Lives de Ciência

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sábado, 23 de abril de 2011

Hey, Hubble: a imagem mais fantástica do Universo

O telescópio espacial Hubble (HST) homenageia em seu nome um dos maiores da astronomia: Edwin Hubble. Hubble, o astrônomo, entre outras coisas, estabeleceu que a Via Láctea era apenas uma dentre diversas outras galáxias, criou um sistema de classificação de tipos galáticos e descobriu uma relação entre a distância das galáxias e a velocidade de afastamento (conhecida como Lei de Hubble). A lei de Hubble - junto com outros detalhes - terminaria por nos indicar que o Universo teve um começo no tempo e sua idade era de bilhões de anos (atualmente estima-se que seja de 13,7 bilhões de anos).

O telescópio faria jus ao nome. Nestes 21 anos de operação - que começou com um fiasco: defeito em seu espelho impedia a observação nítida de objetos muito distantes (o aparato era míope). Parecia um elefante branco espacial de 1 bilhão de dólares. Uma missão de conserto, porém, conseguiu acoplar um sistema óptico de compensação e, a partir disso, não pararam de chegar imagens espetaculares do Universo.

Uma descoberta com base nos dados do telescópio Hubble que podemos colocar no nível das do astrônomo Hubble é que o Universo na verdade está *acelerando* sua expansão.

Mas são mesmo as imagens de alta resolução de objetos e fenômenos espaciais: nuvens estelares, galáxias, supernovas... que tem cativado o público. (Por um bom tempo, da pouco mais de meia página diária que o jornal Folha de São Paulo dedicava às Ciências, mais da metade era ocupada por uma bela imagem - quase sempre do HST.) Para mim, a mais espetacular é uma imagem do campo profundo mostrando as galáxias mais distantes observadas opticamente até então (isto é, por meio da luz visível emitida pelas galáxias).


Algumas das galáxias da imagem aparecem em um estado de quando o Universo tinha menos de 1 bilhão de anos de idade.

Olhando fixamente na imagem e tentando entender pela primeira vez a distância no espaço e no tempo que ela trazia e o fato da tecnologia ter conseguido nos fazer ver causou-me uma comoção profunda. Um sentimento de arrebatamento. Minha cabeça explodiu, parecia que todas as sinapses fervilhavam. E eu me senti tão intimamente unido não apenas àqueles pontos luminosos tão distantes, mas a todo o cosmo e a toda a Terra.

Chame de experiência mística se quiser, mas foi uma sensação como poucas vezes havia experimentado e voltei a experimentar (era a segunda vez que percebia e sentia essa comunhão cósmica de estar verdadeiramente integrado à toda ordem e caos do Universo). Sei que não é algo que eu poderei fazer alguém vivenciar com meras palavras - e deve ser melhor assim. Não é tampouco um sentimento que desperte em mim toda vez que olho a imagem.

Mas para a minha experiência privada essa imagem simboliza o quanto a ciência pode, ao contrário do que reza ladainha (re)corrente, tocar um ser humano (ei, eu sou um, ok? :p), emocioná-lo, comovê-lo, iluminá-lo, encantá-lo, maravilhá-lo, instigá-lo, cativá-lo, libertá-lo, transformá-lo.

Eu só tenho a dizer: obrigado, Hubble, excelente trabalho.*

E você, solitário(a) leitor(a) deste blogue, qual das imagens científicas foi mais marcante?

*Obs: naturalmente o Hubble aqui, o telescópio, representa toda a equipa de cientistas e engenheiros que o projetaram, lançaram, corrigiram, operaram, bem como os que analisaram e interpretaram os dados; mais ainda toda a geração anterior de mulheres e homens - Hubble, o astrônomo, incluído - que construíram o conhecimento necessário para que o HST pudesse ser posto em órbita e produzir essas maravilhas.
Obs2: esta postagem foi inspirada em um tweet do Prof. Dulcidio, do Física na Veia. Uma imagem da Terra (crescente ou minguante?) vista da Lua (claro, não é do Hubble): mostrando muito bem o que Buzz Aldrin chamou de "magnífica desolação" ("magnificent desolation").

Upideite(27/set/2012): O HST produziu ainda as imagens de campo ultraprofundo em 2004 e de campo extremamente profundo agora em 2012.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Macacos me mordam: a confusão de 'ape' e 'monkey'

Já comentei anteriormente sobre a questão da tradução de 'ape' e 'monkey'. (Os próprios anglófonos são bem ciosos quanto à questão: uma postagem de Martin Robbins do The Lay Scientist sobre o tema, a resposta de Paolo Viscardi no Zygoma e também de John S. Wilkins no Evolving Thoughts*.)

