Nesse quadro estaria uma única frase, em letras garrafais (e de garrafa de Sangue de Boi): "Sequência genética *não* é o mesmo que código genético !!!! (muitas exclamações)".
A Folha Online publicou hoje uma notícia da New Scientist sobre genes que surgiram a partir de sequências não-codificantes. A notícia é muito interessante, no entanto, os detalhes (sempre os detalhes) comprometem. Lá está a bendita expressão: "Ao comparar o DNA de humanos, chimpanzés e macacos, a equipe de McLysaght chegou a genes humanos que pareciam não existir nas outras espécies. As proteínas curtas dos três códigos genéticos foram encontradas em amostras de sangue de pessoas saudáveis, e os genes também estavam presentes em todos os genomas humanos sequenciados até então --o que sugere que eles têm funções vitais em humanos." (Um aparte, a conclusão "sugere que têm funções vitais" a partir da observação "encontratada em todas as amostras" não se sustenta. Sugere apenas que foi herdado a partir de um ancestral em comum de todos os humanos amostrados. Afinal, a notícia fala de "ADN lixo", sem função codificante, oras, mas trechos de tais ADN "lixo" também estão presentes em pessoas saudáveis - não quer dizer que tenha alguma função vital. O que sugeriria que têm uma função vital seria se estivessem presentes apenas em pessoas saudáveis - ou preferencialmente em pessoas saudáveis.) Além de não ter a ver diretamente com código genético, o trecho traduzido ainda se induz a pensar que o termo se refere aos genomas das espécies comparadas: humanos, chimpanzés e macaco Rhesus ("macaque", no original; não é um termo que significa simplesmente "macaco", que, em português, inclui chimpanzés, gorilas e todos os primatas símios) - na verdade, se refere aos três genes estudados: CLLU1, C22orf45 e DNAH10OS.
E desta vez foi mancada da Folha, pois o texto original diz: "The short proteins the three genes code for have been found in blood samples from healthy people, and the genes are also present in all human genomes sequenced so far, suggesting they have vital functions in humans". Traduziram "proteins genes code for" - "as proteínas codificadas pelos genes" - por "proteínas dos códigos genéticos".
O texto traduzido ainda diz: "Nos outros primatas, as sequências de DNA equivalentes a esses códigos genéticos contêm diferenças que suspendem a produção de proteínas no início, de forma que as sequências não-codificadas não sejam encontradas nestas espécies". Enquanto que no original está: "In the other primates, the equivalent DNA sequences contained differences that would halt protein production early on, so the sequences are non-coding in these species." ("Nos outros primatas, as sequências de ADN equivalentes têm diferenças que sustariam a produção proteica precocemente, assim as sequências são não-codificantes nessas espécies.") Note-se, além de não ter que enfiar "código genético", as sequências *são* encontradas nas outras espécies, mas não codificam nenhuma proteína (o que sustenta a tese de que os genes humanos - que codificam proteína e têm sequências similares - surgiram a partir do ADN não-codificante, o que é chamado na reportagem e por muitos pesquisadores de ADN lixo).
Eu disse "desta vez" porque o uso errôneo do termo "código genético" é amplamente disseminado, não apenas na Folha, mas na imprensa leiga em geral, no Brasil e no mundo. A própria New Scientist tem vários textos, como este, que usam "genetic code" no lugar de "genetic sequence", "genetic material", "genome", "DNA molecule" e similares (as express
Em outra postagem, nota-se que invadiu até mesmo a legislação, com potencial de causar problemas.
Upideite (04/set/2009): Alertada pela PPV, a Folha Online corrigiu uma parte - pelo menos os "códigos genéticos" mal empregados foram devidamente retirados. Outros problemas ainda permanecem.
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