Lives de Ciência

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sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Como é que é? - Prêmios de loteria sempre saem para cidades pequenas e desconhecidas?

SempreToda vez que um prêmio gordo é sorteado na loteria - especialmente a Mega Sena acumulada - há comentários de que sempre é sorteado algum bilhete vendido no cafundó do Judas (mesmo quando sai para a capital - seria a exceção apenas).

Fazendo um levantamento dos últimos 100 ganhadores (concursos 1530 a 1764), sem surpresas (ao menos do ponto de vista matemático, mas para os que defendem que apenas apostas feitas em cidades perdidas do interior do Brasil são premiadas - geralmente atreladas a suspeitas de fraudes - um resultado difícil de explicar), a cidade com mais bilhetes premiados é São Paulo, SP (com 15 bilhetes ganhadores), seguida de Rio de Janeiro, RJ (com 9 apostas vencedoras).

Se usarmos o tamanho populacional como proxy do número de apostadores por localidade, teremos o gráfico da Fig. 1.



Figura 1. Relação entre tamanho populacional e número de ganhadores. Cidades com mais habitantes têm um número maior de ganhadores na Mega Sena.

Uma simples correlação linear com coeficiente de determinação de 94,22% é obtida. Ou seja, o número de ganhadores por cidade parece seguir a proporcionalidade do número de habitantes - quanto maior a cidade, mais ganhadores - como esperado ao acaso, com a suposição de que a fração de apostadores seja mais ou menos constante entre as cidades.

Alguns fatores podem explicar a persistência do mito de que nunca - ou quase nunca - os prêmios saem para cidades maiores. De um lado, realmente os prêmios saem com mais frequência para cidades *menores* (ao menos menores do que as megacidades com mais de 1 milhão de habitantes). Como assim? Não acabamos de mostrar que quanto maior a cidade, maior o número de ganhadores? Sim, mas, em conjunto, há mais pessoas em cidades menores do que em cidades maiores no Brasil. Dos cerca de 205 milhões de brasileiros (cuidado! contém paywall poroso), 22% moram em uma das 17 cidades com mais de 1 milhão de habitantes. Muito, mas isso significa que 78% moram em um dos 5.553 municípios com menos de 1 milhão de almas. 29,9% dos brasileiros vivem em um dos 41 municípios com mais de 500 mil habitantes; 56% em uma das 304 cidades com mais de 100 mil habitantes.

[Na verdade, na nossa amostra, há uma tendência a haver um número *maior* de ganhadores nas cidades *maiores* do que o que seria o esperado apenas pelo tamanho da população se o número de apostadores fosse proporcional ao número de habitantes.  41 das apostas são de cidades com mais de 1 milhão de habitantes; 13 em cidades entre 500 mil e 1 milhão; 15 de cidades entre 100 mil e 500 mil e 44 de cidades com menos de 100 mil habitantes.

Aparentemente, não apenas a noção comum de que tendem a ganhar as apostas feitas em pequenas cidades não se verifica, como se verifica o *oposto*. (Claro que aqui não se está analisando diretamente se a probabilidade de uma aposta unitária varia de acordo com o tamanho da população, bom que se diga. Ou seja, não deve adiantar, então, apostar em lotéricas de cidades grandes esperando que, com isso, suas chances aumentem.) Considerando-se que isso seja generalizável, isso poderia se dar por diferentes motivos (não mutuamente excludentes): em grandes cidades, pode ser mais fácil o acesso a lotéricas (do que em cidades em que a maioria da população viva na zona rural, p.e.); pode haver mais dinheiro circulando de modo a que os atuais R$ 3,50 na aposta simples da Mega Sena não signifiquem uma sacrifício muito grande nas finanças pessoais; a cultura pode ser mais conservadora, condenando apostas, em cidades interioranas pequenas...]

Mas o grosso do efeito da persistência do mito pode ser pela seleção de indícios. Só nos lembramos das vezes em que os prêmios saem em cidades de que nunca ouvimos falar. E a cada vez que um prêmio sai de lá, consideramos isso um reforço à hipótese. Ignorando as vezes em que sai para grandes cidades - considerando os casos como exceção.

Uma parte secundária deve ser pelo reforço gerado pelas vezes em que o mito é repetido - criando uma sensação de que a concordância geral implica na veracidade da afirmação. Parte das pessoas também têm uma tendência a acreditarem em teorias da conspiração: para estas talvez tentativas como esta de análise objetiva não apenas sejam infrutíferas como sirvam como reforçadores de crença (podem considerar que esforços em refutar mitos sejam provas de que há uma conspiração em curso, havendo esforços para desacreditar quem denuncia a trama).