Mas a boa nova que representa uma grande oferta atual de títulos de divulgação científica em português, torna esse problema mais patente. (Boa parte dos livros são traduções de originais em inglês e a fatia dedicada à biologia humana e evolução é, também felizmente, bem generosa.)

Vejamos alguns casos e como os tradutores tentaram solucionar (destaques em cores meus):
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With primates one is on more familiar ground. As the primatologist John Mitani has written, 'You cannot look closely at a great ape and fail to sense something very special'. It is the ultimate vanity: we are sensing ourselves. Some seventeen million years ago, during the Miocene period, there existed at least three times as many ape genera as today. Their surviving descendants are the lesser apes, or gibbons; the great apes (oragutans, gorillas, chimpanzees and bonobos); and humans, last of the Hominidae. All great apes appear to display linguistic abilities that come close to what we understand as true 'language', principally because the concept itself is anthropocentric."
Pp. 25-6.
Fischer, S.R. 2004. History of Language. Reaktion Books. 204 pp.

No caso de primatas, o terreno é mais familiar. Como escreveu o primatologista John Mitani: 'Você não consegue olhar de perto um grande primata sem sentir algo muito especial'. É o extremo da vaidade: percebemos nós mesmos. Cerca de dezessete milhões de anos atrás, durante o período mioceno, havia pelo menos três vezes mais gêneros de macacos do que hoje. Seus descendentes são os pequenos primatas ou gibões; os grandes primatas (orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos); e os seres humanos, o último dos hominídeos. Todos os grandes primatas parecem exibir habilidades linguísticas que chegam perto daquilo que entendemos por verdadeira 'linguagem', principalmente devido a seu conceito antropocêntrico."
Pp. 30-1.
Fischer, S.R. 2009. Uma breve história da linguagem. Novo Século. 302 pp.

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"Nowadays, scientists not only think we resemble apes. We include ourselves within the apes, specially the African apes. We emphasise, by contrast, the distinctness of apes, including humans, from monkeys. To call a gorilla or a chimpanzee a monkey is a solecism. It has not always been so. In former times, apes were frequently lumped with monkeys, and some of the early descriptions confused apes with baboons, or with Barbary macaques, which indeed are still known as Barbary apes. More surprisingly, long before people thought in terms of evolution at all and before apes were clearly distinguished from each other or from monkeys, great apes were often confused with humans. Agreeable as it would be to approve this apparent prescience of evolution, it unfortunately may owe more to racism. Early white explorers in Africa saw chimpanzees and gorillas as close kin only to black humans, not to themselves. Interestingly, tribes in both South East Asia and Africa have traditional legends suggesting a reversal of evolution as convetionally seen: their local great apes are regarded as humans who fell from grace. Orang utan means 'man of the woods' in Malay." P. 109
Dawkins, R. & Wong, Y. 2005. The Ancestor's Tale: A Pilgrimage to the Dawn of Evolution. Houghton Mifflinf Harcourt. 673 pp.


"Hoje em dia os cientistas não apenas acham que somos semelhantes aos grandes primatas. Nós nos incluímos entre os grandes primatas, e especificamente entre os grandes primatas africanos. Enfatizamos, em contraste, que os grandes primatas, incluindo os humanos, se distinguem dos macacos. Chamar um gorila ou chimpanzé de macaco é solecismo.

Nem sempre foi assim. Antigamente, era comum achar que grandes primatas e macacos eram a mesma coisa, e algumas das primeiras descrições confundiam grandes primatas com babuínos, ou com macacos-de-gibraltar (
Macaca sylvanus), esses últimos ainda hoje conhecidos em inglês como Barbary apes.* Mais surpreendente é o fato de que, muito antes de a evolução estar em pauta, e antes de os grandes primatas serem distinguidos uns dos outros e dos macacos, era comum confundir grandes primatas com humanos. Por mais que seja agradável aprovar essa aparente presciência da evolução, infelizmente ela talvez se deva mais ao racismo. Os primeiros exploradores brancos na África consideravam os chimpanzés e gorilas parentes próximos apenas dos humanos negros, e não de si mesmos. É interessante mencionar que tribos do Sudeste Asiático e da África têm lendas tradicionais que sugerem uma inversão da evolução como ela é convencionalmente vista: seus grandes primatas são vistos como humanos que caíram em desgraça. 'Orangotango', em malaio, significa 'homem da floresta'.

