Há várias iniciativas nesse sentido. No ensino básico por meio das "olimpiadas do conhecimento" (sim, eu sei que deveria haver acento no segundo 'i' de olimpiadas, mas como o COI e o COB são extremamente ciosos com o uso do termo e o último já chegou a notificar tais competições para que mudassem de denominação, vai sem acento mesmo) nessas áreas: na última reunião da SBPC foram premiados vencedores em várias categorias nacionais e a olimpiada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, OBMEP, é uma das maiores do gênero. [Artur Avila, nosso medalhista Fields, levou bronze na olimpiada Brasileira de Matemática, OBM (não confundir com a OBMEP), em 1992.] E feiras de conhecimento, como a Febrace (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia), da LSI/Poli/USP. No ensino superior, o Ciência Sem Fronteiras, originalmente voltada especificamente para os STEM, e, por isso mesmo, alvo de várias críticas por não incluir ciências humanas, p.e. Para o público em geral a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Entre outras iniciativas locais, estaduais, federais, particulares e governamentais.
Na discussão ocorrida na reunião da SBPC a que me referi na postagem passada, surgiu o tema do "cientista celebridade" ou "celebridade cientista". Antes é preciso deixar claro que não se está dando nem um sentido negativo de celebridade (o que se acha, o que amealha para si todas as glórias mesmo a que deveria ser compartilhada ou atribuída a outros, o que trata os demais com descaso), nem o sentido que atualmente seria o mais convencional: alguém simplesmente famoso por ser famoso (e não por ser um destaque em uma área relevante na vida das pessoas - ao contrário, a ideia é exatamente que se destaquem por isso - aproximar-se do sentido anterior ligado exatamente ao termo primitivo 'célebre': no sentido, p.e., em que Einstein foi um célebre físico e não apenas um físico célebre). Em uma postagem do Rafael Bento, do RNAm, com o link para o artigo de André Rabelo, do SocialMente, um comentarista disse: "mais ego é algo que a ciência realmente não precisa".
As demais críticas têm sido: há outras coisas a se fazer (como valorizar as ciências dando melhores condições de trabalhos aos cientistas - entre salários, bolsas, direitos trabalhistas, desburocratização para a pesquisa...), linha adotada na crítica de Rabelo e também de Luiz Bento, do Discutindo Ecologia; a questão é superficial; e, para Atila Iamarino, do Rainha Vermelha e Nerdologia, é preciso que a Capes e o CNPq incentivem a divulgação científica de modo geral, reconhecendo a atividade na avaliação do pesquisador e dando verba para isso.
Como adiantei na postagem anterior, eu tendo a me alinhar mais com Stevens Rehen, da UFRJ, e com a Helena Nader, presidente da SBPC, e Jacob Palis, da ABC.
Mas, antes, abordemos as críticas: sim, há mais coisas a se fazer, apenas ter celebridades não é a solução para todos os problemas da ciência brasileira. Esse ponto é pacífico até entre os defensores de que haja mais cientistas conhecidos e admirados pelo grosso da população. Só que o fato de haver outras coisas não quer dizer que seja inútil haver os tais cientistas celebridades, ponto reconhecido pelo próprio Rabelo, crítico à ideia. Creio que esse ponto seria relevante se se propusesse que a promoção de "heróis da ciência" fosse a única ou a principal ação para a melhoria da ciência nacional. Não é o caso. Ou se fosse concorrente por recursos escassos. O que não é necessariamente o caso. A construção de reputação popular de indivíduos pode demandar muito dinheiro - como pagar anúncios em veículos de comunicação -, mas, aqui, não é algo que seja preciso. Agências de fomento, associações científicas, órgãos de governo têm seus relações públicas. E, não se trata aqui de personalismo, podemos eleger notáveis na forma de instituições ou mesmo personalidades já com boa reputação entre os pares - claro, há que se cuidar da transparência e não de fomentar panelinhas e intrigas de salão (infelizmente nada raro na comunidade científica). Bastaria, por exemplo, que órgãos de governo trabalhassem mais na promoção da *premiação* José Reis de divulgação científica junto aos veículos de comunicação (incluindo aí os social media): Artur Avila, não obstante o reconhecimento entre os pares pela qualidade de seu trabalho, ganhou boa notoriedade popular por meio da Fields - comparecendo à FLIP deste ano. Fora um Nobel, então, sua fama iria às alturas.
O ponto levantado por Atila, talvez um dos que podemos considerar o mais próximo de uma celebridade científica (é reconhecido por um bom público de jovens estudantes e alvo de tietagem), é interessante, mas também não é exatamente algo contrário à ideia de eleição de "campeões da ciência". E, sim, pode até ser, como argumenta, um meio indutor para o surgimento das celebridades.
Porém, todo esse blablablá acima serve mais como um intróito do que eu gostaria de realmente argumentar. Eu, confessadamente, não tenho conhecimento suficiente para
"Women who have not yet entered science, technology, engineering, and mathematics (STEM) fields underestimate how well they will perform in those fields (e.g., Correll, 2001; Meece, Parsons, Kaczala, & Goff, 1982). It is commonly assumed that female role models improve women’s beliefs that they can be successful in STEM. The current work tests this assumption. Two experiments varied role model gender and whether role models embody computer science stereotypes. Role model gender had no effect on success beliefs. However, women who interacted with nonstereotypical role models believed they would be more successful in computer science than those who interacted with stereotypical role models. Differences in women’s success beliefs were mediated by their perceived dissimilarity from stereotypical role models. When attempting to convey to women that they can be successful in STEM fields, role model gender may be less important than the extent to which role models embody current STEM stereotypes."
["Mulheres que ainda não entraram nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM) subestimam quão bem elas irão desempenhar nessas áreas. Geralmente se assume que modelos femininos de vida melhoram a crença das mulheres em que elas serão bem sucedidas nas STEM. O presente trabalho testa essa suposição. Dois experimentos variaram o gênero do modelo e se o modelo incorpora estereótipos das ciência da computação. O gênero do modelo não teve efeito sobre a crença no sucesso. No entanto, mulheres que interagiram com modelos não-estereotípicos acreditaram que elas podem ser mais bem sucedidas em ciência da computação do que as que interagiram com modelos estereotípicos. Diferenças nas crenças no sucesso das mulheres foram mediadas pela dissimilaridade percebida em relação ao modelo estereotípico. Na tentativa de convencer mulheres que elas podem ser bem sucedidas nas áreas STEM, o gênero do modelo deve ser menos importante do que a extensão em que os modelos incorporam estereótipos correntes sobre as STEM."]
Seria, claro, pretensioso acreditar que isso encerra a discussão. A literatura é extensa e nem sempre há concordância quanto a isso. Mas espero que esse exemplo sirva para demonstrar que a proposta não é despropositada. E, embora eu não queira ser pretensioso de dar a palavra final, eu sou pretensioso o suficiente para querer que esta abordagem incentive a discussão a tomar uma base mais factualmente embasada. Opiniões pessoais (e históricos de vida) e ideologias importam, no entanto, a análise fica mais rica e sólida quando podemos amarrar com base em dados e estudos.
Upideite(28/set/2015): Um interessante artigo de Declan Fahy na revista da CSI (Committee for Skeptical Inquiry): "A brief history of scientific celebrity" via Rodrigo Veras fb.