Lives de Ciência

Veja calendário das lives de ciência.

sábado, 28 de setembro de 2013

Diretório de agências brasileiras de notícias científicas

Pretendo aqui manter uma listagem de agências brasileiras especializadas em notícias científicas (e acadêmicas) que têm sítios web e ali publicam seus textos. Quem tiver alguma indicação, fique à vontade para postar nos comentários.

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sexta-feira, 20 de setembro de 2013

VEI, de boa. E lá vamos nós outra vez com bactérias alienígenas*

Sim, há uma boa dose de preconceito e de simplificação. Mas, na falta de um maior embasamento analítico, pode-se usar o fluxograma abaixo para fazer uma primeira filtragem a respeito de estudos na área da astrobiologia/exobiologia.


Figura 1. Fluxograma para triagem de notícias a respeito de vida e espaço.

O diagrama acima já ajudaria, de cara, a não termos que comentar sobre um estudo que conclui que formas de vida "chovem" a partir do espaço trazidas por partículas de poeira de cometas.

Época: "Cientistas britânicos dizem ter achado na atmosfera vida originada fora da Terra"
UOL: "Ingleses dizem ter provas de vida alienígena que veio parar na Terra"

Só o jornalista Salvador Nogueira, em seu Mensageiro Sideral, lança um tom de questionamento a respeito.

O Journal of Cosmology não tem a melhor reputação entre os cientistas - nem mesmo entre os do ramo da astrobiologia - com frequência, artigos estranhos a respeito de formas de vida alienígena são publicados lá.

De um lado nem dá para dizer se as formas analisadas são de origem orgânica. É possível que sejam. Mas o argumento para refutar origem terrestre é extremamente débil.

Partículas da superfície de nosso planeta frequentemente são lançadas a grandes altitudes em nossa atmosfera. Por vulcanismos, por impactos de bólidos extraterrestres e até por fenômenos atmosféricos. Os autores alegam que, nos três anos anteriores à coleta das partículas, não houve um grande evento de vulcanismo na região de lançamento- mas erupções vulcânicas de VEI (índice de explosividade vulcânica) 4 (capazes de levar à injeção de material na estratosfera) tem ocorrido em uma média de 2 erupções por ano desde 2008 nessa magnitude e, uma vez na estratosfera, o material pode se espalhar rapidamente.

Não é que a panespermia seja uma hipótese de todo má. Não é que não possa haver vida no espaço. Mas é preciso muito cuidado no teste de hipótese. Trabalhos ruins como esse, com uma denegação apressada da possibilidade de origem mais comezinha: exagero nas dificuldades da hipótese contrária e exagero nas vantagens da hipótese de estimação - apenas depõem ainda mais contra um campo de estudos em que virtualmente não se tem em mãos o objeto de estudo.

Os jornalistas e divulgadores de ciência, na minha opinião, devem ter isso em mente.

*Upideite(22/set/2013): Na verdade, a alegação é de vestígios de organismos ainda mais complexos do que bactérias: algas unicelulares conhecidas como diatomáceas. Os autores citam o trabalho de Griffin 2004 que recuperou micro-organismos terrestres viáveis de altitude de 20.000 km - bactérias e fungos -, mas acreditam que não é possível que o fragmento que identificam como de diatomácea (do gênero Nitzschia) tenha origem terrestre.

Upideite(22/set/2013): Curiosamente, os autores - apesar de citarem a navalha de Occam contra hipóteses mais prosaicas - não discutem a possibilidade de, em um evento remoto, um choque de um bólido extraterrestre ter ejetado material da Terra para o espaço, vagando por milhares ou milhões de anos no espaço e ocasionalmente sendo recapturado pela gravidade terrestre.**

Upideite(22/set/2013): Mais críticas ao estudos.
Richard Gordon Critique of a claimed discovery of a diatom from outer space
Phil Plait Has Alien Life Been Found In Earth's Atmosphere? I'm Gonna Go With "No".