*Ape, em inglês, designa os primatas antropoides e, em especial, os grandes primatas não humanos: chimpanzé, bonobo, gorila, orangotango. (N.T.)"
Pp. 141-2.
Dawkins, R. & Wong, Y. 2009. A grande história da evolução: na trilha de nossos ancestrais. Cia. das Letras, 792 pp. (Grato ao Samir Elian e Bruno Rafael Santos pela ajuda com a versão traduzida.)------------------

Queria ilustrar com mais alguns exemplos, infelizmente estou sem acesso agora aos demais livros em que o tradutor utiliza soluções diferentes para se referir a "apes" e "monkeys". Na tradução de "The Naked Ape", de Desmond Morris, apesar de no título se referir a "O Macaco Nu", usam-se, respectivamente, "símios" e "macacos".

Como disse na outra postagem, em português, "símios" e "macacos" são a mesma coisa. O mesmo se aplicando a "mono" e "mico" (embora, no Brasil, haja uma tendência a se usar "mico" mais para saguis - com exceções como a expressão "ser mico de circo"). Primatas é um termo mais técnico e designa todo o grupo de organismos que inclui não apenas humanos, chimpanzés, gorilas, babuínos, micos-leões... como também lêmures, gálagos e társios.

"Grandes macacos", "grandes primatas" e "grandes símios" podem ser utilizados de modo intercambiável (mas não é exatamente o equivalente de "apes", mas sim de "great apes"; pois há os "lesser apes" - que são os gibões e parentes próximos). Porém, "pequenos macacos" é diferente de "pequenos primatas" e não equivale a "lesser apes". "Pequenos macacos" incluiria não apenas gibões e parentes próximos, mas também macacos do Novo Mundo, mandris, babuínos, resos, cólobos e outros. "Pequenos primatas" seria ainda pior, pois incluiriam os lêmures, os gálagos e os társios. (Veja a Tabela 1, que procura organizar as equivalências - e a falta delas - dos termos. Observe que a "nota do tradutor" de "A grande história da evolução" não é correta ao igualar "apes" a "macacos antropoides", os antropoides são sinônimos de "macacos", correspondente aos Simiiformes.)


Tabela 1. Síntese dos nomes técnicos e populares de grupos de primatas. Células coloridas: nomes populares correspondentes a grupos monofiléticos. (Clique sobre a imagem para vê-la ampliada.)

Precisamos com certa urgência criar um equivalente em língua portuguesa para o termo "ape". O termo técnico correspondente seria hominoideos - mas nem sempre se aplica exatamente. Em muitos contextos, o autor poderá usar "ape" excluindo humanos (hominoides não-humanos); e para se referir ao contexto em que inclui os "Barbary apes"?

Proponho tentativamente "macacos sem cauda". Não será totalmente preciso, já que haverá macacos sem cauda que não serão considerados do grupo "macacos sem cauda"; mas até aí, carnívoros como grupo de mamíferos (Carnivora) não inclui todos os organismos carnívoros (e.g. jacarés) e inclui organismos que não são exclusivamente carnívoros (e.g. o panda).

Uma solução precisa ser encontrada senão a confusão nos livros de divulgação - e até em literatura técnica - poderá tornar a coisa bastante confusa (mais do que já está).

*Upideite(26/abr/2011): Adido a esta data.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Documento GR: Divulgação Científica

Aqui manterei a compilação das postagens da série "Divagação Científica: Divulgando Ciências Cientificamente" com anotações de estudos sobre Compreensão Pública de Ciências e estratégicas de aculturação científica.

Não são as postagens de maior sucesso de visitação nem de comentários, mas particularmente acho que se constituem na principal contribuição (beeeeeeeem modesta, é verdade) do GR à divulgação científica.

