aplica em DC, é mais uma questão de arte do que de ciência. A maior parte dos estudos de DC são mais conceituais do que testes experimentais das técnicas sugeridas.

Um dos poucos testes sobre o efeito do uso de narrativas na aprendizagem é de McQuiggan et colaboradores, da North Carolina State University, publicado em 2008. 88 alunas e 91 alunos do 8o ano (entre 12 e 15 anos de idade) foram divididos aleatoriamente em 4 grupos após completarem o currículo mínimo legal do Estado da Carolina do Norte em microbiologia: um controle (que não receberam nenhuma intervenção) e três que foram apresentados a uma narrativa da Ilha Cristal. Em um dos grupos, a narrativa era completa, apresentando casos de envenenamento, as histórias pregressas das personagens e ricos detalhes das personalidades; em outro grupo, a narrativa foi resumida, apresentando apenas pontos de apoio ao currículo mínimo; em um terceiro grupo, a narrativa foi apresentada por meio de uma apresentação de Power Point.

Infelizmente, os pesquisadores não avaliaram o ganho de aprendizagem no grupo controle. Nos demais grupos, os alunos aprenderam mais com a apresentação Power Point, seguida da narrativa resumida e aprenderam menos com a narrativa completa. O ganho do uso da narrativa em lugar das técnicas tradicionais se deu na dimensão motivacional dos alunos.

Não digo que não se deva aplicar o "storytelling" na DC - na falta de informações mais substanciais, defendo a pluralidade de técnicas para se tentar atingir uma gama mais ampla de pessoas -, mas também diante da falta de informações mais substanciais, permaneço reticente quanto à eficiência da abordagem.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Especulando: Que história é essa de storytelling? - parte 2

"Storytellling" é, como vimos na postagem anterior, uma buzzword. Não é um termo novo: "storyteller" tem seu primeiro uso registrado na língua inglesa datado de 1709. Mas o auê em torno da expressão em tempos recentes - especialmente nos últimos 10 anos - deve-se ao mercado publicitário. Meio que de repente (como a maioria das modas teóricas), os mercadólogos descobriram que envolver o consumidor com uma mitologia em torno da marca levaria a uma fidelização (outra buzzword do marketing) e identificação (sim, também).

Essa mitologia seriam histórias a serem contadas nas peças publicitárias e propagandísticas, histórias envolventes, que toquem os sentimentos do consumidor (o que não quer dizer que sejam peças necessariamente emotivas, piegas - há vários sentimentos a serem explorados, nem todos nobres: sensação de poder, de ser especial e diferente...).

(Mercadólogos são especialmente antenados com buzzwords. Já criaram cursos que juntam dois conceitos hypados: "inovação em storytelling".)

Escrevo isso com uma certa pitada de menoscabo. Mas por trás da importância inflada há *alguma* base psicológica séria (o que não quer dizer que tudo seja cientificamente embasado).

Histórias, sim, ajudam a marcar. A criação de narrativas em torno de elementos que são desconjuntados isoladamente ajuda a fixar na memória e é uma das técnicas mais eficientes. Dada uma lista aleatória de itens, digamos: fonógrafo, lixa, címbalo, pavão, plugue, ferro de passar, nariz, plaina, rinoceronte; é mais fácil de nos lembrarmos dos itens se os conectarmos dentro de uma historinha mais ou menos realista e compacta do que tentar pura e simplesmente decorar a lista item a item. Algo como: "Fui mexer em um velho fonógrafo, mas ele estava quebrado. Usei uma lixa para tirar a ferrugem e o atrito fazia um som de címbalo. Por baixo da ferrugem apareceu uma imagem de um pavão. Peguei o plugue do ferro de passar pra tirar uma peça. Estava suja que nem o nariz. Tentei passar uma plaina, mas era mais dura que pele de rinoceronte."

