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segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Ciência: a longa (longa) marcha 3

Ao contrário da segunda edição, desta vez houve um pouco mais de tempo para uma organização mais digna desse nome para a marcha, um pouco mais de um mês (contra os quatro dias daquela).

Devido ao meu grau de envolvimento pessoal nesta edição (na primeira não participei em nada da organização - fui inicialmente como participante e literalmente no meio do caminho me converti a repórter; na segunda, apenas tentei iniciar os preparativos e depois saí em desesperada tentativa de divulgação), não pretendo fazer um relato pormenorizado - seria mais um ato de propaganda do que de descrição mais fiel dos fatos.

Deixo aqui apenas alguns registros da manifestação e uma ou outra observação.

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3a Marcha pela Ciência.
08 de outubro de 2017. Avenida Paulista. São Paulo/SP.

(Crédito: autoria própria.)

*Pelo vídeo dá pra ver que o tamanho do público é maior, e bem, do que o reportado em alguns sites noticiosos, né, O Globo?* No vídeo, o cone de sinalização fornece uma boa referência dimensional - sua altura é de 75cm. Conta de engenheiro. Levaram cerca de 7 segundos pra atravessar a faixa. A faixa tem cerca de 4 metros, então dá uma velocidade média de cerca de 2km/h da caminhada. São cerca de 3 minutos pro cortejo passar, que dá cerca de 103 m de comprimento da passeata. Com uma distância média 80 cm entre as fileiras, são umas 129 fileiras de pessoas. Sendo cerca de 10 pessoas por fileira, teremos cerca de 1.290 manifestantes. Com uma propagação de erros nas coxas diria que: 1.290,0±193.5 presentes seria uma estimativa razoável. Ou, mais condizente com a precisão possível: M = 1.300±200 [IC95%: 900-1.700]. Não fosse a forte chuva pela manhã, talvez tivéssemos um número até maior. Mas, felizmente, não choveu durante o evento como era a previsão (um participante da Marcha pela Ciência torcendo contra uma previsão científica, sim).

*No meio do deslocamento, cruzamos com duas outras manifestações de outra natureza - e bem menores numericamente (felizmente, dada a natureza de pelo menos uma delas). Segundo relatos - que reputo confiáveis - houve provocações por parte dos integrantes dessas outras manifestações (uma delas eu vi, na verdade; mas eram provocações sem sentido, já que não éramos contrários à religião deles; já da religião de outra, que pedia golpe militar, queríamos distância) em direção à marcha pela ciência, mas não houve incidentes de qualquer um querer comprar briga (no máximo, alguma devolução verbal de provocação). A polícia, na primeira passagem por uma das manifestações que vinha pela outra pista da Paulista, chegou a formar um cordão ao longo do canteiro central da avenida. A presença dessas outras manifestações não chegou a frustrar a realização da Marcha pela Ciência, mas obrigou a um desvio do percurso na volta.

*Houve um certo número de pessoas que acabaram chegando já depois que o pessoal havia se dispersado - pouco depois das 16h30.

*A Banca da Ciência fez sucesso e acabou ficando até mais tarde - umas 18h - pra atender o público.
Crédito: Paulo Borges/Banca da Ciência.
*As palavras de ordem que achei as melhores: "Sem ciência é zika", "Sem ciência a terra é chata". Tem um duplo sentido que é verdadeiro (ou quase) nos dois casos, é curto e fácil de entender.

*Mesmo que possamos considerar esta marcha bem sucedida (há gente ainda reclamando do tamanho de participação alcançada), ela com certeza não é o fim. A marcha ainda é longa, muito longa, o primeiro alvo é tentar evitar mais cortes ainda no orçamento da ciência e educação. Hoje, a SBPC e associadas participaram de uma audiência pública no Congresso para mais recursos para a área. A marcha, especialmente em São Paulo, não é uma reivindicação salarial - a maioria dos professores continuam a receber seus salários - o risco é de não haver mais verba pra pesquisa: para bolsas dos alunos e dinheiro para equipamentos e suprimentos. Em São Paulo, os institutos de pesquisa estão com um quadro que não é renovado há um bom tempo e que vem sendo reduzido mais e mais com a ausência de novos concursos e aposentadoria dos antigos pesquisadores.

*A marcha precisa do apoio de um amplo setor - dentro e fora da academia. Nesta edição esteve presente, por exemplo, a SOS Mata Atlântica.
*A necessidade de integrar uma diversidade de atores implica também em aceitar e conviver com uma diversidade de visões. O que cria também algumas tensões. Num cenário de polarização, temos que reaprender a conviver com as diferenças de opinião (sim, excetuando-se as bizarrices criminosas dos fascistas). Esse enfrentamento, se mantido em um nível respeitoso, é até saudável. Havia divergência desde quanto a cor da camisa (a organização sugeriu - sugeriu, não impôs como condição para participação na marcha - uma cor escura, mas havia quem quisesse cor clara e manifestando contrariedade nos comentários dos canais de comunicação da organização do evento) até detalhes de pauta (a pauta geral do evento foi necessariamente limitada e sem grandes detalhamentos pela necessidade de poder congregar o maior número possível de frentes).