1 Taxonomia da comunicação sobre ciências.
2 Teoria da informação de Shannon e divulgação científica.
3 Alberguini, AC. 2007. A ciência nos telejornais brasileiros: o papel educativo e a compreensão pública das matérias de CT&I. Tese de doutorado – Comunicação Social. Universidade Metodista de São Paulo. 300 pp.
4 Rosa, Katemari & Martins, Maria Cristina. 2007. O que é alfabetização científica, afinal? In: XVII Simpósio Nacional do Ensino de Física, 2007, São Luís, MA. Anais do XVII Simpósio Nacional do Ensino de Física, 2007.
5 Carvalho, A. 1999. A comunicação científica pública e o jornalismo científico: conceitos e funções.
6 Macedo-Rouet, M.; Rouet, J-F; Epstein, I & Fayard, P. 2003. Effects of Online Reading on Popular Science Comprehension. 25: 99-128.
7 Substituição de erros conceituais e aprendizagem científica. Vários trabalhos.
8 Ficção científica e alfabetização científica. Vários trabalhos.
9 Ficção científica e alfabetização científica. Vários trabalhos.
10 Ficção científica e alfabetização científica. Vários trabalhos.
11 Kouper, I. 2010. Science blogs and public engagement with science: practices, challenges, and opportunities. Journal of Science Communication 9(1): 1-10.
12 (1/2) Miller, J.D. 2004. Public understanding of, and attitudes toward, scientific research: what we know and what we need to know. Public Understand. Sci. 13: 273-94.
12 (2/2) Miller, J.D. 2004.
13 Trench, B. 2008. Towards an analytical framework of science communication models. In Cheng, D. et al. (eds.) Communicating science in social contexts: new models, new practices. Springer Netherlands. 320 p. Pp: 119-38.
14 (1/2) Burns, T.W.; O'Connor, D.J. & Stocklmayer, S.M. 2003. Science communication: a contemporary definition. Public Understanding of Science 12: 183-202.
14 (2/2) Burns, T.W.; O'Connor, D.J. & Stocklmayer, S.M. 2003.
15 Katz-Kimchi et al. 2011. Gauging public engagement with science and technology issues. Poroi 7(1).
16 Cooper, B.J.E. et al. 2011. The quality of the evidence for dietary advice given in UK national newspapers. Public Understanding of Science 20(3) & Vestergård,G.L. 2011. From journal to headline: the accuracy of climate science news in Danish high quality newspapers. Journal of Science Communication 10(2).
17 Corbett, J.B. & Durfee, J.L. 2004. Testing Public (Un)Certainty of Science: Media Representations of Global Warming. Science Communication 26(2): 129-51.
18 Nisbet, M.C. 2009a. Framing science: a new paradigm in public engagement. In: Kahlor, L.A. & Stout, P.A. (orgs.). Communicating Science: New Agendas in Communication (New Agendas in Communication Series). Chapter 2. Pp: 40-67.
19 Bertolli Filho, C. 2006. Elementos fundamentais para a prática do jornalismo científico. Recensio.
20 Bauer, M.W. 2009. The evolution of public understanding of science - discourse and comparative evidence. Science, technology and society, 14 (2). pp. 221-240.
21 Glavan, E. & Cernat, A. 2010. Scientific literacy , attitudes towards science, religiosity and superstitious beliefs in the Romanian context. Science and the Public London 2010.
22. Allum, N. et al. 2008. Science knowledge and attitudes across cultures: a meta-analysis. Public Understanding of Science 17(1): 35-5.
Extra-1. Devemos divulgar ciências sem usar números? Estudo de Van der Linden et al. 2015 com o efeito de porteira de crença sugere que não.
23. Allen & Preiss 1997. Comparing the persuasiveness of narrative and statistical evidence using meta‐analysis. Communication Research Reports 14(2); Zebregs et a. 2014. The differential impact of statistical and narrative evidence on beliefs, attitude, and intention: A meta-analysis. Health Communication e Allen et al. 2000. Testing the persuasiveness of evidence: combining narrative and statistical forms. Comunication Research Reports 17(4).
24. Macnaghten, P. 2013. The future of science governance: publics, policies, practices. Pp: 31-48. In: Vogt, C. et al. (orgs.) Comunicação e Percepção de Ciência e Tecnologia (C&T). De Petrus et Alii. 180 pp. e Rowe, G. & Frewer, L.J. 2005. A typology of public engagement mechanisms. Science, Technology, & Human Values 30(2): 251-90.
25 (1/2). Lewandowsky et al. 2012. Misinformation and its correction: continued influence and successful debiasing. Psychological Science in the Public Interest 13(3): 106-31. 
25 (2/2) Lewandowsky et al. 2012.
26. Valdesolo, P. et al. 2016. Awe and scientific explanation. Emotion.
27. Eveland, W.P.Jr. & Cooper, K.E. 2013. An integrated model of communication influence on beliefs. PNAS 110:14088–14095.
28. Bruin, W.B. & Bostrom, A. 2013. Assessing what to address in science communication. PNAS 111 (S-3): 14062-14068.
29. Sumner P, Vivian-Griffiths S, Boivin J, Williams A, Bott L, Adams R, et al. 2016. Exaggerations and Caveats in Press Releases and Health-Related Science News. PLoS ONE 11(12): e0168217.
30. Winter, S.; Krämer, N.C.; Rösner, L. & Neubaum, G. 2015. Don’t Keep It (Too) Simple: How Textual Representations of Scientific Uncertainty Affect Laypersons’ Attitudes. Journal of Language and Social Psychology 34(3): 251-72.
31. Dahlstrom, M.F. 2010. The role of causality in information acceptance in narratives: an example from science communication. Communication Research 37(6); 857-75 e Dahlstrom, M.F. 2012. The persuasive influence of narrative causality: psychological mechanism, strenght in overcoming resistance, and persistence over time. Media Psychology 15(3): 303-26.
32. AbiGhannam, N. 2016. Madam science communicator: a typology of women’s experiences in online science. Science Communication 38(4): 468-94.
33. Flemming, D. et al. 2018. Emotionalization in Science Communication: the impact of narratives and visual representations on knowledge gain and risk perception. Front. Commun. 3: article 3.
34. Zorn, TE et al. 2012. Influence in science dialogue: Individual attitude changes as a result of dialogue between laypersons and scientists.PUS 21(7): 848-864.
Extra-2. Compilação de diversas definições de divulgação científica.
Extra-3. Compilação de minicursos em vídeo de divulgação científica.
35. Krause, RJ & Rucker, DD. 2019. Strategic storytelling: When narratives help versus hurt the persuasive power of facts. Personality and Social Psychology Bulletin.
36. Importância da Divulgação Científica. Vários textos. 
37. O uso de jargões e seus efeitos. Vários textos.
Extra-4. Muehlenhaus, I. 2012. If Looks Could Kill: The Impact of Different Rhetorical Styles on Persuasive Geocommunication, The Cartographic Journal 49(4): 361-375
Extra-5. Alfabetização científica ou letramento científico? Vários textos.
38. Gustafson, A & Rice, RE. 2020. A review of the effects of uncertainty in public science communication. Public Understanding of Science, 29(6), 614–33
39. Rubega, MA, Burgio, KR, MacDonald, AAM, Oeldorf-Hirsch, A, Capers, RS, & Wyss, R. 2021. Assessment by Audiences Shows Little Effect of Science Communication Training. Science Communication, 43(2), 139–169.
40. Vários autores. Revisões de terminologias e conceitos.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Data venia: uma respeitosa discordância