Histórias também compelem o nosso modo de pensar a certas direções. Em seu livro "O Andar do Bêbado" (2008, Ed. Zahar, 261 pp.), o físico Leonard Mlodinow saca o resultado de um experimento publicado em 1952 por Daniel Kahneman e Amos Tversky. 36 alunos de graduação eram informadaos sobre a história de Linda: "31 anos, solteira, sincera e muito inteligente. Cursou filosofia na universidade. Quando estudante, preocupava-se profundamente com discriminação e justiça social e participou de protestos contra as armas nucleares." A partir disso, tiveram que atribuir notas de 1 (mais provável) a 8 (menos provável) a três de afirmações a respeito de Linda afirmações (ordenados na ordem do mais provável para o menos provável de acordo com os respondentes):

1. Participa do movimento feminista
2. É bancária e participa do movimento feminista
3. É bancária

Em um raciocínio estritamente lógico-probabilístico, a probabilidade de Linda ser A *e* B deve ser *menor* do que a probabilidade de qualquer uma das condições isoladamente: de ser A ou de ser B. A probabilidade de uma pessoa qualquer ser corintiana e careca deve ser, no máximo, igual à probabilidade de ser corintiana ou de ser careca. Mas 31 consideraram a afirmação 2 como mais provável do que a afirmação 3.

(Há, no entanto, uma interpretação alternativa que os entrevistados podem ter dado à afirmação "Linda é bancária": como há a opção "Linda é bancária e participa do movimento feminista", podem ter interpretado inicialmente que a afirmação "Linda é bancária" corresponderia a "Linda é bancária e não participa do movimento feminista", em vez de "Linda é bancária e pode ou não participar do movimento feminista". Porém, mesmo depois de esclarecidos sobre a questão da probabilidades de eventos disjuntos, 2 alunos permaneceram considerando que a afirmação 2 era mais provável do que a 3.)

Embora cada detalhe não consubstanciado nos dados acrescentado na descrição efetivamente *diminua* a probabilidade geral do relato ser verdadeiro, as pessoas parecem considerar que detalhes que não sejam flagrantemente contraditórios com o que se sabe aumentam a verossimilhança do relato.

Tendo jogado só a água suja, pegando o bebê de banho tomado e fralda trocada, o que resta de efetivamente aplicável no "storytelling" na divulgação científica?

Continuo depois.

Parte 3.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Especulando: Que história é essa de storytelling? - parte 1

Pelo Ngram Viewer do Google, o uso do termo "storytelling" tem crescido desde a década de 1940 e um alcançou um súbito aumento - especialmente em línguas europeias não-inglesas - a partir dos anos 2000.

Inglês


Francês


Alemão


Italiano


Espanhol


Infelizmente a base do Ngram Viewer não conta com a língua portuguesa.

O Google Trends tem uma base temporalmente mais curta - dados a partir de 2004.

Mundo/Brasil

Os dados de citações do termo "storytelling" nos principais jornais brasileiros (Estadão - OESP; O Globo e Folha de São Paulo - FSP) são um pouco mais confusos.



Removendo os dados de 2001 e 2002 para os jornais O Globo e Folha de São Paulo que excedem em muito a contagem dos demais anos, temos um padrão mais consistente de crescimento.


Então parece que temos um aumento geral do interesse pelo termo "storytelling" - no mundo e no Brasil - especialmente a partir da década de 1990 e particularmente na última década.

Continuarei a desenvolver o tema na próxima postagem.

(Esta discussão nasceu no facebook do Carlos Hotta a respeito de uma citação de Jonathan Gottschall sobre como somos uma espécie animal que adora contar e ouvir histórias e como isso se aplicaria no contexto da divulgação de ciências.)

*Upideite(04/dez/2013): No caso da Folha, aparentemente os picos de 2001 e 2002 se deve ao filme "Storytelling" ("Histórias Proibidas") de Todd Solondz e o subsequente álbum homônimo de Belle & Sebastian.

Upideite(04/dez/2013): Parte 2.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Gene Repórter Ano 6



Hoje*, faz 5 anos da primeira postagem no GR.

Quem quiser concorrer a um exemplar de "Pura Picaretagem" de Daniel Bezerra e Carlos Orsi - com autógrafo deste-, tem até a meia noite (hora de Brasília) de hoje para responder à pesquisa Visão do Brasileiro sobre Ciência, Sociedade e Tecnologia (não se esqueça de usar o código "genereporter" no campo correspondente).**

Nestes últmos 12 meses, o GR recebeu mais de 65 mil visitas - um recorde doméstico. (Obrigado a todos os leitores - mesmo os que só passaram e saíram imediatamente -!)