*Se há necessidade de se tirar lições disso, é exatamente das discordâncias em vários aspectos entre os participantes e o fato de a Marcha ter ocorrido sem incidentes maiores. É uma demonstração de que essa divergência respeitosa é possível, especialmente em nome de um objetivo em comum. Não precisamos concordar em tudo, não precisamos abafar essa divergência; basta apenas cultivar o respeito mútuo e estar disposto a dialogar civilizadamente. Ao diálogo, então. E mais protestos.

*Claro que terá ainda havido falhas na organização. Estamos melhorando. Ainda que faltem recursos, tudo é um processo de aprendizagem. Ouvir as críticas, aprender com elas também é parte dessa aprendizagem. (Bem como descartar as críticas desinformadas. Se acha 1.200 pessoas ainda muito baixo, ok, podemos discutir isso; mas reclamar que apenas 200 apareceram, não.)

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Veja a cobertura da imprensa:
Estadão (08/out/2017): Marcha pela Ciência reúne cerca de mil pessoas na Avenida Paulista (Cuidado! contém paywall poroso!)*
Folha (08/out/2017): Pesquisadores e estudantes marcham na Paulisa contra cortes na ciência (Cuidado! contém paywall poroso!)

À medida que saírem relatos dos participantes em seus canais de divulgação científica, acrescento a esta postagem.

Alô, Ciência? (10/out/2017): Por que marcham os cientistas?
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Obs: Com muito afinco - envolvendo troca de mensagens até de madrugada em várias ocasiões -, grande parte do sucesso desta terceira edição é para ser creditada ao trio que comandou também os preparativos da primeira: Dayane Machado, Flávia Virginio e Natalia Pasternak Taschner.
The Powerpuff Girls: created by Craig McCracken/©1998- Cartoon Network.
Figura 1. Núcleo central da organização da 3a. Marcha pela Ciência. Da esquerda para a direita: Flávia Virginio, Natalia Pasternak Taschner, Dayane Machado.

Só um exemplo do que elas fizeram. Um pouco antes do dia do evento, lanço verde para elas a ideia de convidarmos os nobelistas que assinaram a carta para o presidente sobre a crise na ciência brasileira para fazerem um vídeo para a Marcha. Em vez de inventarem uma desculpa de que seria complicado, de que eles diriam não (o que era bem provável - afinal, quem éramos nós?), que havia pouco tempo (todas desculpas razoáveis, ainda mais que estão muito ocupadas com outras tarefas acadêmicas)... elas compraram isso de modo entusiástico. Em poucos minutos - no meio da noite já! - prepararam um texto em inglês e enviaram para 22 dos signatários (de um deles - um nonagenário - não conseguimos obter o endereço eletrônico) um email com o pedido. Sim, esse foi o tamanho da nossa cara de pau. Alguns responderam e, como previsto, declinaram (o que é mais do que compreensível, e somente a delicadeza de responder já mostra que se trata de outro nível). Mas eis que ninguém menos do que Claude Cohen-Tannoudji, um dos vencedores do Nobel de Física em 1997, e o principal abaixo-assinado da carta aberta, faz um vídeo falando sobre a preocupação deles com a ciência do Brasil. Aí corre fazer a tradução pra publicar. O vídeo era pesadinho, ainda que curto (dá pra notar pela qualidade da imagem, embora o áudio sofra um pouco). Tentei subir a legenda, mas falhei miseravelmente (o facebook não me deixou subir o arquivo srt). O Luciano Queiroz, do Dragões de Garagem, renderizou outro vídeo com legendas incluídas, e subimos para a página da Marcha pela Ciência - São Paulo.

Claro que um evento deste tamanho envolveu o trabalho de muita gente, mas seria complicado listar aqui toda e cada contribuição. A começar pelos que contribuíram ao Catarse (um sucesso que superou a meta - a propósito, de todo modo ainda é possível contribuir: os valores que sobrarem depois da fatura das despesas serão transferidos para um fundo gerido pela Aciesp para utilização em outros eventos pró-ciência), aos que assinaram o Manifesto pela Ciência, aos que ajudaram na divulgação, aos que fizeram a distribuição do material de divulgação, etc, etc. Além claro de todo o restante do pessoal da organização e coordenação.
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*Upideite(10/out/2017): Há erro também na matéria de O Globo quando informa que a SBPC organizou. A SBPC apoia a marcha, mas não organiza. As instituições realizadoras foram a Aciesp e a APqC. O Estadão cometeu erro complementar, atribuiu a organização à SBPC e à APqC - incluiu a SBPC incorretamente e omitiu a Aciesp.

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