**Upideite(24/set/2013): Um dos autores, por email, diz que a hipótese foi considerada, mas não foi discutida por não haver indícios.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Divagação científica: divulgando ciências cientificamente - 19

Aproveitando minhas leituras para o curso de especialização em Jornalismo Científico do Labjor/Unicamp, faço minhas anotações do texto de Claudio Bertolli Filho, da Unesp, sobre... jornalismo científico.

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Bertolli Filho, C. 2006. Elementos fundamentais para a prática do jornalismo científico. Recensio.

definição
"O Jornalismo Científico, que deve ser em primeiro lugar Jornalismo, depende estritamente de alguns parâmetros que tipificam o jornalismo, como a periodicidade, a atualidade e a difusão coletiva. O Jornalismo, enquanto atividade profissional, modalidade de discurso e forma de produção tem características próprias, gêneros próprios e assim por diante." (Anônimo 2004)

"Um caso particular de divulgação científica e [que] refere-se a processos, estratégias, técnicas e mecanismos para veiculação de fatos que se situam no campo da ciência e da tecnologia. Desempenha funções econômicas, políticoideológicas e sócio-culturais importantes e viabiliza-se, na prática, através de um conjunto diversificado de gêneros jornalísticos" (Wilson Bueno 1984)

linguagem
O JC - e a divulgação científica - não é mera adaptação do discurso-fonte para o público destinatário. Envolve um trabalho novo e original de formulação discursiva (não é mera reformulação).

Envolve uso de múltiplas estratégias de linguagem como metáforas e analogias (fonte de potencial desacordo com os cientistas). Perigo de simplificação excessiva e distorção.

critérios para publicação
1. senso de oportunidade - trabalho antigo volta despertar interesse por algum fato.
2. timing - evento externo a novos acontecimento científicos desperta o interesse da opinião pública.
3. impacto - um trabalho, mesmo antigo, interessa a um grande número de pessoas.
4. significado - profissionais de mídia percebem a importância científica e/ou social de um novo trabalho.
5. pioneirismo - descoberta de um fato novo.
6. interesse humano - envolvimento de emoções humanas para sensibilizar o público e incitá-lo à ação.
7. personagens célebres ou de ampla exposição na mídia - entrevista com autoridades científica e profissionais de prestígio.
8. proximidade - quanto mais próximo o evento do público, maior o potencial de interesse.
9. variedade e equilíbrio - evitar a monotonia, variedade de matérias e enfoques.
10. conflito - situações de confronto despertam o interesse do leitor.
11. necessidade de sobrevivência - matérias que criam no leitor sensação de informação útil para seu bem estar físico e mental.
12. necessidades culturais - novas opções de comportamento e recursos para autoconhecimento.
13. necessidade de conhecimento - "paixão pelo saber" de parte dos leitores.

percalços
1. analfabetismo científico - desconhecimento sobre fatos básicos de ciências pelos profissionais de mídia.
2. interesses das empresas e institutos de pesquisa - podem supervalorizar seus achados para melhorar a imagem ou aumentar os lucros das companhias.
3. relação jornalista/cientistas - reclamações dos cientistas: falta de conhecimento dos jornalistas, tempo tomado, distorções; reclamações dos jornalistas: dificuldade de agendar entrevista, não responder às perguntas feitas, usar jargão e terminologia complexa, machismo, paternalismo.
- Diferenças:
- a. político-culturais: cientistas/paixão pela ciência, jornalista/análise crítica da ciência
- b. vocabulário: potencial de distorção na 'tradução'.
- Soluções parciais:
- a. treinamento de jornalistas: cursos de especialização.
- b. treinamento de cientistas: orientação da relação com jornalistas.
4. questão das fontes
a. palestras à imprensa.
b. comunicado à imprensa.
c. congressos científicos.
d. resumos.
e. press-releases - .
f. periódicos especializados.
Cuidado com os interesses pessoais, comerciais e institucionais (como busca de verbas governamentais e promoção pessoal), distorções pelos cientistas no entusiasmo de acreditar em seu trabalho... Agendamento de pauta pelos cientistas, institutos e publicações. Sistema de embargo de publicações.
Soluções parciais: ouvir outros especialistas não-envolvidos.