O GR - juntamente com outros blogues de ciências - foi analisado em:
Oliveira, SM. 2013. Ciência, mídia, estado e sociedade: o discurso de divulgação científica na Internet. Rev. cienti. ci. em curso. v. 1 n. 2.

É o segundo trabalho acadêmico a citar o GR, e o primeiro a analisá-lo - ainda que apenas um trecho. O trabalho procurou estudar, como o nome indica, o discurso de DC, no contexto da gripe A pandêmica de 2009. A autora conclui que os blogues se resumem a praticamente copiar e colar o que é encontrado em outras fontes. Discordo amplamente da conclusão, claro.

A autora diz ainda: "A primeira coisa a observar é que a palavra 'divulgação' não aparece nos blogs selecionados." Considerando-se que a pandemia foi declarada pela OMS como tendo início em 11/jun/2009 e término em 10/ago/2009, para o GR, a afirmação é tecnicamente correta, mas a primeira menção ao termo ocorre já na primeira postagem; a última menção *antes* do período pandêmico é de 13/mai/2009 - pouco mais de um mês antes da pandemia - e a primeira *depois* é de 27/ago/2009 - pouco mais de duas semanas após a pandemia. E a série específica que discute as bases da divulgação científica se inicia em 10/set/2009.

Obviamente por gripe - ainda mais a pandêmica de 2009 - não ter sido meu objeto de estudo, não poderia dar nenhuma informação que não a disponível a partir dos estudos de quem trabalhava com isso. Mas isso é longe de ser um mero "copia e cola".

Em primeiro lugar, despreza todo o trabalho de garimpagem das informações e do retrabalhamento. Só por isso o "copia e cola" seria altamente ofensivo, além de ser uma acusação de plágio. Em segundo lugar, insinua uma visão acrítica em relação às fontes.

Quando julguei que era o caso, uma crítica foi feita, p.e., sobre a alteração do modo de cálculo:
"No Brasil, são, hoje, 45 mortes confirmadas, em 1.566 casos confirmados: 2,87% ou 287 mortes a cada 10 mil casos.

Seria leviano se eu dissesse que foi por isso que o MS adotou uma nova fórmula de cálculo. Distinguindo letalidade, calculada pela divisão do número de óbitos pelo número de casos *graves*, da mortalidade, calculada pela divisão do número de óbitos pelo número de *habitantes*. Tem, aparentemente, anuência da OMS, mas isso tem um potencial de gerar uma distorção mais séria.

No momento, segundo dados do MS, 14,2% dos pacientes diagnosticados com a gripe A(H1N1) desenvolveram um quadro considerado moderado a grave (com sintomas além da febre e da tosse), e 17% dos pacientes diagnosticados com a gripe sazonal evoluíram para o mesmo quadro. No entanto, esses números são dinâmicos - dependendo de uma série de fatores, incluindo o quanto a rede médico-hospitalar está preparada para receber os pacientes, qual será a dinâmica do espalhamento da doença, se o clima será mais severo ou menos rigoroso, se haverá grandes engarrafamentos ou não...

No caso, da mortalidade, de um lado, o número de habitantes no país pode acabar achatando demais os números. 0,015 óbitos por 100 mil habitantes pode não parecer muito. Uma doença com 1 morte por 100 mil habitantes pode parecer mais assustadora. Mas isso pode não se refletir na letalidade da doença - e que tem a restrição acima mencionada.

Verdade que nenhum número por si só dará o quadro completo, mesmo uma coleção de números pode ser enganosa. Mas quando o sistema de cálculo muda, quando as regras do jogo mudam no meio do caminho, isso pode causar confusão de um lado e desconfiança de outro."

Os gráficos todos da série Mala Influenza baseavam-se em dados oficiais - e quais mais eu usaria? -, mas sua feitura (e feiura, admito) envolvia um trabalho original.

