Lives de Ciência

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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A dura vida de um divulgador de ciências independente - 1

Eu planejava fazer uma postagem a respeito de um trabalho recente sobre evolução de vertebrados.

Para comentar um aspecto queria usar a imagem publicada em outro artigo para apoiar minha interpretação. Como este blogue tem por política respeitar estritamente os direitos autorais, entrei em contato com a revista pedindo a autorização para usar aqui. A maioria desses pedidos é deferida, mas, eventualmente, algum é negado. Faz parte e respeito. É direito dos detentores dos direitos de cópia de um material intelectual conceder ou não autorização para uso - e ditar quais as condições (se pago, se a título gratuito, o limite de tamanho, etc.).

Mas eis que a Oxford University Press resolveu acrescentar um desaforo:
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On Mon, Jan 20, 2014 at 7:25 AM, JOURNALS PERMISSIONS  wrote:

Dear Mr Takata,

Thank you for your request. Unfortunately it is not OUP policy to allow material that appears in our journals to be posted on third party websites. However, we would have no objection if you wish to set up a link to the article on the Oxford Journals website (http://xxx.xxxx.xxx/).

Kind regards,
xxxxx

xxx xxxxx (Ms)
Rights Assistant
Academic Rights & Journals
Tel: xxxxxxxxx
Email: xxx.xxxxx@oup.com
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"We would have no objection if you wish to set up a link to the article on the Oxford Journals website". Muito engraçadinho, senhora dona assistente de direitos. Colocar o link seria um favor que *eu* faria (sim, seria também um elemento de honestidade intelectual de indicar a fonte). A mensagem se resume a: "É nossa política não fazer favores, mas gostaríamos que nos fizesse um favor".

Não fosse essa frase, a minha reação natural seria respeitar a decisão deles de não liberar o uso e eu faria normalmente a citação - com o devido link - via Research Blogging provavelmente. Eu continuarei a respeitar a decisão - não vou publicar a imagem contra a vontade deles (e nem tem a ver com a possibilidade de ser processado - dificilmente eles tomariam ciência e, no máximo, eu teria que remover a imagem) -, mas terei que pensar em outro modo de comentar o artigo que gostaria de analisar sem fazer qualquer menção a qualquer trabalho da OUP. (Não que vá fazer diferença alguma pra eles.)

(Um divulgador ligado a algum veículo comercial ou instituição de pesquisa ainda estaria sendo pago para ler esse tipo de coisa, um amador não tem essae tipo de consolação.)

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Mapa (interativo) de surtos de doenças preveníveis por vacinação

Mapa interativo de surtos de doenças preveníveis por vacinação.

Via Kentaro Mori FB.

Upideite(22/jan/2013): Dá para correlacionar os mapas de surtos de doenças com o mapa de sentimentos negativos em relação à vacinação. (Dados de monitoramento de redes sociais entre julho e novembro de 2013. Fonte: Healthmap.org)

Upideite(24/jan/2013): Considerando-se apenas os países para os quais houve registros de sentimentos negativos em relação à vacinação, podemos correlacionar o número de comentários negativos (ND) com: a) o total de atingidos casos nos episódios de surtos em cada país (NC) e b) o número de usuários de redes sociais (no caso, o Facebook - fonte: Internet Wolrd Stats) em cada país (FB). Na figura abaixo, os números foram transformados em logaritmos naturais e tomaram-se a média entre os países com o mesmo número de comentários negativos.


Não é de se surpreender a correlação entre o número de comentários negativos e o total de usuários de redes sociais (r = 0,85) , mas há correlação também entre o número de usuários de redes sociais e o total de pessoas atingidas nos episódios de surto (não mostrado, r = 0,73). Uma explicação possível é que, de modo geral, países com maiores populações têm mais usuários de redes sociais e também em populações maiores episódios de surtos podem fazer mais vítimas. Assim, o número de comentários negativos pode ter pelo menos duas explicações: simplesmente o tamanho populacional, quanto mais pessoas, haverá mais pessoas criticando ou os episódios de surtos podem levar a uma piora na avaliação das vacinas. Uma relação invertida também pode ser aventada: mais comentários críticos seriam um indicador de uma menor disposição à vacinação, aumentando a exposição aos casos de surto.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Os antivacinistas no blogue do Nassif - 2

Espero que os leitores do GR tenham aproveitado melhor o período entre o Natal e o Ano Novo. Eu ganhei um princípio de tenossinovite na munheca - não, seus mente suja, foi por digitação furiosa (eu juro!), em função da publicação de uma postagem antivacinista no blogue do Luis Nassif.