Upideite(29/nov/2015): Aqui o gráfico (Fig. 2) contando todos os 283 ganhadores a partir do concurso 1077 (na base de dados da Caixa, o local de venda do bilhete premiado é identificado apenas por estados).
Figura 2.  Relação entre tamanho populacional e número de ganhadores. Em azul claro, média dos tamanhos populacionais das cidades com o mesmo número de ganhadores; notar a escala logarítmica do eixo x - a curva descreve uma relação linear entre as variáveis. 

Upideite(29/nov/2015): Gráfico similar (Fig. 3) é obtido quando plotamos a população das cidades contra o montante total de prêmios da sena.

Figura 3. Relação entre tamanho populacional e o montante de prêmios da sena. A relação é linear, maior a cidade, mais dinheiro recebe em prêmios - valores atualizados pelo IPCA (a escala x está em log).

Se consideramos a média dos valores da premiação, não notamos nenhuma tendência (Fig. 4).

Figura 4. Tamanho da população contra os valores médios da premiação. Escala dilog. Notar o baixo coeficiente de determinação, indicando a ausência de correlação.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Divulgação Científica nas Interwebs: dos blogs às mídias sociais

Dia 16.nov, o Rafael Soares, do Scienceblogs Brasil/Numina e eu conversamos com os alunos da disciplina Seminários de Ciência e Cultura, do curso de especialização em Jornalismo Científico do Labjor, a respeito da divulgação de ciências em blogues e outras mídias sociais.

Minha apresentação segue abaixo.


Sim, alguns esláides repeti da apresentação mais longa que fiz sobre a DC em biologia na internet para o CAEB.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Divagação científica - divulgando ciências cientificamente 24

Seguem minhas anotações de dois artigos a respeito do engajamento público de ciências com metodologias voltadas especialmente para a governança de políticas públicas de temas que demandam conhecimento científico mais intensivo.

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Macnaghten, P. 2013. The future of science governance: publics, policies, practices. Pp: 31-48. In: Vogt, C. et al. (orgs.) Comunicação e Percepção de Ciência e Tecnologia (C&T). De Petrus et Alii. 180 pp.

Rowe, G. & Frewer, L.J. 2005. A typology of public engagement mechanisms. Science, Technology, & Human Values 30(2): 251-90. doi: 10.1177/0162243904271724.


Tabela 1. Modelos de engajamento público na elaboração de políticas públicas. (Macnaghten 2013)
Modelo de Engajamento Público Processos de Engajamento Público
Estágio do Processo de Inovação Relação com o Resultado da Política Tópico de Discussão Posicionamento dos Sujeitos Status dos Objetivos da Política
À montante (Upstream) Inicial (early) Vago Mundos possíveis Exploratório Emergente
Intermediário Honesto (Honest broker) Meio (midstream)/fim (downstream) Forte Mundos conhecidos Reflexivo Ambivalente
Advogado da causa (Issue advocate) Meio/fim Forte Mundos conhecidos Maleável Predeterminado

Modelos de engajamento público (Macnaghten 2013)
*Modelo à montante. engajar o público em conversas exploratórias sobre uma gama de questões postas por tecnologia e conhecimento científico em um estágio relativamente inicial do processo de inovação.
*explorar os modos como a tecnologia emergente é imaginada pelos atores sociais, explorar futuros mundos possíveis, questões éticas e sociais associadas, deliberar sobre fatores que moldam a preocupação pública, esperança e possibilidades.
*frouxamente amarrado a objetivos e resultados específicos das políticas públicas; participantes são "sujeitos exploratórios" que desenvolvem novas identidades e posições através do próprio diálogo.

*Modelo do intermediário honesto. articulação entre as diferentes opções de política pública com um ramo específico das ciências já está amadurecido e dilemas ético-sociais já aparentes.
*fomentar deliberações públicas para pesar os prós e contras dos diferentes cursos de ação, articular as condições em que diferentes políticas são aceitáveis.
*relação mais próxima com o resultado de políticas públicas, menos exploratório; "sujeitos reflexivos" que contemplam as condições sobre se e como proceder com domínios controversos das ciências.

*Modelo do advogado da causa. já existe um objetivo conformado e acordado da política pública.
*deliberar sobre as condições sob as quais os objetivos podem ser realizados e sobre os diferentes modos em que podem ser alcançados por meio de um melhor entendimento das visões, crenças e necessidades do público.
*há muito menos espaço para explorar o enquadramento dos objetivos da política e discutir alternativas; "sujeitos maleáveis" que podem ceder em suas visões e posições através da provisão de informações e argumentos das instituições patrocinadoras.