leitor
visão dos jornalistas/empresas de comunicação:
- interesses comerciais: paga pelas notícias
- visto como analfabeto científico
visão dos pesquisadores (Revuz 1998, Nunes 2003):
- afoito por novidades, inteligente, curioso por ciências, consciente de que seu conhecimento é menor do que o dos especialistas
Krieghbaum 1970
- parte vira a página ou muda de canal sem demonstrar curiosidade
"As reações às notícias e informações sobre ciência (...) formam uma série que vai desde os que estão cegos em relação à ciência até os que absorvem o noticiário científico e, até certo ponto, os que procedem de acordo com ele"
*Necessidade de despertar e manter o interesse dos leitores x espetacularização

ética
1. conflito de interesses - não aceitar presentes e privilégios na realização da matéria.
2. ganho financeiro pessoal - não noticiar sobre companhia da qual o jornalista tenha vínculos muito próximos.
3. ética das publicações - não publicar anúncios, próximos às notícias, de produtos envolvidos na matéria; corrigir rapidamente imprecisões e erros.
4. contar o que sabe - relatar tudo o que o jornalista julgar importante: conflitos de interesses, divergências na comunidade científica... preservar a imagem das personagens que não coloque em risco a comunidade.
5. ética nas escolhas - tomar ou não partido de um lado.

Possíveis fontes de erros e conflitos (Resnik, 2003)
o público pode:
a. carecer de informações necessárias sobre temas científicos;
b. estar mal informado sobre temas científicos;
c. não entender alguns conceitos ou recomendações científicas;
d. interpretar mal a informação científica;
e. estar completamente confuso sobre os temas científicos e a natureza dos debates científicos;
f. ver-se exposto a bobagens científicas.
os cientistas podem:
a. precipitar-se na hora da publicação dos dados;
b. manter algo em segredo para proteger sua pesquisa preliminar ou evitar controvérsias;
c. falhar em informar a imprensa e o público sobre seu trabalho.
os meios de comunicação podem:
a. ter problemas em ter acesso a congressos científicos e outras fontes de notícias;
b. deixar-se levar por falácias lógicas e estatísticas, evidências anedóticas e amostras enviesadas;
c. citar erroneamente ou fora de contexto;
d. usar fontes marginais ou não dignas de confiança;
e. cair no sensacionalismo, distorcer ou dar enfoque parcial às notícias;
f. deixar de cobrir ou abandonar o seguimento de notícias importantes.

Mitificação do conhecimento científico
Receio em criticar a lógica e aplicação da C&T
Caricaturização da ciência
Determinismo biológico
Preconceito étnico-racial

Recomendações (Segunda Conferência Mundial de Jornalismo Científico 1999):
1. Reconhecer as responsabilidades crescentes e noticiar de forma clara, precisa, íntegra, independente, honesta;
2. Apresentar com atenção não apenas a C&T, mas também os contextos político-sociais e seus meios de produção;
3. Romper as barreiras de língua e se esforçar em apresentar os assuntos de outros países;
4. Oferecer (os editores, organizações de rádiodifusão e outros) apoio e treino aos jornalistas;
5. Desenvolver o fluxo de informações na internet em outras línguas além do inglês;
6. Monitorar também a informação na internet para garantir qualidade, precisão, objetividade e integridade;
7. Apoiar (a Unesco e outras organizações) a criação de um federação mundial de jornalistas científicos [criada em 2002 - WFSJ] e associações nacionais;
8. Apoiar (a Unesco e outras organizações) a criação de espaços de treinamento de jornalistas em todas as regiões e países.

funções
Parâmetros
1. utilidade - o conteúdo útil na tomada de decisões pessoais
2. responsabilidade social - ajudar os cidadãos na tomada de decisões sociais e políticas em matérias que envolvam C&T;
3. valor intrínseco do conhecimento - conteúdos culturalmente universais ou importantes para a história humana;
4. valor filosófico - contribuir para a capacidade de refletir sobre significados e questões como vida e morte, percepção da realidade, certeza e dúvida, bem estar individual x coletivo...

Caráter didático e complementar à educação formal.
Contribuir para a crítica política e fortalecimento da democracia.

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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Por que Voyager-1 é um ótimo nome para uma banda musical?