Retrabalhei 11.838 pontos de dados de 193 países sobre índices de vacinação (3a. dose) e incidência de poliomielite ao longo de mais de 30 anos no banco de dados da OMS (desconsiderei os dados de Niue por não haver dadosinformação sobre a população de até 5 anos). A partir disso, calculei a população de até 5 anos para os períodos de 1981 a 1989, 1991 a 1999 e de 2001 a 2007 por interpolação linear, para calcular a incidência de poliomielite por 100.000 crianças de até 5 anos. Agrupei os valores de incidência correspondentes a intervalos de cobertura vacinal: de 0 a 9%, de 10 a 19%, de 20 a 29%... de 90 a 99% e acima de 100%. Cobertura vacinal acima de 100% é possível quando se vacinam mais indivíduos do que a população alvo - geralmente crianças nacionais de até 5 anos: incluindo crianças mais velhas (até adultos) e estrangeiras. O resultado está na Figura 1 abaixo.

Figura 1. Correlação entre cobertura vacinal e incidência de poliomielite. Fonte: OMS.**

Há um excelente ajuste por meio da curva exponencial (r2 = 0,9580,942) - para cada aumento de 1 ponto percentual na cobertura vacinal há uma redução de cerca de 54% na incidência de pólio. Sem vacinação, a incidência média é de cerca de 3015 casos a cada 100 mil crianças de até 5 anos.** Em um país como o Brasil, com aproximadamente 14,5 milhões de crianças de até 5 anos, a vacinação de 100% tem significado evitar algo como 4.3502.175 casos por ano - eu acho que isso mais do que compensa os R$ 55 milhões* investidos na campanha (entre vacinas, publicidade e outras despesas): imagine se pudéssemos fazer uma criança paralítica voltar a andar por apenas R$ 8.50012.60025.300. (Estou falando de média, como a barra de erro no gráfico indica - aqui representando o desvio padrão -, há uma variação substancial - isso se dá por diversos fatores: o trânsito de pessoas vindas de locais de ocorrência endêmica de pólio, o estado da imunidade natural da população - que pode ser influenciada por condições de alimentação e clima, fatores genéticos e outros. Não mostrei a barra de erro dos três primeiros pontos: 58,23; 77,43 e 24,36 casos por 100 mil.)

Esse fato os jornalistas precisam ter em mente antes de cogitar em dar espaço para teses malucas e altamente perigosas. Piora quando se dá o mesmo peso para ambos os lados - deixando à parte o vasto suporte empírico a respeito da eficiência das vacinas. É perigosa porque a exposição a ideias sem sentido as naturalizam para o grande público - que passam a considerá-las aceitáveis: afinal, se está na imprensa, deve ter um fundo de verdade. Criando uma brecha na qual os antivacinistas podem se instalar e crescer - angariando mais visibilidade midiática, angariando mais apoio popular e ameaçando políticas de sucesso como as campanhas de vacinação.

Isso não é apenas um horror imaginário, aconteceu com a política de combate à Aids na África subsaariana, em particular, na África do Sul, onde a hipótese sem nenhum fundamento de que o HIV não causa Aids foi acolhida, resultando no agravamento do quadro - medidas eficientes de incentivo ao uso de preservativos, de tratamento aos HIV positivos foram deixadas de lado, aumentando o espalhamento do vírus e a manifestação da doença - como lembra o diretor de redação da Superinteressante ao se desculpar por haver a revista dado trela aos negacionistas da relação HIV/Aids.

É em função disso que eu me senti obrigado a perder horas e horas de descanso e lazer, coligindo os melhores dados disponíveis, para desmontar a bobagem antivacinista - não é que suas bobagens devam ser, por si, levadas a sério, esse trabalho não é demonstração de que suas alegações são suficientemente elaboradas que só um trabalho mais pesado possa refutar: não, as bobagens podem ser rebatidas de bate-pronto, mas aí ficaria apenas palavra contra palavra e isso é vantagem para essa gente. É vantagem para eles que querem reduzir tudo a uma questão de discurso e retórica.

Não é uma questão de apenas discurso e retórica. É uma questão de dados. Como os dados estão do lado da vacinação, a eles só restam o palavreado sem substância na realidade. Reforço meu apelo a todos os jornalistas e profissionais de mídia - façam a conferência de dados. Sim, dá trabalho, mas não expõe a população a perigos absurdos e plenamente evitáveis com uma simples ida ao posto de saúde para receber, gratuitamente, as vacinas.

*Upideite(03/jan/2014): Corrigido a esta data. O valor anterior, de R$ 37 milhões, não considerava o valor das vacinas.
**Upideite(08/jan/2014): Os cálculos foram refeitos após correção dos dados relativos à Albânia - eu havia repetido os valores de incidência no Afeganistão. Não houve, no entanto, alteração substancial nos resultados - mesmo a redução da média estimada para o caso de ausência total de vacinação de cerca de 30 casos em 100 mil para 15 casos em 100 mil está dentro do erro estimado anteriormente.
**Upideite(17/mai/2014): Um artigo revisando os fatores que influenciam as atitudes em relação à vacinação na Europa. (via @Karl_MD)

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