Tabela 2. Tipos de engajamento público (Rowe & Frewer 2005)
Fluxo da informação
Comunicação pública
Patrocinador (sponsor) ---> Representantes do público (public representatives)
Consulta pública
Patrocinador <--- Representantes do público
Participação pública
Patrocinador <---> Representantes do público

(Rowe & Frewer 2005)
Mecanismos de engajamento (genérico) e iniciativas ou exercícios (específico) de engajamento.
Patrocinador (sponsor). Parte que comissiona a iniciativa de engajamento. Em geral governos e agências regulatórias, ocasionalmente representantes do público.
Organizador (organizer). Parte que conduz o exercício de engajamento. Pode ou não ser o patrocinador.

Tipos de engajamento público (Rowe & Frewer 2005)
Comunicação pública (public communication). Informação repassada dos patrocinadores da iniciativa para o público: flui unidirecionalmente. Não há propriamente um envolvimento do público pois seu feedback não é requerido ou não é especificamente o que se busca. Quando o público procura fornecer informação, não há um mecanismo especificado de antemão, no máximo, registra-se essa informação.
Consulta pública (public consultation). Informação passada dos membros do público para os patrocinadores da iniciativa, segundo processo iniciado pelos patrocinadores. Não há um diálogo formal entre membros individuais do público e os patrocinadores. Informação fornecida pelo público é tomada como representativa da opinião a respeito do tópico.
Participação pública (public participation). Informação trocada entre membros do público e patrocinadores. Algum grau de diálogo (que ocorre geralmente em grupos) entre membros das partes em diferentes proporções (dependendo do mecanismo em questão) até mesmo com apenas representantes do público (que recebem informações adicionais dos patrocinadores antes de responderem). No lugar de respostas simples e cruas, o diálogo e negociação muda a opinião das partes (público e patrocinadores).

Competência/eficiência (Rowe & Frewer 2005)
Comunicação pública. Maximização da transferência de informações relevantes dos patrocinadores de modo eficiente (com mínima perda de informação) para o maior número de membros da população relevante, com processamento eficiente dessas informações pelos receptores (público/participantes).
Consulta pública. Maximização da transferência de informações relevantes do maior número de membros da população relevante de modo eficiente (com mínima perda de informação) para os patrocinadores, com processamento eficiente dessas informações pelos receptores (os patrocinadores).
Participação pública. Maximização da transferência de informações relevantes do maior número de todas as fontes relevantes de modo eficiente (com mínima perda de informação) para as demais partes, com processamento eficiente dessas informações pelos receptores (patrocinadores e participantes) e a combinação disso em uma composição acurada.

Tabela 3. Variáveis dos mecanismos de engajamento. (Rowe & Frewer 2005)
Variável do mecanismo Níveis da variável Aspectos influenciáveis da Efetividade Tipos relevantes de engajamento
Método de seleção dos participantes Controlado/Não controlado Maximização de participantes relevantes Comunicação
Consulta
Participação
Facilitação da eliciação da informação Sim/Não Maximização de informações relevantes dos participantes Consulta
Participação
Modo de resposta Ilimitado (aberto)/Limitado (fechado) Maximização de informações relevantes dos participantes Consulta
Participação
Insumo (input) de informação Informação pré-definida (set information)/Informação flexível Maximização de informações relevantes dos patrocinadores Comunicação
Meio de transferência de informação Face a face/Não face a face Maximização de transferência e processamento de informações relevantes Comunicação
Consulta
Participação
Facilitação da agregação Combinação estruturada/Combinação não estruturadaAgregação das informações dos participantes Consulta
Participação

Tabela 4. Preocupações do público em diferentes modelos de engajamento público. (Macnaghten 2013)
Modelo de Engajamento PúblicoPreocupações do Público sobre Governança das Ciências
PropósitosConfiançaInclusãoVelocidade e direçãoÉtica, compromisso (trade-off) e equidade
À montante (Upstream)As motivações dos cientistas são boas e transparentes?As instituições financiadoras estão direcionando a pesquisa para o interesse público?As contribuições do público têm o poder de moldar a política econômica das ciências?As ciências responderão ao "bem social"? Ela respeitará a ordem natural?Valores individuais e de mercado sobrepujarão valores coletivos?
Intermediário Honesto (Honest broker)A pesquisa demonstra respeito aos valores humanos básicos?A ciência e as instituições financiadoras são independentes dos interesses?Os valores éticos e sociais informarão genuinamente a deliberação sobre a política?Pressões corporativas de curto prazo sobrepujarão considerações éticas/sociais?O impacto da ciência irá impactar de modo injusto grupos vulneráveis?
Advogado da causa (Issue advocate)Os objetivos predeterminados da política são legítimos e plausíveis?As instituições políticas merecem confiança na busca por suas intenções declaradas?Os objetivos das instituições políticas estão abertos aos desafios pela contribuição do público?Pressões corporativas dirigirão as ciências às custas de considerações éticas/sociais?O benefício social prometido pela ciência será suficiente para suplantar considerações éticas/sociais irrefletidas?

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