Roberto Belisário, em seu Ciências e Adjacências, publicou duas postagens comentando a respeito de um video com o médico sueco Hans Rosling que fez algum sucesso na internet há não muito tempo (ou, no Paleógeno, se contarmos pelo calendário web de desatualização de notícias).

São basicamente três pontos de questionamentos:
a) a origem e confiabilidade dos dados referentes a países em época em que ainda não se constituíam como tal;
b) o uso de escala logarítmica para linearizar o gráfico levaria a uma visão errada da evolução dos dados;
c) uso do PIB e da expectativa de vida ao nascer como indicadores socioeconômicos e de saúde.

Como se estima a economia e a saúde de tempos remotos? (E de países que ainda não existiam?)
Belisário questiona os dados anteriores a 1900 (os mais antigos usados na análise de Rosling remontam a 1810) uma vez que muitos dos países incluídos na análise não existiam como tal nessa época. Apresenta mapas que reconstituem as fronteiras e as divisões, de fato, não correspondem aos territórios atuais.

Embora haja dificuldades técnicas de reconstituição de parâmetros antigos, eles não são impossíveis. É possível se estimar até mesmo o produto interno bruto de tempos pré-históricos. Claro que são estimativas bem grosseiras: as barras de erro associadas serão bastante grandes. A modelagem histórico-econômica, ainda que sujeita a muitos problemas, de modo geral, segue o mesmo princípio da modelagem de sistemas físicos que sofrem evolução temporal: como modelar a evolução de galáxias a partir de dados atualmente disponíveis - atualizam-se alguns princípios para o funcionamento de sistemas similares no passado e aplicam-se alguns dados de regressão, comparando-se com os disponíveis dos registros da época.

Não haverá, claro, dados pormenorizados como os atualmente disponíveis - e mesmo os dados atuais a respeito de contas nacionais e outros parâmetros estão bastante sujeitos a falhas e até mesmo a fraudes. Mas a partir de variáveis proxy (grosso modo, variáveis - de mais fácil acesso - que indicam o comportamento das variáveis de interesse - mas de acesso mais dificultado) ou mesmo a partir de dados parciais é possível se fazer a estimativa. Por exemplo, se tivermos o registro de vendas de, digamos, especiarias de algumas cidades importantes - tendo como base a importância econômica das especiarias, é possível se fazer um chute mais ou menos calibrado do tamanho total da economia de uma colônia (ou do 'embrião' de um país vindouro).

Tamanhos de população e rendas de alguns indivíduos, p.e, são mais fáceis de se estimar. A partir dos dois é possível de se ter alguma ideia do PIB de uma região em um dado momento histórico.

