Lives de Ciência

Veja calendário das lives de ciência.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

A união faz... vídeos de divulgação científica

Os principais vloggers (e também não vloggers) de ciências do Brasil reuniram-se entre os dias 23 e 24.jan.20165 em Campinas-SP, nas dependências da Estuderia/Numina Labs, para discutirem as estratégias de unificação de seus esforços de divulgação científica.

O grupo está recrutando pessoal de apoio técnico engajado na causa: designers, administradores, editores de vídeo, publicitários/mercadólogos, assessores de imprensa, entre outros. Contatos com: iniciativadoconhecimento@gmail.com ou o perfil do facebook de Vinícius Camargo.


Participantes da reunião de Solvay Campinas. Crédito da foto: CR Dias.

Canais participantes da iniciativa (a lista ainda está incompleta):
Alimente o Cérebro (Devanil Júnior)**
Canal do Pirulla (Pirulla)
Canal do Slow (Estêvão Slow)
Carlos Orsi (Carlos Orsi)* - blog
Ciência Todo Dia (Pedro Loos)
Cultura Científica (Leandro Tessler)* - blog
Discutindo Ecologia (Luiz Bento)* - blog
Dragões de Garagem (Patrick Simões e cia.) - podcast
iBioMovies (Vinicius Camargo)
Matemática Rio (Rafael Procópio)
Nerdologia (Átila Iamarino)
Papo de Primata (David Ayrolla)
Primata Falante (Davi Simões)
Peixe Babel (Camila Laranjeira)
Quer que Desenhe? (Carlos Ruas)
Revista Pesquisa Fapesp (Renata Oliveira do Prado - aquela jornalista da revista).***
ReVisão (Flávio Lico)
Scienceblogs Brasil (Rafael Soares e cia.) - blogs

Outros textos:
Carlos Orsi. Divulgação científica: pequenos detalhesdilemas.

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Outros vlogs (não participantes - ao menos neste primeiro momento - da iniciativa)4:
Instante Biotec (Bárbara Paes)

*Upideite(25/jan/2015): adido a esta data.
**Upideite(26/jan/2016): adido a esta data.
***Upideite(27/jan/2016): adido a esta data.
4Upideite(21/fev/2016): adido a esta data

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

It's alive, it's alive! 3c

O texto abaixo também estava disponível no site Feira de Ciências, que atualmente encontra-se fora do ar. Ele faz parte da complementação ao texto sobre conceituação de vida.

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Introdução
O METABOLISMO1 é o conjunto das reações físico-químicas2 que ocorrem em um organismo3. Nos organismos atuais tais conjuntos são bastante intrincados com milhares a milhões de reações diferentes interconetadas. As reações têm suas taxas alteradas por estímulos ambientais e também pela taxa de outras reações: pela alteração de fatores como concentração de reagentes, quantidades de catalisadores, ativadores, competidores e inibidores de reação e também por elementos físicos como temperatura e distribuição espacial dos reagentes.

Por meio dessas reações os organismos reagem ao ambiente e às alterações nas condições internas, mantendo um estado interno mais ou menos estável – a homeostase4, 5. Essa estabilidade, no entanto, não é absoluta. As condições internas do organismo não permanecem exatamente as mesmas ao longo do tempo – o ponto de equilíbrio, isto é, o estado em torno do qual as condições tendem a variar, geralmente muda com o desenvolvimento do organismo ou periodicamente: a temperatura corporal média de um animal em hibernação é diferente da do mesmo animal em estado ativo ou a concentração hormonal em plantas adultas certamente é diferente da de plântulas imaturas. (O desenvolvimento orgânico, na verdade, pode ser pensando como a variação do ponto de equilíbrio ao longo do tempo, fazendo com que as características dos organismos mudem ao longo do tempo – seu tamanho, sua concentração interna de sais, seu comportamento e assim por diante.)
Embora os processos de alterações físico-químicas nos organismos atuais tendam a ser complexos, mesmo em alguns sistemas simples (e inorgânicos) podemos perceber essa tendência ao equilíbrio (dinâmico) em respostas a alterações externas e internas – uma reação química simples, por exemplo, pode-se deslocar para um ou outro sentido de acordo com a concentração maior ou menor de reagentes ou produtos; ou ainda um sistema de tampão ácido-base pode contrabalançar (dentro de uma certa faixa de variação) a adição ou subtração de prótons à solução permitindo que o pH varie muito pouco.