Notícias sobre a sonda Voyager em diversas publicações:
Voz da Rússia: Voyager deixa o Sistema Solar
Galileu: É oficial: a Voyager 1 saiu do Sistema Solar
Info: Sonda Voyager-1 sai do Sistema Solar
Info: Voyager 1 deixou o sistema solar, diz novo estudo
G1: Sonda Voyager é 1º objeto feito pelo ser humano a deixar o Sistema Solar

Normal, afinal um evento com algum significado - primeiro objeto feito pelo homem a ir para além das fronteiras de nosso sistema solar - chama mesmo a atenção e tenderá a ser coberto por vários veículos.

O problema: as datas. Cada uma dessas notícias são de dias diferentes - e distantes vários meses um dos outros: 16/jun/2012, 25/ago/2012, 21/mar/2013, 16/ago/2013, 12/set/2013. Seriam veículos retardatários a descobrirem só depois um evento ocorrido já há algum tempo?

Imagem: xkcd

Não. Cada uma delas relata um evento distinto. "Distinto?" - coçará, com razão, a cabeça o par de leitores deste blogue (sim, nossa audiência dobrou - agora não temos mais apenas um leitor solitário). "Como pode isso? Quantas vezes algo - que não faz retorno - pode sair de um mesmo sistema?"

"Apenas uma vez", respondo eu. "WTF!" - exclama.

Há vários fatores que parecem ter levado a esta situação.

O limite do Sistema Solar não é bem definido. Não existe uma barreira propriamente física estabelecendo que a partir dali estar-se-á no espaço interestelar. A convenção do limite é de uma região chamada heliopausa - onde haveria uma rápida queda na temperatura das partículas carregadas do vento solar, um grande aumento de partículas do raio cósmico intergalático e mudança na direção do campo magnético (isso de dentro para fora do Sistema Solar)*.

A heliopausa até então nunca havia sido atingida diretamente com instrumentos - era uma construção teórica baseada no que se sabe sobre as interações físicas e propriedades do Sol e da Via Láctea. Suas reais características podiam apenas ser estimadas, havendo espaço para discrepâncias com medidas reais.

Essa variação embora aguda - considerando-se o estado em regiões mais próximas ao Sol - é contínua. Uma detecção de uma rápida queda estabelece a pergunta de a partir de onde considera-se que houve uma queda significativa - já que pode haver flutuação.

A variação desses três fatores - temperatura de partículas carregadas, variação da intensidade dos raios cósmicos galáticos e das linhas do campo magnético não coincidem exatamente no espaço.

Em quinto lugar, é esperada uma variação nessa região limite - conforme, por exemplo, haja uma variação na intensidade do vento solar.

Há uma variação na própria medição - como por limitação de precisão dos instrumentos.

Mas, possivelmente, os dois principais fatores sejam:
1) A imprecisão da comunicação pelos cientistas, incluindo exageros declaratórios;
2) A imprecisão da comunicação pelos meios de comunicação, incluindo sensacionalismos e má compreensão do que ocorreu.

Entre junho de 2012 e março de 2013, as manchetes mais comuns eram mais prudentes. Falavam em estar a sonda na "iminência de deixar o Sistema Solar" ou "próxima ao limite": o que se havia detectado eram a queda do número de partículas solares e o aumento da intensidade dos raios cósmicos, além da conexão entre as linhas do campo magnético solar e do espaço interestelar - mas não a mudança na direção dessas linhas. Os veículos que anunciaram a saída da Voyager-1 se precipitaram.

Alguns veículos voltaram a noticiar a saída da Voyager-1 por volta de julho de 2013. Mas não havia fato propriamente novo, apenas a publicação dos achados do segundo semestre de 2012.

*Agora* há um anúncio *oficial* da Nasa de que, pelas análises dos dados, a Voyager-1 deixou o sistema solar em *agosto de 2012* (por volta do dia 25).

Não me espantaria, porém, se, como aquelas bandas que fazem seu último show de despedida por vários anos, houver futuramente mais um anúncio de outra saída da nave de nosso sistema.