Falo pelo meu trabalho aqui no GR, mas certeza que críticas similares à conclusão injusta da autora podem ser feitas pelos autores dos demais blogues estudados.

O GR é pobre, mas é limpinho.

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*Infelizmente em um dia muito triste. Condolências aos familiares das vítimas.

**Upideite(28/nov/2013): Tivemos 63 concorrentes - que preencheram o campo de código com a palavra promocional - e o sorteio foi realizado. O ganhador já foi contatado por email para manifestar o interesse. Caso não haja resposta dentro de uma semana (7 dias corridos), um novo sorteio será realizado.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Recadinhos pré-níver

Quarta-feira: 27 de novembro, o GR faz seu 5o aniversário. Quem quiser concorrer a um brinde, tem até lá para responder à pesquisa Visão do Brasileiro sobre Ciência, Sociedade e Tecnologia - mas tem que usar o código "genereporter" no campo correspondente.

O prêmio será o livro "Pura Picaretagem" de autoria do físico Daniel Bezerra e do jornalista Carlos Orsi - o exemplar será autografado pelo segundo autor. (Se o ganhador já tiver o título, poderá trocar por outra obra de Orsi: "O Livro dos Milagres" - mas sem garantia de autógrafo.)
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Aproveitando uma discussão iniciada por Mauro Rebelo no Você que é Biólogo, criei um grupo no Facebook para servir de base para a futura criação de uma Rede Nacional de Professores Pesquisadores - uma rede para gerar dados para fundamentar uma "Educação Baseada em Evidências". Testar, na prática, as diversas propostas de metodologias educacionais e ver o que funciona e o que não funciona. A espinha dorsal serão professores que dão aulas (na rede pública e particular) no ensino básico e superior. É uma ideia que nutro há algum tempo, vamos ver se funciona.
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Vocês já devem ter visto, mas os Scienceblogs Brasil estão com um concurso: "Explique sua tese para a vovó!". As três melhores transposições de títulos herméticos de teses e artigos para o registro coditiano concorrem a um exemplar do acima mencionado "O Livro dos Milagres". Vale só para pesquisadores e estudantes (de graduação ou pós-graduação) que tenham um TCC, dissertação, tese ou artigo.
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Já estão acompanhando os agregadores de blogues de ciências: Bolsão de Blogs, do Rubens Pazza, e o Periódico, do Filipe Saraiva?
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Pessoal da turma de 2013 do curso de Jornalismo Científico do Labjor/Unicamp fez um vídeo para o Festival do Minuto Ciência (votem lá):
(Produzido por: Ana Paula Zeguetto Alves, Cassiana Purcino Perez, Fabiano Pereira, Fernanda Domiciniano, Janaina Quiterio, Juliana Passos, Keila Baraldi Knobel e Roberto Takata.)

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Desmatamento na Amazônia aumentou 28% depois do Novo Código Florestal. O que isso quer dizer?

Provavelmente não muita coisa.

O desmatamento na Amazônia Legal Brasileira, felizmente vem caindo desde 2002há uns 10 anos segundo levantamentos do Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica por Satélites (Prodes) do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - erroneamente chamado de Instituto Nacional de Pesquisa e Estatística pela reportagem da EBC - Figura 1).

Figura 1. EBC erra de Inpe.

Desde 2004, as taxas anuais de desmatamento vêm caindo (Figura 2).

Figura 2. Variação da taxa anual de desmatamento na Amazônia Legal Brasileira. Fonte: Prodes/Inpe.

Fazendo uma regressão exponencial com os dados desde 2003, obtemos uma curva de muito bom ajuste (R2=0,94) (Figura 3).

Figura 3. Curva de regressão exponencial para variação do desmatamento amazônico desde 2003.

Fazendo um teste Z para o resíduo (diferença absoluta entre o valor previsto pela curva e o valor real) de 2013 em relação aos resíduos dos anos anteriores, temos que não há uma diferença significativa: p = 0,42. Se eliminarmos o resíduo de 2004 (o maior da série), ainda assim a diferença não é significativa p < 0,95 (p=0,946).