As reações que compõem o METABOLISMO podem ser divididas em dois grupos interdependentes:

Catabolismo6 – é o conjunto de reações que degradam as substâncias em componentes menores (ou melhor seria dizer menos energéticos). Geralmente são acompanhadas da liberação da energia contida nas ligações químicas rompidas. Essa energia pode ser perdida para o ambiente ou utilizada em outros processos biológicos – movimento, síntese de compostos, reprodução, crescimento e desenvolvimento.

Anabolismo6 – é o conjunto de reações que produzem compostos e substâncias a partir de componentes menores (ou menos energéticos – muitas vezes as reações não envolvem a união de dois componentes, mas a transformação de um componente em um componente mais energético, como no caso da alteração do estado de oxidação de íons). Freqüentemente vale-se da energia liberada nas reações catabólicas para produzir dos compostos necessários no crescimento e desenvolvimento do organismo – ou pode utilizar-se mais diretamente de fontes externas de energia como no caso da fotossíntese.

Da relação entre os processos catabólicos e anabólicos depende o que ocorre com o organismo. Se os processos catabólicos predominam, o organismo pode se degenerar até sua total degradação – como ocorre no processo de senescência (envelhecimento) – se são os processos anabólicos que predominam, o organismo pode acumular reservas e recursos, crescendo em tamanho, organização e complexidade. Porém os processos anabólicos dependem fundamentalmente dos catabólicos como fonte de energia (e componentes). No caso em que ambos os processos ocorrem em intensidades equivalentes, as condições internas tendem a permanecer mais ou menos iguais.

O catabolismo e o anabolismo são em grande medida processos opostos – o que é produzido por um processo o outro desfaz. Isso faz com que, grosso modo, sejam incompatíveis. Se ambos ocorrerem no mesmo lugar ao mesmo tempo teremos pouco mais do que o trabalho de Penélope ou de Sísifo. É indispensável uma separação desses processos – a separação temporal pode ser obtida por meio de controles que inibem um dos processos enquanto o outro está correndo, a separação espacial pode ser alcançada por meio da compartimentalização. A termodinâmica deve ser consultada.

O METABOLISMO, sendo fundamentalmente um processo de transferência e transformação de energia (vide nota 2), está sob ação dos princípios termodinâmicos. Uma importante implicação disso é que, dado que os processos biológicos dependem dos processos metabólicos, a Vida só pode ocorrer em sistemas ou subsistemas abertos – isto é, que troquem materiais e energia com o ambiente (ou pelo menos que não sejam isolados, que troquem energia com o meio externo). Isso porque se não há troca de energia com o meio, o metabolismo não pode continuar indefinidamente já que as transformações sempre geram uma quantidade de energia na forma que não pode ser utilizada no processo – a energia útil (a que pode realizar trabalho nas condições do sistema) é gradativamente consumida (isto é, transformada em uma forma que não é capaz de realizar trabalho) até que o processo de transformação não possa mais prosseguir.
Os seres vivos devem então se interpor a um fluxo de energia – como a da luz solar rumo ao espaço sideral no caso dos organismos fotossintéticos ou que deles dependem (caso da maioria dos organismos conhecidos). Corte-se o fluxo de energia e, rapidamente, a Vida deixa de existir – como flores no escuro ou pessoas em inanição7. O corte do fluxo não precisa se dar necessariamente na entrada de energia, pode ocorrer também pelo bloqueio da saída de energia – impeça-se, por exemplo, a dispersão de energia térmica com camadas e camadas de material isolante e em um tempo bem curto atingiremos uma situação bastante crítica8.

