O Estadão dá o seguinte título para a reportagem:
Componente do RNA encontrado junto de estrelas jovens
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Assim, pelo título, dá a impressão de que encontraram nucleotídeos ou bases nitrogenadas no espaço sideral. Não é bem assim. Aliás, muito longe disso.
O que encontraram foi uma molécula orgânica, o glicolaldeído, que tem mais ou menos esta cara:
Sua fórmula molecular é HOCH2CHO. Veja a diferença para um nucleotídeo (aqui, uma adenosina difosfato):
Quanta diferença!
Mas então qual o lance? Sim, há muita onda, muito sensacionalismo no anúncio. E nem devemos aqui culpar o suspeito de sempre, o jornalista. Ele apenas vendeu o peixe que lhe passaram. Astrônomos, astrofísicos e astrobiólogos envolvidos na questão da origem da vida (e na busca de vida extraterrestre) precisam justificar os gastos de suas pesquisas, pesquisa essa realizada com um objeto que virtualmente eles não têm em mãos - os primeiros organismos ou organismos alienígenas. Não que seja algo errado, cientistas precisam prestar contas com a sociedade que os financiam e precisam dar publicidade a seus achados e devem alimentar o interesse das pessoas pela ciência. O porém é que não raras vezes forçam a mão nisso. Em todo caso, onde entra então o glicolaldeído?
Entra como uma *especulação*. Como na origem dos primeiros organismos não haveria toda a maquinaria sofisticada presente nos organismos atuais ou nas fábricas de produtos químicos, a produção dos monômeros biológicos (as unidades básicas que compõem moléculas enormes como proteínas, celulose e ácidos nucléicos) deve se dar por meio de processos inorgânicos espontâneos. Os pesquisadores então tentam adivinhar quais foram esses processos. O glicolaldeído entra na formação hipotética dos açúcares - ribose - presentes nos nucleotídeos que formam os ácidos nucléicos. Dessa feita é um tanto forçado dizer que são "componentes" do ARN - são quase tão componentes quanto o CO2 - é aí que reside o sensacionalismo.
Até porque a descoberta não chega a ser sensacional. O glicolaldeído já havia sido, como é informado na reportagem, detectado anteriormente no espaço. A diferença é agora quanto ao local, supostamente em região mais parecida com o ambiente que gerou a Terra.
Essa notícia é sobre um trabalho que ainda não foi publicado em revista científica - embora certamente já tenha recebido o aceite ou esteja até no prelo. Tem se tornado praxe essa divulgação antecedendo a publicação. Aqui opinião pessoal, sou mais pela tradição de divulgar para a mídia não-científica somente depois de publicado em um periódico científico (ou mesmo em um livro), parece-me menos precipitado.
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
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