*Upideite(17/set/2013): Outra convenção a respeito dos limites do Sistema Solar é o cosmográfico. Nesse caso, a nuvem de Oort - formada por plaenetesimais orbitando em torno do centro do nosso sistema - é o limite teórico. Para essa nova saídao da Vger-1, a data é de cerca de 30 mil anos no futuro. Tempo para muitas despedidas mais.

*Upideite(26/abr/2014): Mais um quadrinho sobre as saídas da Voyager-1 de nosso sistema. Via Hypercubic fb.


Fonte: Tom Gauld.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Como é que é? - Produtos vegetais não têm colesterol?

ResearchBlogging.orgAté há pouco tempo era comum certos produtos de origem vegetal - como óleos e bebidas do tipo "leite" de soja - destacarem em seus rótulos dizeres como "não contém colesterol" ou "0% colesterol".

Em 2012, a Anvisa baixou um regulamento (RDC 34/2012 - anexo item 3.7) que determina:
"3.7. Quando a INC [informação nutricional complementar] for baseada em características inerentes ao alimento, deve ser  incluído um esclarecimento seguido à declaração, de que todos os alimentos desse tipo  também possuem essas características, com o mesmo tipo de letra da INC, com pelo  menos 50% do tamanho da INC, de cor contrastante ao fundo do rótulo e que garanta a  visibilidade e legibilidade da informação."

Assim, o "sem lactose" de uma bebida à base de soja deve vir seguida de um "como todo produto de origem vegetal".

No caso do "não contém colesterol", os fabricantes seguem o mesmo procedimento, colocando em seguida "como todo produto vegetal" - geralmente o "pelo menos 50% do tamanho" é interpretado pelas empresas como "não maior do que 50%", e como a resolução é referente ao tamanho *da fonte*, quase sempre o "NÃO CONTÉM COLESTEROL" vem em caixa alta e em negrito (enquanto o "como todo produto vegetal" vem em caixa baixa sem negrito).

Mas a rigor o "não contém colesterol como todo produto de origem vegetal" é um tanto enganoso. Por dois motivos. O primeiro é porque o "não contém colesterol", na verdade, refere-se a produtos que seguem o limite máximo de 0,5 mg de colesterol por 100 g ou 100 ml do produto (ou por porção - além de ter um máximo de 1,5 g de gorduras saturadas totais por 100 g ou 100 ml ou porção do alimento), conforme a mesma resolução. O segundo é que vegetais *têm* colesterol, ainda que normalmente em teores bem mais baixos do que produtos de origem animal.

Behrman & Gopalan (2005) observam que essa concepção errônea de que os vegetais não têm colesterol é disseminada na maioria dos livros-texto de bioquímica. E sugerem um parágrafo sobre o tema:
"More than 250 steroids have been described in plants. Of these, perhaps sitosterol, which differs from cholesterol by an ethyl substituent at position 24, is the most common. But plants also contain cholesterol both free and esterified. Cholesterol occurs as a component of plant membranes and as part of the surface lipids of leaves where it is sometimes the major sterol. The quantity of cholesterol is generally small when expressed as percent of total lipid. While cholesterol averages perhaps 50 mg /kg total lipid in plants, it can be as high as 5 g/ kg (or more) in animals."
["Mais de 250 esteroides foram descritos em plantas. Destes, talvez o sitosterol, que difere do colesterol por um substituinte etil na posição 24, seja o mais comum. Mas as plantas também têm colesterol tanto livre como esterificado. O colesterol está presente como um componente das membranas vegetais e como parte dos lipídios de superfície das folhas, onde, à vezes, é o esterol principal. A quantidade de colesterol geralmente é pequena quando expressa em percentual do total de lipídios. Enquanto nas plantas o colesterol, em média, corresponde a 50 mg por kg de lipídios totais, ele pode ser tão alto quanto 5 g/kg (ou mais) nos animais."]