*Fazendo um teste t para os resíduos, o valor crítico para α=0,05, unicaudal, com ν=9, é de 1,833. Para os dados de 2003 a 2012 contra 2013, t = 0,21; ignorando-se 2004, t=1,61. Não se rejeita em nenhum dos casos que o valor de 2013 esteja dentro do esperado na curva de redução do desmatamento.

Uma interpretação possível, então, é que a variação está dentro da normalidade dos últimos anos. Os 28% de aumento não podem ser atribuídos à alteração da norma legal de proteção da cobertura vegetal. Não temos, ainda, nem mesmo um indício de que a saudável e saudada tendência de declínio da taxa de desmatamento da região tenha sido interrompida.

Deve-se ter em mente, no entanto, que isso não quer dizer que esteja tudo bem, nem que a fragilidade introduzida pelo Novo Código Florestal não tenha efeito deletério - seja na própria Amazônia, seja nos demais biomas brasileiros. A queda que vem ocorrendo só se dá pela estrita vigilância e ação dos órgãos governamentais com a fiscalização das ONGs e da sociedade civil (além dos avanços das técnicas de produção agrícola que aumentam a produtividade e diminuem a pressão por novas áreas) e mais esforços precisam ser dispendidos para que o desmatamento finalmente caia a zero - e que possa haver até mesmo recuperação das áreas perdidas.

*Upideite(08/dez/2013): Como são relativamente poucos dados, o correto é aplicar o teste t no lugar do Z.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Slow like honey, heavy with mood: Dawkins e o mel. Ou: Imagina na Copa

O biólogo britânico Richard Dawkins narrou em seu twitter sua desventura no aeroporto de Edinburgo por causa de um pote de mel.



Irritado com a galhofa que se seguiu por lá sob a hashtag #honeygate (e compilada pela Rebecca Watson no Skepchick) escreveu um artigo no The Guardian. Não tenho os detalhes do incidente. Pelas regras britânicas, qualquer produto de origem vegetal ou animal (incluindo mel) pode transitar livremente entre os países da União Europeia - mas se tiverem origem em países fora da UE, só por meio de importação controlada e certificada. (Segundo Dawkins, o veto foi pelo frasco exceder o volume permitido.)

No Brasil, também produtos de origem vegetal e animal de procedência estrangeira não podem ser admitidos em território nacional. Somente por meio de importação legal seguindo os trâmites estabelecidos por leis e outros regulamentos. Uma cartilha elaborada pelo Mapa lista uma série de produtos agropecuários vetados:
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Quais produtos agropecuários não podem ingressar no Brasil sem autorização?
• Frutas e hortaliças frescas.
• Insetos, caracóis, bactérias e fungos.
• Flores, plantas ou partes delas.
• Bulbos, sementes, mudas e estacas.
• Animais de companhia, como cães e gatos, pois podem transmitir a raiva, entre outras doenças.
• Aves domésticas e silvestres, pois podem albergar o vírus da influenza (gripe aviária).
• Espécies exóticas, pescados, aves ornamentais e abelhas, pois podem transmitir doenças que não existem no Brasil.
• Carnes de qualquer espécie animal, in natura ou industrializadas (embutidos, presuntos, defumados, salgados, enlatados), pois podem conter agentes infecciosos.
• Leite e produtos lácteos, como queijos, manteiga, doce de leite, iogurtes, pois, além de necessitarem de condições especiais de conservação, ainda podem conter agentes infecciosos.
• Produtos apícolas (mel, cera, própolis etc.) porque podem albergar agentes infecciosos.
• Ovos e derivados, pois também requerem condições especiais de conservação e podem conter agentes infecciosos.
• Pescados e derivados, pela mesma razão anterior.
• Sêmen e embriões, considerados materiais de multiplicação animal, potencializando o risco de disseminação de doenças.
• Produtos biológicos, veterinários (soro, vacinas e medicamentos) requerem registro junto ao MAPA.
• Alimentos para animais (ração, biscoitos para cães e gatos, courinhos de morder) requerem registro junto ao MAPA.
• Terras.
• Madeiras brutas não tratadas.
• Agrotóxicos.
• Material biológico para pesquisa científica, entre outros, como amostras de animais, vegetais ou suas partes e kits para diagnóstico laboratorial.
• Comida servida a bordo.
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Em linhas gerais, todos esses produtos podem ser focos de entrada de agentes infecciosos que causem danos seja à saúde humana, seja à saúde animal, seja à saúde vegetal. Mesmo se for produto da Europa, dos EUA, do Japão e outro locais com fiscalização sanitária rígida? Sim, mesmo desses locais.

