Lives de Ciência

Veja calendário das lives de ciência.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Um negacionista climático no MCTI?

A dúvida não é se Aldo Rebelo é ou não um negacionista. Ele é. A dúvida é pela esperança de que não seja verdade** o que se anuncia: sua mudança do Ministério dos Esportes para a pasta de Ciência, Tecnologia e Inovação.

O que esperar no MCTI de um ministro que diz:
"O cientificismo positivista que você opõe à minha devoção ao materialismo dialético como uma ciência da natureza não terá o condão de me converter à doutrina de fé que é a teoria do aquecimento global, ela sim incompatível com o conhecimento contemporâneo. Ciência não é oráculo.  De verdade, não há comprovação científica das projeções do aquecimento global, e muito menos de que ele estaria ocorrendo por ação do homem e não por causa de fenômenos da natureza. Trata-se de uma formulação baseada em simulações de computador. De fato, por minha tradição, filio-me a uma linha de pensamento cientifico que prioriza a dúvida à certeza e não deixa a pergunta calar-se à primeira resposta. A par dos extraordinários avanços e conquistas que a Ciência tem legado ao progresso da Humanidade, inserem-se em sua trajetória inumeráveis erros, fraudes ou manipulações sempre tecidas a serviço de interesses dos países que financiam determinadas pesquisas ou projeções. Tenho a curiosidade de saber se, os que hoje acatam a teoria do aquecimento global e suas afirmadas causas antropogênicas como um dogma pétreo, são os mesmos que há alguns anos anunciavam, como idêntica certeza divina, o esfriamento global. Tal cientificismo tem por trás o controle dos padrões de consumo dos países pobres, e nesse ponto permita-me repudiar a pecha de 'delírio pseudonacionalista' – pois são profusamente evidentes as manobras para estocagem dos nossos recursos naturais com vistas à melhor remuneração da produção agrícola dos países desenvolvidos"?

Rebelo é uma das forças políticas por trás de um dos maiores retrocessos durante o governo Dilma Rousseff - a aprovação do Novo Código Florestal que fragilizou ainda mais a conservação da cobertura vegetal. E abraça o conspiracionismo de que a hipótese do AGA e das mudanças climáticas é fruto de ação de países industrializados para impedir que países subdesenvolvidos também possam crescer economicamente - impedindo-os de aumentar suas pegadas de carbono.

Rebelo é capaz desta peça de primarismo lógico*:

O jornalista Reinaldo José Lopes, do Darwin & Deus, nos lembrou desta outra peça do futuro ministro de CT&I***:
"No Rio de Janeiro, cogitou-se da retirada de centenárias jaqueiras situadas em florestas públicas a
pretexto de serem árvores exóticas, não nativas da Mata Atlântica, o que é verdade. Rigorosamente,
a jaqueira é originária da Ásia, mas por aqui aportou no século XVII e foi usada no reflorestamento
do maciço da Tijuca por ordem de D. Pedro II. É o caso de se requerer ao Ministério da Justiça a
naturalização da espécie, algo que qualquer cidadão pode alcançar com meros cinco anos de
residência fixa no País."

Que péssimo presente de Natal será para os brasileiros, senhora presidenta!

*Upideite(23/dez/2014): via @brunocalixto.
**Upideite(26/dez/2014): infelizmente o anúncio está confirmado... : (
***Upideite(26/dez/2014): adido a esta data.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Entrevista com um arqueólogo: Astolfo Araujo

O arqueólogo Prof. Dr. Astolfo Gomes de Mello Araujo é especialista em geoarqueologia e atualmente trabalha no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (MAE/USP). Para a edição deste mês da revista Com Ciência sobre o Nobel, entre outros, entrevistei-o para a reportagem sobre outras premiações científicas.

Naturalmente, só uma parte pôde ser publicada na reportagem. Uso, então, o espaço aqui para publicar a íntegra da entrevista gentilmente concedida por Araujo por email.

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CC. Poderia falar um pouco de sua linha de pesquisa para um público não especializado?
AA. Eu trabalho em uma área da arqueologia que se chama "Geoarqueologia". É uma aplicação das Ciências da Terra (Geologia, Geomorfologia) a assuntos arqueológicos, que permite que entendamos melhor os processos naturais que afetaram inicialmente as populações humanas, enquanto estavam vivas e operantes, e que depois afetam os vestígios materiais deixados por essas populações, que nós hoje chamamos de materiais arqueológicos (que podem ser desde lascas de pedra até cidades inteiras).

CC. Como a comunidade científica recebeu seu trabalho sobre a influência da bioturbação no trabalho arqueológico?
AA. O trabalho foi bem recebido, uma vez que foi publicado em uma das revistas mais bem conceituadas na área, chamada "Geoarchaeology". Não é facil publicar um artigo em revista internacional, porque os revisores costumam ser implacáveis. Nosso artigo sobre bioturbação foi inovador no sentido de que fizemos uma observação controlada das atividades de um animal que é bastante poderoso em termos de escavação, que é o tatu. O artigo tem um bom índice de citação, até hoje, apesar de ter sido publicado há mais de dez anos. Portanto, levando em conta essas informações, eu diria que a aceitação foi boa.