Normalmente, nada que cause problemas para a saúde. A recomendação de ingestão diária de colesterol é não ultrapassar os 300 mg. Considerando a dieta média do brasileiro (segundo a Pesquisa de Orçamento Familiar 2008/9 do IBGE), isso equivale a uma ingestão diária média de cerca de 250 mg de colesterol de origem animal (entre carnes, ovos, leite e derivados) e cerca de 0,5 a 1 mg de colesterol de origem vegetal.
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O total de esterois de plantas (fitoesterois) consumido diariamente na dieta humana varia de 167 a 437 mg (mesmo uma dieta vegetariana obtém, no máximo, 700 mg/dia). Um efeito benéfico de redução de cerca de 10% nos níveis séricos de colesterol é observado com uma ingestão diária de 2g (Ostlund 2002) - ou seja, seria necessária uma suplementação alimentar para o efeito.

Em insetos fitófagos é observada a conversão de fitosterois em colesterol (e.g. Clark & Bloch 1959), mas não em ratos (Swell & Tradwell 1961).

Em indivíduos com mutação nos genes ABCG5 ou ABCG8 sofrem de uma condição conhecida como sitosterolemia - um nível elevado de sitosterol no sangue circulante (de 30 a 100 vezes maiores do que os valores normais). Usualmente, apenas uma pequena fração dos fitosterois presente na dieta acaba sendo absorvido pelo organismo (algo como 20% dos campesterois e menos de 5% dos sitosterois - Behrman & Gopalan 2005): a maior parte é seletivamente bombeada de volta à luz intestinal pelos enterócitos (os genes mutados na sitosterolemia codificam transportadores de membrana). O excesso de sitosterol leva à formação de placas de gordura nas artérias - aterosclerose -, e também na pele e tendões (xantomas) o que pode levar ao infarto (Berge et al. 2000). É uma condição genética rara, estima-se que a prevalência seja de 1 em 50.000 pessoas.
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Referência
Behrman, E.J., & Gopalan,V. (2005). Cholesterol and Plants Journal of Chemical Education, 82 (12) DOI: 10.1021/ed082p1791

Berge KE, Tian H, Graf GA, Yu L, Grishin NV, Schultz J, Kwiterovich P, Shan B, Barnes R, & Hobbs HH (2000). Accumulation of dietary cholesterol in sitosterolemia caused by mutations in adjacent ABC transporters. Science (New York, N.Y.), 290 (5497), 1771-5 PMID: 11099417

Clark, A.J., & Bloch, K. (1959). Conversion of Ergosterol to 22-Dehydrocholesterol in Blattella germanica Journal of Biological Chemistry, 234, 2589-2594

Ostlund, R.E. Jr (2002). Phytosterols in human nutrition Annual Review of Nutrition, 22, 533-549 : 10.1146/annurev.nutr.22.020702.075220

Swell, L., & Treadwell, C.R. (1961). Metabolic Fate of Injected C14-Phytosterols Experimental Biology and Medicine, 108 (3), 810-813 DOI: 10.3181/00379727-108-27076

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Entrevista com um historiador: Danilo Albergaria

Historiador formado pela Unimep, com especialização em Jornalismo Científico pelo Labjor/Unicamp e professor da rede pública de Campinas, Danilo Nogueira Albergaria Pereira defendeu recentemente sua dissertação de mestrado (também pelo Labjor/Unicamp) intitulada "A Visão de Ciência Propagada por Carl Sagan".

E é sobre essa pesquisa que o GR entrevistou por email o historiador, a quem agradeço imensamente pela gentileza em responder.

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GR. Como foi seu primeiro contato com a obra de Carl Sagan? Você acompanhou o trabalho acadêmico dele também?

DA. Li meu primeiro livro de Sagan relativamente tarde. Eu tinha uns 18 anos e ganhei de presente do meu pai o livro póstumo Bilhões e Bilhões, que era lançamento. Eu havia lido A Dança do Universo, do Marcelo Gleiser, um livro de que gostei muito. Em discussões sobre esse livro, alguns amigos que já haviam lido Sagan me recomendaram a sua obra. Eu só o conhecia de nome, principalmente pela fama que sua série Cosmos ainda tinha. Meu pai diz que eu assistia à série com ele quando criança pequena mas, claro, não me lembro.

Logo, me apaixonei pela obra de Sagan depois de ele ter morrido e não pude acompanhar seu trabalho acadêmico.

