Prosseguindo o tema e a discussão com o Prof. Kinouchi.
Na postagem anterior apresentei alguns estudos que mostram como erros conceituais prévios atrapalham o processo de aprendizagem dos conceitos corretos (ou corretos segundo a visão científica corrente).
Osame Kinouchi, no seu Semciência, replicou: tais erros conceituais existem independentemente de produtos culturais de difusão científica cientificamente inacuradas.
Então vamos a alguns estudos que mostram o impacto negativo de certos produtos cientificamente inacurados sobre as concepções das pessoas.
Barnett et al. 2006 estudaram a influência do filme The Core (2003 - Missão ao Centro da Terra) sobre a visão dos espectadores a respeito de temas das geociências. O impacto foi negativo - ainda mais com a autoridade dada à personagem central do filme, que apresentava algumas ideias científicas corretas, mas que se misturavam a explicações incorretas.
Neil Comins da University of Maine catalogou mais de 1.700 erros conceituais em seus alunos e procurou identificar as fontes de origem de tais erros. Entre várias outras, desenhos animados e filmes de ficção científica. Seu estudo está compilado no livro 'Heavenly Errors'.
Uma observação importante é que não se deve concluir, então, que filmes de ficção científica não devam ser vistos. Do contrário, seria de se fechar as escolas: as principais fontes de erros de concepção são professores e livros-textos.
Kinouchi falou do aspecto de inspirar as pessoas às carreiras científicas - não duvido que isso ocorra em vários casos. Por outro lado, outras fontes poderiam motivar as pessoas a buscarem as carreiras de ciências - gerações de biólogos surgiram por conta dos documentários de Cousteau, gerações de astrônomos pela série Cosmos de Sagan. Novamente caímos na questão da difusão/divulgação de alta qualidade - com a vantagem de não se arraigar visões tão distorcidas das ciências.
Referências
Barnett et al. 2006 - The Impact of Science Fiction Film on Student Understanding of Science. Journal of Science Education and Technology 15(2): 179-91. Disponível em: http://www.springerlink.com/content/ym2556k02n3277m8/
Comins, N. 2001 - Heavenly errors: misconceptions about the real nature of the universe. Columbia University Press, 244 pp. Mais info em: http://www.physics.umaine.edu/ncomins/
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5 comentários:
Debate muito produtivo, me fez pensar... Coloquei minha "quadréplica aqui":
http://comciencias.blogspot.com/2009/12/divulgando-ciencias-cientificamente-2.html
Oi, Roberto,
entendo sua preocupação com a qualidade da divulgação e compartilho dela no que tange àquilo que é divulgado como ciência. É o caso,por exemplo, do jornalismo científico ou do conteúdo de divulgação científica em museus e outros centros de ciência.
Mas não podemos misturar isso com a ficção. A ficção é, por definição, ficção. Sejam os filmes de ficção científica, filmes de outros gêneros que não documentários, literatura etc. No campo da ficção toda a liberdade é permitida e é assim que deve ser, afinal, esse é o espaço da arte, mesmo que se valha de ciência como inspiração.
Assim, da mesma forma que nos exemplos que vc muito bem citou, também há gerações de pessoas que se interessaram por ciências por conta de filmes como "De volta para o futuro" e "Indiana Jones". Sem falar em Júlio Verne...
Nesses casos, o interesse foi despertado, como defende o Osame, o que não quer dizer que as pessoas "afetadas" apropriaram-se melhor ou pior dos conceitos científicos por conta disso. De qualquer forma, esse não é o papel desses filmes/programas/livros e nem poderia ser. O papel da correção conceitual está nos livros didáticos de ciências, nas aulas de ciências, no jornalismo científico e na divulgação científica.
Não li esse artigo específico que vc cita, mas como esse há muitos, especialmente na revista Public Undestanding of Science. Mas acho que avaliações desse tipo servem apenas para fundamentar o professor de ciências, por exemplo, que pode tornar-se cientes dos equívocos conceituais que os alunos podem assimilar ao ver um filme assim e aí usar o espaço da ciência para abordar esses conceitos, mas já tendo o privilégio/facilidade de lidar com alunos pré-sensibilizados, despertos para o tema.
Eu sou da opinião de que qualquer filme/livro/pintura etc pode ser usado em sala de aula para abordar um tema científico (e de outras disciplinas também). Aí vai da maestria de quem sabe os conhecimentos científicos estabelecer essa ponte.
Enfim, de forma alguma o problema está nessas obras. Elas são arte e esse é um espaço da livre expressão. O problema, a meu ver, está naqueles programas, documentários, livros etc que se pretendem versar sobre ciências e apresentam pseudociências, ciências com conceitos equivocados etc. Esse é o ponto que precisa melhorar. E muito! A ficção, seja televisiva, cinematográfica, literária etc etc etc, tem mais é que voar. Se carregar um tanto de ciência junto... eu acho ainda mais divertido!
Roberto,
Estou completamente atolada na cozinha, fazendo rabanadas e o bacalhau do Noel (família grande, tradição portuguesa, essas chatices), mas não posso deixar de dar o meu pitaco nessa conversa.
Concordo com a Tati. Arte é arte. Cinema, televisão e literatura gozam lá de suas liberdades e contribuem com a divulgação da ciência ao sensibilizar as pessoas e derrubar barreiras cognitivas. Despertar a curiosidade. Na minha opinião, esta é a principal contribuição dessas obras, pois têm a capacidade de atrair grande público. Quando são bem feitas, com maior preocupação com a formação do público, geralmente apresentam conceitos científicos corretos e também contribuem para a formação.
Gostaria de voltar a esse assunto em outro momento menos conturbado. Hoje, quero apenas lembrar as comixões científicas da Emília, no Sítio do Pica-Pau Amarelo, que abriram espaço para o aprendizado dos meninos da D. Benta. Na minha casa, quando criança, não tinha televisão. Todas as noites, minha mãe juntava a meninada na cozinha (irmãos, primos e vizinhos) para contar as histórias do Poço do Visconte, a Geografia de Dona Benta, a História das Invenções.
Assim começou meu interesse pela ciência, mais tarde reativado por Carl Sagan, Jacques Costeau e Indiana Jones.
Ao mesmo tempo, estudos do grupo do prof. Leopoldo De Meis, da UFRJ, demonstram que a imagem do cientista no imaginário das crianças sofreu enorme influência do cinema(pena que eu também não consegui continuar a série sobre este tema na Amiga Jane). O mito do cientista do sexo masculino, de óculos, jaleco e cabelos brancos, às voltas com tubos de ensaio, ainda persiste entre a garotada do ensino fundamental, pelo menos no Rio de Janeiro. De onde vem essa imagem? Dos filmes, é claro.
Bem, tenho que ir. A gordura está quente e vou fritar minhas rabanadas.
Feliz Natal Roberto!
Kino, Tati e Lacy,
Fiz uma nova postagem - está logo acima desta.
Está havendo uma confusão - prevista, mas não defidamente evitada - que espero sanar com o disclaimer.
Lacy, essa imagem - inadequada - do cientista, na verdade, mostra o quão danoso uma difusão inacurada pode ser. (Por exemplo, tem o potencial de demover as meninas de seguirem a carreira de ciências.)
Arte é arte, portanto, não é difusão/divulgação científica.
[]s,
Roberto Takata
Mas grato pelos comentários e ótimas festas a todos também!
[]s,
Roberto Takata
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