Indicadores de longevidade podem ser obtidos, em tempos históricos, a partir de tábuas de registros de nascimento e morte; em locais em que tais dados não estão disponíveis, a partir do estudo forense (dentição e ossatura principalmente) e censitário (a estrutura populacional dos restos humanos indicando a constituição da população viva) de tumbas e locais de enterro.

Escala logarítmica cria ilusões de óptica?
Se bem interpretadas, esse risco é minimizado. A linearização obtida é visualmente mais fácil de se acompanhar, mas esse processo por si só *não* gera falsas correlações.

Figura 1. Evolução da expectativa de vida x PIB per capita em diferentes países do globo. Paineis superiores: escala logaritmica. Paineis inferiores: escala linear. Fonte: Gapminder

(Veja ainda que mesmo que descartássemos os dados mais antigos por incertos, temos a mesma tendência de 1901 a 2009 - um aumento do número de países ricos e um aumento generalizado da expectativa de vida.)

O PIB per capita e a expectativa de vida ao nascer são bons indicadores?
A resposta é: depende do que se está querendo medir. Nenhum indicador é perfeito, mas os dois são indicadores amplamente utilizados de nível socioeconômico e de saúde. São dois dos principais componentes do IDH (ao lado do grau de escolaridade).

Belisário observa muito bem que houve um enorme aumento na disparidade de renda entre os países mais ricos e os mais pobres - Rosling comenta no video analisado que há ainda uma enorme diferença de renda -, mas podemos sim falar que o mundo está mais rico: indicado pela média. E observamos que há menos países concentrados na região de menor renda per capita. E pode se dizer que o mundo está mais saudável: aí todos os países mudaram de patamar. A *menor* expectativa de vida (cerca de 40 anos) em 2009 corresponde à *maior* expectativa de vida em 1800s.

Neste aspecto tanto Belisário quanto Rosling estão certos. A diferença é na ênfase em um ou outro aspecto.

No entanto, negar uma conclusão geral de que o mundo está mais rico e saudável com base em que houve um aumento na disparidade entre os mais ricos e os mais pobres remete à mesma linha de argumentação dos negacionistas climáticos (coisa que Belisário não é nem de longe, note-se).

Senão vejamos, seria como negar que há uma tendência de aumento da temperatura média global na região da troposfera com base em que o que há é uma maior disparidade entre as temperaturas máximas e mínimas (na realidade, ocorre ambos - tanto a média aumentou quanto a amplitude).

Negar que estejamos mais ricos e saudáveis porque os dados mais remotos não são os melhores e não correspondem aos países de hoje corresponde a negar que a temperatura global média aumentou porque os dados de temperatura do passado são mais imprecisos do que os dados atuais - às vezes recorrendo a verificações indiretas como a proporção de isótopos em bolhas presas no meio do gelo das calotas polares ou espessuras de aneis de crescimento em árvores - e os pontos de coletas não correspondem em sua maioria às estações meteorológicas atuais.

Por outro lado, constatar que estamos mais ricos e saudáveis não é imaginar que essa evolução tenha se dado simplesmente por causa do passar do tempo - o papel do avanço da medicina (notadamente da vacinação e antibióticos) e da disponibilidade de alimentos (com a chamada revolução verde) é bem conhecido (bem como os efeitos colaterais como a seleção de linhagens resistentes de agentes etiológicos e a poluição de corpos d'água com fertilizantes e contaminação de humanos com agrotóxicos). Nem negar a situação dramática por que passam diversos povos e nações, privados sobretudo desses referidos avanços: assistência médica adequada e alimentação saudável.

Agora, Rosling pode estar sendo um pouco otimista demais ao sugerir que essa tendência mantida até os dias de hoje deva prosseguir no futuro. Muitos desses avanços deram-se às expensas da capacidade de regeneração do ambiente; e, em muitos países mais ricos, a hiperabundância de alimentos ameaça a saúde por problemas cardiovasculares e de obesidade. Além disso, a África subsaariana é fustigada como nenhuma outra região pela Aids - que provocou uma queda brutal da expectativa de vida de diversos países. Aliás, pelo gráfico vemos bem como essa região é a que mais inspira cuidados - explorada até recentemente pelo colonialismo europeu, vítima de ferozes ditaduras, golpes e guerras civis (em boa parte como legado do colonialismo anterior), negligenciada desde então e agora novamente alvo de olhos e investidas cobiçosas de potências emergentes como a China e o Brasil como fonte de matérias-primas e combustíveis. Mas até por isso Rosling condiciona esse futuro ainda mais rico e saudável a: paz, tecnologia e assistência.