GR. Qual o aspecto que você considera o mais importante do trabalho de divulgação científica de Sagan?

DA. Para mim, há dois aspectos fundamentais.

Primeiro, as obras de divulgação de Sagan consistem na abertura de uma janela para a percepção pública do potencial humanista e democrático contido na abordagem racional científica. Ainda há preconceitos muito arraigados que representam a ciência e a própria racionalidade como formas frias, desumanas ou imorais de resolver os dilemas que encontramos. Ao mesmo tempo, as sociedades modernas estão mergulhadas numa relação de subserviência e reverência à ciência e, por isso, a recepção de suas descobertas e construções teóricas ocorre frequentemente de maneira acrítica e irrefletida. Conta muito para isso a falta de disseminação de informações sobre como o conhecimento científico é produzido, como uma hipótese pode ser testada, como e porque uma teoria atualmente aceita é a melhor opção em comparação com outras. Também são muito pouco exploradas as implicações sociais e políticas da ciência, suas limitações e becos sem saída. Nesse estado de coisas, o público acaba ficando com duas imagens contraditórias e igualmente caricatas da ciência. Muito do que Sagan escreve parece ter o intuito de desfazer esses perigosos mal-entendidos e propor um ponto de vista em que a ciência e a razão emergem como forças libertadoras e emancipatórias, permanecendo como a melhor aposta para a diminuição do sofrimento humano e dos abusos de poder.

O segundo aspecto fundamental é que a clareza da linguagem e o apuro estético dos textos de Sagan continuam insuperáveis na tarefa de despertar nos leitores um sentimento de admiração e êxtase com a realidade descortinada pela ciência, com espantosos fatos – coisas que sabemos com razoável segurança – como a existência de 100 bilhões de galáxias com centenas de bilhões de estrelas, ou o abismo de tempo que nos precede, ou a vida microscópica, ou a genética, ou a energia nuclear. Há quem trate com desdém os conhecimentos científicos, necessariamente falhos, imprecisos e incompletos, sobre esses aspectos da realidade (sem mencionar os outros tantos que serão objetos da ciência no futuro, dos quais sequer podemos fazer ideia)**. Há quem negue a essa visão a capacidade de progredir, de nos permitir saber mais, conhecer aspectos da realidade que ainda ignoramos, aprimorar ou modificar o que já conhecemos. E há quem veja na diversidade de povos e culturas apenas uma sucessão de visões de mundo estanques, sem tradução ou comunicação possível, como se cada visão de mundo codificasse de maneira diferente tudo o que fosse passível de ser conhecido pelo ser humano. Nesse último ponto de vista, cada visão de mundo aprisiona a forma como vemos a realidade, como se habitássemos pequenos aquários. Por isso, para mim, nessa visão a aventura do conhecimento não faz o mínimo sentido. Na visão defendida por Sagan e tantos outros, o mundo é um oceano aberto e a ciência é uma forma eficaz de explorá-lo. Sagan foi responsável por apresentar essa visão e sua estética a milhões.

GR. Que outros autores destacaria e por quais qualidades?

DA. Por mais que, hoje, seja muito fácil criticar Richard Dawkins e desdenhar de sua visão de mundo, sua obra de divulgação é cheia de passagens brilhantes. Dawkins apresenta o ponto de vista materialista neodarwiniano com clareza e estilo difíceis de superar. Os capítulos de abertura de Desvendando o Arco-Íris, por exemplo, são inesquecíveis ao conectar a visão de mundo ateísta à plena possibilidade de satisfação simbólica do indivíduo, e lembra muito os melhores momentos de Sagan.

Os livros e ensaios de Stephen J. Gould, se não superam, chegam a igualar os de Sagan em termos estilísticos e impressionam pela erudição, mas talvez tenham menos penetração no público mais jovem e menos afeito a um estilo ensaístico mais maduro. Seus textos são geniais. Qualquer pessoa interessada em perceber como a ciência nunca existe isoladamente e sempre esteve entremeada por diversas dimensões culturais, morais e religiosas, deveria ler seu livro Seta do Tempo, Ciclo do Tempo. Sob esse aspecto, sua obra tem maior estatura que a de Sagan.