Isso porque a legislação sanitária de cada país se adéqua à situação local: se um determinado micro-organismo não causa nenhum problema ali, não há razão para que as regras exijam seu controle. Mas o fato de tal agente não causar um problema em um local, não quer dizer que não possa causar problema em outro. Um micro-organismo, em seu local de origem, pode não causar problemas por diversos fatores: seus hospedeiros estarem adaptados evolutiva ou fisiologicamente, contarem com presença de competidores, parasitas, predadores... que controlem sua população. Fatores que muitas vezes estão ausentes fora dali.

Outro problema é que muitas vezes não é possível se ter controle da origem do produto adquirido pelo passageiro: pode ser que o mel (ou o salame ou o queijo ou o pacote de tremoço, etc.) comprado não tenha passado pelos processos exigidos.

Mais um fator é que, estando o agente presente de modo espalhado no país de origem (e não seja causador de doença humana ou não seja alvo de programas de erradicação ou controle mais rígido - p.e., o país se contenta em manter um certo nível de incidência da doença em plantas ou animais, já que os custos para sua erradicação não compensaria), não faz muito sentido uma norma sanitária de produção e trânsito interno tão rigorosa: a circulação interna do produto não vai causar mais prejuízo do que já ocorre. Outra é a história quando o produto é deslocado para fora do país - ou da área de incidência.

A circulação dentro da UE é mais ou menos livre porque o bloco adota protocolos sanitários uniformes. Vários outros blocos de união comercial e/ou econômica também adotam regulamentos uniformizados. Mas a circulação é restrita se um surto de doença ocorre em um dado local dentro do bloco: por exemplo, quando houve casos de mal da vaca louca em países da União Europeia, os países em que houve detecção da doença não podiam exportar carne para outros países da UE. Até dentro de um mesmo país a circulação é restrita: se há foco de aftosa em um município no Brasil, os animais de lá e sua carne não podem circular para outros municípios.

Sim, pessoas também transportam germes de doenças. Mas é mais complicado restringir a circulação de pessoas - a vinda de turistas é uma grande fonte de receita para muitos países, incluindo o Brasil. A restrição se dá quando a pessoa apresenta sintomas de doenças infecciosa ou têm origem em países com surtos ou onde a doença é endêmica. (Claro, falando de países democráticos.)

Agora pensemos no seguinte. O país deve receber somente este ano algo como 6 milhões de turistas. E, entre Copa do Mundo e Olimpíadas, a projeção é de atrair 10 milhões de estrangeiros por ano. Imagine-se a estrutura necessária para examinar as bagagens não apenas atrás de drogas, armas, valores não declarados... mas também todos os produtos da lista acima. Em 2011, somente nos aeroportos de Guarulhos e de Galeão foram apreendidos, 45,5 e 8,5 toneladas de alimentos e cargas proibidas.

Essa lista pode parecer exagerada. "Como? Comida de bordo? Mas a gente come isso, como pode ser perigoso, fora o fato de ser insosso e custar os olhos da cara?" Pois até 1978, restos de comida de bordo de voos vindo de Portugal e de Espanha eram dados como alimentos para porcos aqui no Brasil. O resultado foi a introdução da peste suína africana por estas paragens - doença que seria erradicada daqui em 1984. O vírus pode ser transportado também por embutidos como salame.

"Ah, mas eu sempre levei e nunca me deu problema." Isso exatamente pelo grande volume de passageiros e bagagens que circulam. Com a estrutura atual é impossível de se vistoriar tudo, é preciso atuar por amostragem. Mas isso significa que a maior parte do volume de carga entra e sai sem ser adequadamente vistoriada. É um perigo real. E provavelmente tem introduzido muitas e muitas doenças humanas, animais e vegetais no país - sem falar nas pragas como a Helicoverpa armigera, de introdução recente (identificadoa pela primeira vez no país no primeiro semestre deste ano), com custo atualmente projetado de US$ 5 bilhões/ano entre gastos com controle e perdas de produção.