Embora o METABOLISMO seja essencial para os processos biológicos, certos organismos em condições especiais podem suspender suas atividades metabólicas, retomando-as quando as condições lhes forem mais favoráveis – essa capacidade de retomada das atividades metabólicas e das demais atividades biológicas depende da preservação de sua estrutura interna9. Para a maioria dos casos, no entanto, a cessação das atividades metabólicas significa a morte. Um leve asteísmo está presente neste fato: embora seja extremamente embaraçoso aos biólogos a incapacidade de se dar uma definição de Vida(vide "O que é Vida?"), podemos definir a morte de um organismo como a cessação irreversível de seus processos metabólicos.


Notas
Nota1: do grego metabolê, ês (metá 'para além de' + bálló 'lançar, jogar') 'transformação; mudança de natureza, caráter ou costume'. Noção que surge em outros vocábulos como a-hemi- e holometábolo, referindo-se à condição de certos organismos – notadamente insetos – de passarem ou não pelo processo de metamorfose (uma transformação em sua constituição física), ou metábole, figura de linguagem que consiste na repetição das mesmas idéias, apenas com palavras diferentes, ou a repetição das mesmas palavras com alteração na ordem.
Nota2: em uma definição mais ampla, o metabolismo pode ser entendido como o conjunto de transformações energéticas que ocorrem em um sistema físico e as alterações físicas que causam essas transformações, acompanham-nas ou delas decorrem – nesse sentido, poderemos falar até mesmo de metabolismo de geladeiras e estrelas. Uma definição ainda mais ampla seria o conjunto de operações realizadas sobre elementos de um sistema – aqui, sistemas abstratos como programas de computadores (mesmo desconsiderando-se a questão do hardware) ou mesmo uma equação matemática podem ser acusados de ter metabolismo.
Nota3: 'no organismo' - por vezes, tais reações podem ocorrer também fora do organismo: algumas espécies iniciam sua digestão extracorporalmente, como as das aranhas – cujo veneno injetado na vítima digere seus tecidos, permitindo ao predador apenas sorver a massa liqüefeita.
Nota4: Termo criado pelo fisiologista americano Walter Cannon (1871-1945), cunhado sobre o grego hómois, a, on 'semelhante, de mesma natureza' e stásis, eós 'estabilidade, fixidez'.
Nota5: Não deixa de ser irônico que por meio do metabolismo (essencialmente uma transformaçãomudança nas condições) se obtenha a homeostase (essencialmente uma permanência das condições internas). Ainda que possamos ver uma ironia – certamente involuntária – nisso, não chega a ser um paradoxo. Lembremo-nos da passagem de "Alice do outro lado do espelho" de Lewis Carrol, em que a Rainha de Copas diz para Alice: "É preciso correr o mais rápido que você puder para ficar no mesmo lugar!" ou do ato de baldear a água para fora de uma canoa furada ou da expressão "enxugar gelo" – como o ambiente interno e o externo tendem a se alterar com o tempo (ver no texto principal a questão sobre as implicações termodinâmicas do metabolismo), as transformações metabólicas, em muitos casos, atuam no sentido de contrabalançar essas alterações.
Nota6: "Catabolismo" e "anabolismo" – dos gregos katá 'para baixo' e aná 'para cima'.
Nota7: A energia útil que mantém o processo varia de sistemas para sistema. Apesar das alegações em contrário, para humanos é inútil a simples presença de energia na forma luminosa – assim como para um carro à gasolina, energia elétrica não serve; não estamos aparelhados para utilizar diretamente essa fonte de energia. Para nosso organismo, a energia deve estar na forma de ligações químicas de compostos orgânicos como açúcares e gorduras.
Nota8: Tal bloqueio impede o funcionamento de outros sistemas além de organismos individuais. Vide o que acontece com uma cidade que sofre com uma greve prolongada dos coletores de lixo.
Nota9: "depende da preservação de sua estrutura interna" – Assim, o sonho da ressuscitação após o congelamento do corpo permanece bastante distante, a despeito das promessas de algumas empresas, pois o processo de congelamento de um volume tão grande quanto o humano não é rápido o bastante para se evitar a formação de cristais de gelo maiores – que rompem a integridade das células.
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sábado, 9 de janeiro de 2016

It's alive, it's alive! 3b

O texto abaixo também estava disponível no site Feira de Ciências, que atualmente encontra-se fora do ar. Ele faz parte da complementação ao texto anterior de conceituação de vida.

