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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Divagação científica: divulgando ciências cientificamente - 6

Interrompendo a porção de conceituação, um pouco de resultados práticos sobre o tema.

Infelizmente, os dados não são lá muito animadores para a blogocúndia filomática. Embora o tamanho amostral seja restrito (n=47 e, não, desta vez não são alunos de pós-graduação... mas de graduação as cobai... os sujeitos experimentais), é um indicativo a ser considerado: meios eletrônicos hipertextuais não são meios que ajudam muito na compreensão e assimilação das informações. Especialmente do tipo de configuração muito comum nas postagens deste blogue: textos longos interrompidos com figuras e informações complementares.

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Macedo-Rouet, M.; Rouet, J-F; Epstein, I & Fayard, P. 2003. Effects of Online Reading on Popular Science Comprehension. 25: 99-128. DOI: 10.1177/1075547003259209.

Resumo:
"The present study examines the effects of print and online presentations of a multiple document report on reader’s comprehension, perception of cognitive load, satisfaction, and attention. We hypothesized that users of online media would show poorer results compared with print users. An experimental protocol was used to assess readers’performance using print and online versions of a popular science magazine report. Hypertext led to higher perceived cognitive load and poorer comprehension of the complementary documents. The results suggest that presenting graphics in long hypertexts increases effort and reduces text legibility. The present data offer support for theories of disorientation and cognitive load in hypermedia learning."

Métodos:
Texto teste: Texto principal e documentos: figuras, tabelas e gráficos de reportagem publicada na revista Superinteressante em abril de 2001 sobre o aborto. Versão impressa e versão online.
Sujeitos experimentais: 47 alunos de graduação do 4o ano de jornalismo da USP (em aulas eletivas): 36 mulheres, 11 homens. Divididos em três grupos: hipertexto, impresso, controle (não leram a reportagem).
Questionário pré-teste: experiência prévia com a web; conhecimento prévio do tema; familiaridade com a revista Superinteressante e com o texto (os que haviam lido o texto antes foram excluídos); opinião geral sobre o aborto.
Questionário pós-teste: compreensão; percepção da carga cognitiva (facilidade/dificuldade de compreensão); satisfação com a experiência de leitura; percepção da importância de cada documento e atenção dada aos documentos durante a fase de teste.

Resultados
  • A compreensão tanto dos que leram a reportagem online quanto a impressa foi muito maior do que a do grupo controle. (Fig. 1)
  • A compreensão geral dos que leram o texto impresso foi maior do que a dos que leram o texto online - particularmente no que se refere aos documentos complementares (a compreensão do texto principal foi equivalente entre os dois grupos). (Fig. 1)
  • A atenção dada aos itens foi igual nos três grupos.
  • A atenção dada ao texto principal foi maior nos três grupos do que a atenção dada aos documentos complementares.
  • A satisfação com a leitura do texto foi similar entre os grupos.
  • A carga cognitiva foi bem maior entre os que leram a versão online (36,6±18,19), do que entre os que leram a versão impressa (20,48±12,41) e do que o grupo controle (17,19±13,82). (Fig. 2 - Figura 4, no original.)

Figura 1. Desempenho de compreensão de acordo com diferentes mídias (G1: hipertexto; G2: impresso; G3: controle). Fonte: Macedo-Rouet et al. 2003.


Figura 2. Carga cognitiva (facilidade/dificuldade percebida na compreensão). Porcentagem dos que concordam total ou parcialmente com: C8 - compreensão difícil do infográfico; C7 - difícil saber qual o conteúdo e extensão de cada texto da reportagem; C2 - sentiu-se perdido; C6 - tabela e gráficos difíceis de se ler e interpretar; C3 - os pontos principais não estavam claros nem coerentes; C4 - não estava claro o papel de cada informação no conjunto do texto; C1 - difícil de entender a coerência do conjunto do texto. (Retirado de Macedo-Rouet et al. 2003, figura 4.)

4 comentários:

Anônimo disse...

Ah, Roberto, cá pra nós: essa pesquisa é esquisita à beça, heim!
1- esse grupo de "cobaias" é significante pra concluir qualquer coisa que seja sobre os seres humanos em geral? Me recuso a "crer"...
2- e que texto foi esse que eles escolheram!?! O design na net é péssimo, as letras todas juntinhas, não tem recurso de descanso visual, cadê links, cadê figuras etc? Só que o problema está com ESSE desing na net, não necessariamente com textos na net em si. Se esse texto (com essa falta de "diagramação") fosse impresso e entregue pra ler, será que os resultados seriam positivos? Duvideodó...
E eles falam em "meios eletrônicos hipertextuais"! Como podem falar isso se não compararam o impresso com um meio eletrônico hipertextual de fato?
Sem querer ser grosseira, mas pra mim esse estudo poderia concorrer pro IgNobel...
Até aí ok, tem vários assim, infelizmente. Só não entendi pq vc colocou ele aqui nessa ótima sequência de reflexão sobre a divulgação científica...

none disse...

Oi, Tati,

1) Sim, claro que o grupo específico pesquisado, restrito em natureza e número, não necessariamente irá refletir um resultado prontamente universalizável. É, sim, bastante possível que não se possa fazer generalizações. A justificativa da escolha do grupo - certamente ad hoc (o fator principal, não declarado, é que se trata de um grupo fácil de amealhar - o que não deixa de ser uma razão importante) - é que se trata de um grupo que está dentro do perfil de leitores da revista e desse tipo de revista.

2) Não posso garantir que à época do estudo a configuração da versão online fosse essa mesma - o sítio web da SI passa por reconfigurações frequentes.

Mas, sim, pode ser que o problema seja com uma configuração específica, os autores dizem - e comentei de passagem - que a dificuldade é de um texto longo misturado com figuras (ou melhor, os autores são mais cuidadosos: dizem que os dados sugerem isso). Por outro lado, os autores interpretam os resultados à luz de uma hipótese prévia e há dados anteriores que também sugerem que a carga cognitiva é maior em hipermídias.

Na discussão, os autores listam várias causas possíveis desse resultado e o design é sim considerado: "One of the problems has to do with poor legibility, intrinsic complexity, and poor design of current Web sites (e.g., Dillon 1994; Nielsen 2000)".

De todo modo, o espírito é esse mesmo, vamos discutir - não apenas a divulgação, mas também os estudos sobre eles.

De minha parte, acho que há bastante méritos no trabalho de Macedo-Rouet e cols. Há bastante limitações, de fato. Porém, traz elementos que não apenas permitem que reflitamos sobre eles, mas também que pensemos nós mesmos em como refinar o processo de pesquisa. Nesse sentido, a contestação é valiosíssima, questão apenas de tentar agora verificar se a hipótese alternativa resiste melhor aos testes.

Como sempre, fique à vontade para tecer quaisquer críticas - não apenas aos pontos levantados, mas ao que eu escrever também. (Só não vale falar mal do Timão nem da Fiona Apple - ah! nem da Keira Knightley, da Jéssica Alba, da Taís Araújo...)

Irei subir seus comentários, tá?

[]s,

Roberto Takata

Anônimo disse...

Olha aí, mais um do timão! Salve!! :)

none disse...

Onde esta besta escreveu: "De minha parte, acho que há bastante méritos no trabalho de Macedo-Rouet e cols. Há bastante limitações, de fato." - leia-se: "bastantes méritos" e "bastantes limitações".

[]s,

Roberto Takata

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