Upideite(19/abr/2011): Belisário fez outra postagem em resposta a esta.

domingo, 10 de abril de 2011

Pequeno mistério estatístico em BH - 2

Aqui vai a minha tentativa de justificação para sustentar a minha conclusão inicial sobre sistemas de vendas de pães em Belo Horizonte e me isentar de uma eventual acusação de generalização apressada.

No twitter e nos comentários da postagem anterior, alguns mineiros confirmaram que a maioria das padarias belorizontinas (e talvez mineiras em geral) devem adotar o sistema de autoatendimento.

Claro, poderão dizer que o acerto foi por mero chute. Sustento que não.

Sim, o tamanho amostral é pequeno, mas chamemos à baila outro lugar-comum estatístico: a colherada de sopa. Podemos determinar se a sopa está com a quantidade certa de sal sem precisá-la tomá-la inteira ou provar mais do que uma colher. A questão aqui é a homogeneidade da amostra.

Dado que tenhamos misturado bem a sopa, o sal deve estar homogeneamente distribuído e não deve haver grande variação entre as amostras.

E no caso das padarias? Se fosse pela cor com que o estabelecimento é pintado, a variação esperada certamente seria grande e eu estaria sendo precipitado em concluir que todas as padarias eram vermelhas se, após visitar somente duas delas, notasse que ambas eram dessa cor. E o sistema de vendas? Estaria mais para o caso das cores ou da salinidade da sopa?

Há três linhas que considerei. Uma é que a venda de alimentos é um dos pontos mais altamente regulados, por razões óbvias: afinal a questão da segurança alimentar e da economia popular são pontos básicos da estabilidade de uma comunidade. Outra é que empreendimentos comerciais normalmente formam carteis (mesmo contra a lei) ou praticam alguma forma de regulação em comum (não necessariamente ilegais): p.e. tabelando preços. A terceira é que uma prática (especialmente uma exitosa ou pioneira) rapidamente se dissemina entre a concorrência: a maioria das marcas de amido de milho oferecem o produto em caixa e de cor amarela com letras grandes negras porque a marca pioneira (a Maizena) estabeleceu esse formato, isto é, moda também tem grande influência nas atividades econômicas.

Não sei se as leis mineiras ou belorizontinas regulam o sistema de vendas de pães, possivelmente não (Samir Elian relata a venda de pães por manipulação exclusiva do balconista em uma padaria de Sete Lagoas). Não sei também se existe algum acordo informal a respeito ou como a moda teria atuado (se atuou) no caso. De todo modo, o sistema de vendas de pães é algo que parece bastante provável de apresentar homogeneidade.

Considerando-se, então, os depoimentos dos mineiros, podemos dizer que a posteriori minha suposição a priori foi justificada.

Essa volta toda é para nos trazer ao ponto em que toda análise estatística vai depender das suposição que fazemos a respeito do sistema em análise. Isso vai influenciar a modelagem do comportamento dos dados e, assim, a validade ou não dos modelos estatísticos aplicados. Se a variável tem ou não distribuição normal, isso irá dizer se podemos ou não aplicar um teste estatístico que assume a distribuição normal dos dados.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Pequeno mistério estatístico em BH

É fácil entender por que, de modo geral, estatísticos e filomatas torcem o nariz para estudos feitos com poucos indivíduos.

Chamemos à baila a onipresente moeda estatística. Lançamos uma vez e verificamos que deu cara. Lançamos de novo e deu cara novamente. Será lícito a partir disso concluirmos que a moeda está viciada? Não, de modo algum. É perfeitamente possível que em dois lances seguidos tenhamos duas caras com uma moeda honesta: as chances são de 25%. Mas, digamos, 10 lançamentos consecutivos só com cara é um bom indício de que a moeda apresenta algum problema: as chances de uma moeda balanceada produzir esse resultado é de apenas 0,16%.

Desvios mais sutis necessitam de um número maior de dados. Se a moeda, por exemplo, é manipulada de modo a ter uma probabilidade 60% para cara (e, claro, 40% para coroa) em vez dos 50% seria preciso de aproximadamente 100 lançamentos para sermos capazes de diferenciar de uma moeda sem manipulação. Se a probabilidade for de 55%, seriam necessários cerca de 400 lançamentos.

Isso para algo relativamente simples envolvendo moedas. Para sistemas mais complexos como a saúde humana, com diversos fatores intervenientes e difíceis de se isolar nos estudos, o tamanho amostral demandado pode ser bastante alto - alguns milhares a dezenas de milhares: e, consequentemente, muito caros, envolvendo diversos grupos profissionais em diversos centros de estudos - uma alternativa é coligir dados disponíveis em diversos estudos menores (as meta-análises).