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Introdução
A replicação de um elemento ou fator (organismo, objeto, símbolos, sistemas, etc.) nada mais é do que a produção de novas cópias, mais ou menos idênticas ao original. A auto-replicação é um processo de replicação eliciado pela presença do original: isto é, a presença de um original é uma condição necessária para a produção de cópias. A reprodução é um tipo especial de auto-replicação1, na qual, não apenas novas cópias são produzidas – com o processo requerendo a presença do original -, como informações genéticas são também replicadas do original para as cópias – ou seja há herança2.

Replicação
Imaginemos um elemento A que é produzido a partir de outros elementos: B, C e D. E imaginemos que, ao lado de A, são também produzidos os elementos: E e F.
B + C + D  A + E + F   [1]

O processo [1] é o processo de produção de A – e também de E e F (considerados subprodutos, quando analisamos o processo com ênfase em A). A repetição de [1] leva a mais produção de A (e de E e F) – levando à uma replicação de A (e de E e F). B, C e D são insumos do processo [1] e A, E e F são produtos desse processo.
Imaginemos agora que C=E:
B + C + D  A + C + F   [2]

Consideremos ainda o processo abaixo:
B + D  A + F   [3]

Se o processo [3] não é possível ou ocorre a uma taxa menor do que [2], o elemento C é dito facilitador3do processo [2]: a produção de A e F a partir de B e D. O C é um elemento necessário para a ocorrência de [2] (ao menos a uma certa taxa), mas não é consumido nesse processo (aparece tanto no termo à esquerda, quanto à direita da seta do processo)4.

Auto-replicação
Imaginemos agora           A=D=F (CE):
B + C + A  A + E + A   [4.1]

Ou reescrevendo:
A + B + C  2A + E   [4.2]

Consideremos o processo abaixo:
B + C  A + E   [5]

Se o processo [5] não é possível ou ocorre a uma taxa muito menor do que [4.2], a presença de A é necessária, o que a torna um insumo, mas ela não é consumida (está presente nos termos à esquerda e à direita da representação do processo), o que faz de A um facilitador. Mas A também é um produto do processo: não apenas o A inicial está presente no termo à direita, mas um A extra. Nesse caso temos uma auto-replicação: há um aumento no número de cópias e a presença do original é requerida.

Numa reação química, os insumos (exceto os facilitadores) são chamados de reagentes, os facilitadores são chamados de catalisadores. Em termos químicos, um auto-replicante equivale a um composto que catalisa a reação de sua própria produção – o processo é chamado de autocatálise. Um exemplo é a tripsina no estômago: a tripsina é formada pela quebra de uma cadeia de tripsinogênio, essa quebra, por sua vez, pode ser catalisada pela própria tripsina. Uma certa quantidade de tripsinogênio, então, gera inicialmente uma pequena quantidade de tripsina. Essa tripsina gerada atua sobre o tripsinogênio restante, acelerando a quebra, liberando mais tripsina. Com uma maior quantidade de tripsina, a quebra do tripsinogênio é acelerada. E o ciclo rapidamente aumenta de velocidade até que todo ou praticamente todo o tripsinogênio seja quebrado. A partir daí a reação cessa. Esse é também o processo de geração de príons – proteínas modificadas ligadas a certas doenças como o mal da vaca louca – que atuam sobre proteínas normais presentes em nosso organismo, gerando mais príons.