Os livros do Marcelo Gleiser são bem escritos e merecem ser considerados por alguém que queira começar a ter contato com livros de divulgação, como foi o meu caso com A Dança do Universo. Dos que estão tendo destaque há pouco tempo, lembro que Brian Cox faz um trabalho bastante decente na BBC, embora seu tom seja um pouco exagerado em tentar transmitir a admiração com o universo – algo que Sagan fazia com mais naturalidade. Também para a BBC, Jim Al-Khalili fez um excelente documentário sobre cosmologia, Everything and Nothing, e sua abordagem parece destinada a um público mais maduro do que a de** Cox. Neil de Grasse Tyson tem uma forma de falar mais magnética que a de Sagan e transmite um entusiasmo genuíno com a astronomia. Espero ansiosamente por sua continuação de Cosmos. Phil Plait, o Bad Astronomer, é um excelente blogueiro e seu livro Death from the Skies é um dos mais divertidos que li nos últimos tempos. Para qualquer divulgador, escrever bem, com clareza e simplicidade, parece ser um pré-requisito.

GR. Que pergunta você gostaria de ter tido oportunidade de fazer a Sagan? Por quê?

DA. Acho que eu teria perguntado: “se você soubesse que não encontraria evidências de vida extraterrestre durante toda a sua carreira, ainda assim teria se dedicado a pesquisas quase sempre muito próximas ao tema?” O motivo é que ele parece ter (erroneamente) percebido desde cedo que a grande descoberta de seu tempo seria a da vida extraterrestre. Embora o assunto tenha genuinamente motivado Sagan a perseguir uma carreira científica, eu gostaria de saber o quanto seus interesses científicos dependeriam da perspectiva de fazer uma descoberta estonteante ou não. Provavelmente, a resposta seria um meio-termo: ele obviamente tinha um interesse genuíno na questão e, ao mesmo tempo, mirava a descoberta que poderia colocar seu nome na galeria de grandes descobertas da história. Em suma, o desejo de saber não estaria desconectado da vaidade.

GR. Uma pergunta feita por um leitor do GR [reformulei o enunciado, espero não ter distorcido muito a questão - para comparação, ao final desta postagem reproduzo a formulação original da pergunta*]: "A obra de divulgação do Sagan não induz as pessoas a pensarem que a ciência é a única forma de produção de conhecimento válido?"

DA. O que a obra de divulgação de Sagan pode induzir no leitor é a percepção de que a ciência é a melhor forma de produção de conhecimento, não a única. Mesmo assim, na obra de Sagan, ciência é um termo interpretado em sentido bastante amplo. Não há em seus livros uma defesa de alguma idealização ou formulação sintética de algum conjunto de práticas chamado método científico. Simplificadamente, o que ele chama de ciência é um prosaico amálgama de imaginação livre, abertura à crítica e pendor para a experimentação e a observação. A ciência moderna, por exemplo, não aparece como detentora exclusiva dessa maneira de pensar.

GR. E a pergunta mais importante: se Sagan fosse campineiro, ele seria Bugre ou Macaca?

DA. Obviamente, Sagan seria pontepretano. Conhecendo sua postura política, bastaria que ele soubesse a história da Ponte – time pioneiro em aceitar negros num esporte elitista, teve seu estádio erguido com a ajuda dos braços e dos recursos da própria torcida – para que virasse um macaco de alambrado.
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Veja também a palestra de Danilo Albergaria para alunos do curso de especialização em Jornalismo Científico do Labjor/Unicamp proferida no último dia 26/ago/2013.

*Obs: Formulação original da pergunta enviada por Nayton Claudinei Vicentini: "Conheci Carl Sagan ainda muito novo, sua forma de apresentar o conhecimento é surpreendente, mas de certa forma ao assisti a serie cosmos percebi que nela ela deixa claro que a única forma que conhecimento valido é a que tem o crivo científico. Com essa capacidade de comunicação poderia ele nos induzir a acreditar que a ciência é uma forma de conhecimento valido?"

**Upideite(06/seg/2013): Alterações realizadas a esta data a pedido do entrevistado.

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