CC. V. Sra. recebeu com bom humor o prêmio IgNobel (assim como vários outros agraciados que recentemente até participam da cerimônia de entrega). Inclusive o menciona em seu currículo lattes. A premiação ajudou de alguma forma a sua pesquisa? Trouxe uma visibilidade positiva?
AA.  A premiação do IgNobel foi uma coisa muito bacana, que eu aceitei de bom grado. Acho que a ciência é algo que deve ser levada a sério sem que seja sisuda e mal-humorada. O pessoal do IgNobel é muito respeitoso, e na verdade eles perguntam ao candidato se ele aceita o prêmio. Eu achei ótimo, e consultei meu colega, José Carlos Marcelino, que também concordou. Foi uma pena eu não ter podido ir à premiação, que parece ser um espetáculo, com vários ganhadores do Prêmio Nobel participando. Acho que aceitar o prêmio IgNobel é entender que você ajuda a disseminar a ciência como uma coisa interessante. Como eles mesmos dizem, é algo que "primeiro faz rir, e depois faz pensar". Um ótimo exemplo é uma outra premiação do IgNobel de 2008, o mesmo ano em que eu entrei para esse seleto clube, onde os pesquisadores trabalharam dentro de uma boate de strip-tease, e descobriram que as dançarinas ganhavam mais gorjeta quando estavam no período fértil. Muito engraçado, mas ao mesmo tempo faz pensar um bocado, não? Será que somos tão racionais assim? Será que somos sujeitos à ação de feromônios de uma maneira muito mais forte do que imaginamos? Será que existe livre-arbítrio? Ou seja, uma coisa engraçada pode levar você aos mais altos questionamentos filosóficos. 

Com relação á visibilidade, não creio que o IgNobel tenha tido nenhum impacto perceptivel na minha carreira. Não acho que eu tenha ganhado ou perdido nenhuma oportunidade por conta do prêmio. Considero mais como parte da minha obrigação enquanto acadêmico, de divulgar para um público mais amplo o que eu faço.

CC. Dentre as premiações da área de Arqueologia há algum (ou mais de um) que gostaria particularmente de ganhar? Seria por qual motivo: reconhecimento acadêmico, valor monetário, auxílio à pesquisa ou outro?
AA. Não há premiações na área de Arqueologia que tenham o impacto de uma Medalha Fields ou um Nobel, ou coisas assim, portanto não almejo nenhuma premiação, mas se houvesse algo, creio que na forma de auxílio à pesquisa seria ótimo. Na verdade, já tenho financiamento da FAPESP para pesquisar sobre as populações mais antigas do Estado de São Paulo, e uma bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq, levando em conta minha carreira acadêmica, então me sinto realmente premiado.
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Este trabalho foi produzido sob financiamento da Fapesp (Bolsa Mídia Ciência), sob supervisão da Profa. Dra. Simone Pallone e Dra. Katlin Massirer.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Existe pergunta imbecil? Da importância dos registros da curiosidade infantil.

"Quando eu tinha cinco anos, tive uma conversa com a minha mãe que ela transcreveu e guardou num álbum de fotos. [...] 
Randall: Aquie em casa tem mais coisas duras ou mais coisas moles?
Julie: Não sei.
Randall: E no mundo?
Julie: Não sei.
Randall: Bom, cada casa tem uns três ou quatro travesseiros, né?
Julie: É.
Randall: E cada casa tem uns quinze ímãs, né?
Julie: Acho que sim.
Randall: E quinze mais três ou quatro, vamos dizer quatro, dá dezenove, né?
Julie: Isso.
Randall: Então deve ter uns 3 bilhões de coisas moles... e uns 5 bilhões de coisas duras. Qual ganha?
Julie: Acho que as coisas duras.
Até hoje não tenho ideia de onde saíram os "3 bilhões" nem os "5 bilhões".
[...]
Há quem diga que não há questões imbecis. Óbvio que se enganam: acho que minha pergunta sobre coisas moles e duras, por exemplo, extremamente imbecil. Mas tentar responder com meticulosidade a uma dúvida imbecil pode nos levar a lugares bem curiosos." (pp. 13-14.)
MUNROE, Randall. 2014. E se? Respostas científicas para perguntas absurdas. Cia. das Letras. 325 pp.
Senhoras mães (e senhores pais), pelo bem do registro histórico, por favor, tal como a Sra. Julie anotem *tudo* o que seus pequenos gênios e pequenas gênias comentam. Pode eventualmente servir de dispositivo de chantagem, caso, futuramente, seu filho já grandinho venha com gracinhas sobre não pagar pensões alimentícias; mas, por certo, a maior utilidade será esse tipo de informação a respeito da ontogenia da curiosidade e, por tabela, do pensamento científico.

P.S. Mais pra frente anuncio a ganhadora ou o ganhador do livro "Em Busca do Infinito" de Ian Stewart.

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