O caso específico de Dawkins talvez não se encaixe na questão da barreira sanitária - aparentemente era um voo doméstico e não sei se há atualmente algum problema com o mel escocês -, mas parece ser o mesmo caso de desinformação quanto às regras. Quero dizer, pode até estar ciente quanto às regras em si, mas não quanto as bases das regras. Esse é um problema sério que é mais culpa das autoridades do que dos cidadãos. Nos aeroportos eu recebo folhetos dizendo que não posso transportar tubos de pasta de dentes com volume maior do que 100 ml. Mas por quê? O veto a armas de fogo, venenos, explosivos, material inflamável, objetos perfurocortantes ou capazes de contundir, além de sprays de pimenta, tasers e outros imobilizadores (como fitas adesivas) são de fácil entendimento. Agora, pasta de dente? Isso não é explicado nos folhetos.

Bem, em 6 de outubro de 1976, o voo 455 da Cubana de Aviación, que ia de Barbados à Jamaica, foi interrompido por uma explosão. Todos os passageiros a bordo e a tripulação morreram, totalizando 73 vítimas. Explosivo plástico havia sido colocado dentro de um tubo de pasta de dente.

O problema do mel de Dawkins não era o mel. Explosivos plásticos e líquidos podem ser disfarçados sob praticamente qualquer aparência. Explosivo como o C-4 tem uma densidade energética de cerca de 10 kJ/ml. Um tubo de 100 g é o suficiente para causar um belo estrago. É preciso, então, pesar a segurança contra a comodidade.

O evolucionista melífago não é o único a achar, porém, que há exagero. O economista americano Steven Levitt também considera as precauções excessivas.O biólogo PZMyers, no twitter, também reclama que as medidas de segurança são um absurdo.

Talvez haja um zelo demasiado. Talvez esforços e recursos estejam sendo desperdiçados com uma paranoia. Mas como saber? Bem, podemos acompanhar a evolução dos casos de atentados terroristas a aviões comerciais. Na Figura 1, plotei os casos cumulativos ao longo dos anos de ataques bem sucedidos (em que ocorreu explosão - com ou sem morte) e os casos de tentativas frustradas (em que o plano foi desbaratado a tempo).

Figura 1. Evolução dos casos de atentados terroristas a aviões comerciais. Ataques bem sucedidos: em azul, eixo vertical principal; ataques frustrados: em laranja, eixo vertical secundário. Fontes: Wikipedia e TSA.

As tentativas desbaratadas seguem uma curva exponencial. As tentativas bem sucedidas crescem mais ou menos exponencialmente até o atentado de Lockerbie, Escócia, em 1988; há uma redução no ritmo dos atentados até que, a partir de 2004 ocorre o último caso, um duplo atentado em Moscou. O processo de modificação dos protocolos de segurança é contínuo ao longo da história da segurança da aviação, mas as alterações mais substanciais ocorrem justamente pós-Lockerbie e pós-11 de setembro. Desde 1949, vivemos o mais longo período sem ocorrência de atentados bem sucedidos. Minha interpretação é que atentados continuam a ser planejados - e em número cada vez maior -, mas as medidas de segurança têm evitado que se concretizem em aeronaves despencando dos céus ou realizando pousos de emergência com buracos na fuselagem e passageiros a menos.

Se pegarmos o ritmo dos casos de atentados de 1989 a 2004, algo como 2,34 atentados bem sucedidos foram evitados de lá para cá. Considerando-se uma média de 61,83 mortos por atentado, 144,69 mortes foram evitadas - algo como 16 pessoas deixaram de morrer por ano.

Com cerca de 3 bilhões de passeiros aerotransportados por ano, 16 pode parecer um número pequeno. Por outro lado, será mesmo que abrir mão de um pote de mel, de um tubo maior de pasta de dente, ou ter que passar a bagagem de mão pelo raio-X é um preço tão alto?

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