Pulemos agora para minha pequena experiência cultural. Fui a uma padaria em Belo Horizonte e observei um sistema distinto de venda de pães (distinto em relação a São Paulo pelo menos): com o produto disponível para que os próprios fregueses escolham e peguem (naturalmente, com o uso de pegadores) para ser levado para que os balconistas pesem (em São Paulo, os pães ficam à vista dos fregueses, mas são os próprios balconistas que os manipulam - normalmente seguindo as instruções dos clientes: mais queimadinho, do mais clarinho, quero aquele maiorzinho lá...).

Considerando a discussão inicial sobre tamanhos amostrais e validade estatística, estarei sendo estatisticamente ousado (eufemismo para desbragadamente inconsequente) por, tendo visitado uma segunda padaria (sem ser de uma mesma rede) concluir que é o sistema predominante de venda de pães na capital mineira por lá também haver esse autosserviço na venda de pães? (Não fui alertado quanto a essa diferença cultural por nenhum amigo belorizontino; claro, é tão natural para eles quanto o sistema paulista é para mim.) Seria essa conclusão tão absurda quanto se, em sendo ambas as padarias pintadas de vermelho - não eram, embora eu não me lembre exatamente das cores - eu concluísse que a maioria das padarias de Belo Horizonte são vermelhas? Ou que, no segundo acerto de Paul, concluíssemos que ele é mesmo vidente ou um connoisseur de futiba?

Obs: Não fiz nenhuma pesquisa quanto ao sistema de vendas de pães; se o único ou a única leitora deste blogue for de BH (ou conhecer a cidade) poderá confirmar ou refutar minha conclusão.
Obs2: O que na capital paulista é chamado de pão francês, o pessoal de beagá chama de pão de sal.

*Upideite(07/abr/2011): um setelagoano morando em BH a maior parte do tempo, Samir Elian, do Meio de Cultura, confirma no twitter que as padarias belorizontinas que frequenta é pelo sistema de autoatendimento. (É pouco provável que sejam as mesmas padarias que visitei, posto que nossos centros de ação em BH são bem afastados.)

sexta-feira, 1 de abril de 2011

É mentira, Terta? - A morte lhe cai bem

ResearchBlogging.orgAlguns animais quando em situação de perigo: como a presença de um potencial predador ou de machos mais fortes em disputa pelas fêmeas - exibem um comportamento que simula a morte. Esse comportamento é denominado de tanatose (do grego thanatos - 'morte').

Muitos predadores consomem apenas presas vivas, o que lhes seria vantajoso na medida em que organismos mortos podem entrar rapidamente em putrefação com liberação de compostos tóxicos conforme seu material é degradado pelos micro-organismos. Em disputas por fêmeas, machos tenderão a não atacar indivíduos que não considerem como rivais em potencial.

Em muitos casos, como no gambá, o indivíduo apenas permanece imóvel mesmo quando tocado ou movido. Esse estado, após a cessação do estímulo inicial, pode ter uma duração variável mesmo entre indivíduos de uma mesma espécie - e experimentalmente mostrou-se que os que permanecem em tanatose por um tempo muito curto tendem a ser rapidamente descobertos e predados, um ótimo indicativo de que se trata de uma característica adaptativa (Miyatake et al. 2011).

Em cobras colubrídeas, no entanto, encontramos uma grande variação na tanotose. Em algumas espécies, o comportamento consiste apenas na paralisia; em algumas, a paralisia é acompanhada de rigidez muscular (em estado similar à rigidez cadavérica - que ocorre em uma etapa mais avançada do pós-morte); em algumas espécies, o indivíduo se retorce, como nos estertores da morte; pode ocorrer a abertura da boca e exibição da língua (como quando músculos e ligamentos estão em estado mais adiantado de decomposição); o indivíduo pode se virar de costas com o ventre para cima; ou até mesmo haver liberação pela glândula anal de um odor putrefato. (Vogel & Han-Yuen 2010.)



O vídeo acima é da tanatose em uma serpente focinho-de-porco (Heterodon platirhinos) Melhor que muito ator canastrão, não?

Referência
Miyatake T, Katayama K, Takeda Y, Nakashima A, Sugita A, & Mizumoto M (2004). Is death-feigning adaptive? Heritable variation in fitness difference of death-feigning behaviour. Proceedings. Biological sciences / The Royal Society, 271 (1554), 2293-6 PMID: 15539355*
Vogel, G. & Han-Yuen, H.K. 2010. Death feigning behavior in three colubrid species of tropical Asia. Russian Journal of Herpetology 17(1): 15-12.

*Upideite(07/abr/2011): adido a esta data.

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