Notas
Nota1: "A reprodução é um tipo especial de auto-replicação..." - nem todos os autores seguem a terminologia aqui empregada. Boa parte entende a replicação ou a auto-replicação simplesmente como o nome que se dá à reprodução de organismos mais simples – bactérias, arqueas e vírus – ou de moléculas e sistemas como vírus de computador e memes. Outros tratam os termos como sinônimos.
Nota2: "...ou seja há herança" – na reprodução há dois componentes, o computador universal e o construtor universal (conforme a denominação de von Neumann). Em termos biológicos: o genótipo e o fenótipo; em termos computacionais: o software e o hardware. O primeiro componente dirige as ações do segundo, que produz cópias dos dois componentes.
Nota3: Por outro lado, se o processo [3] ocorre a uma taxa maior do que o [2], diz-se que C é um elemento inibidor.
Nota4: Isso, claro, considerando-se a produção de A e F. Sob o ponto de vista de C, o processo [2] pode ser na verdade um processo de replicação de C envolvendo a destruição do original. Nos casos que não envolvem reprodução (ver nota 1) ou a reprodução é 100% fiel, os processos [2] e [3], do ponto de vista de C, são indistinguíveis. Se houver reprodução de C, no entanto, e a taxa de fidelidade for menor do que 100%, os processos [2] e [3] serão distintos.
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segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

It's alive, it's alive! 3

Já tratei do tema de definição da vida no GR em outras ocasiões. Volto ao tema porque o sítio web Feira de Ciências, do saudoso prof. Luiz Ferraz Netto, parece estar fora do ar - não sei se em caráter temporário ou permanente - lá eu havia contribuído com uma série de textos sobre biologia e conceituação de vida.

Reproduzo abaixo o texto inicial em que eu discuto o que é vida (inspirado e baseado em boa medida no texto "Life is..." do jornalista Bob Holmes publicado na New Scientist na edição de 13 de junho 1998).

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O que é vida?

Introdução
Em sendo a BIOLOGIA o ramo das Ciências que estuda os seres vivos, seria de se esperar que a definição de VIDA – o objeto final de estudo do campo – fosse um pré-requisito para todas as pesquisas da área.

Não é, contudo, exatamente o que ocorre. Não existe uma definição universalmente aceita pelos biólogos do que seja VIDA, ainda assim eles não hesitam em estudá-la: e até mesmo em procurá-la em outros cantos do universo. Mas como estudar algo que não se sabe o que é?

Pode parecer um tanto paradoxal – e, de fato, não deixa de ser – porém, de outro lado, estuda-se algo justamente para se descobrir o que o objeto estudado é (quais as suas características, o que faz, como surgiu, do que é feito, etc.). Além disso, independentemente de uma definição precisa, sabemos desde criança que um cavalo é um ser vivo, mas um livro não – assim, os biólogos podem contornar, ao menos parcialmente, o problema. (Antes de atirarmos pedras nos biólogos lembremo-nos de que eles não estão sozinhos nessa delicada situação de lidar com algo que não sabem bem o que é ou, se sabem, não sabem externá-la em palavras. Para embaraçar um físico basta perguntar-lhe o que é matéria, energia ou tempo – elementos básicos em seu estudo dos fenômenos naturais –, um matemático não se sai melhor em explicar o que é um número. E, para além do terreno estrito das Ciências, perguntemos a um literato o que vem a ser poesia ou a um marchand o que é arte afinal de contas.) De todo modo a questão persiste: o que faz então de um cavalo um ser vivo; mas de um livro, um ser inanimado1?

Um problema adicional é que conhecemos apenas um tipo de VIDA, a da Terra. E esse conhecimento é – ainda que bastante detalhado sob muitos aspectos – somente parcial.
A despeito disso diversas tentativas foram feitas. E, a partir dos estudos das formas de VIDA como a conhecemos, algumas propriedades em comum podem ser levantadas. Alguns conceitos-chave que precisam ser levados em conta para a definição de VIDA são: auto-replicação, metabolismo (homeostase/entropia/auto-organização), delimitação (compartimentalização/individualização) e evolução/hereditariedade.

Auto-replicação
Uma característica marcante dos seres vivos é a sua capacidade de se reproduzir, isto é, induzir a formação de cópias de si mesmo a partir de elementos tomados do ambiente. De todo modo ela não pode ser considerada a propriedade distintiva dos seres vivos ou, no mínimo, teremos problema se a considerarmos isoladamente: se definirmos seres vivos como entidades auto-replicantes, robôs programados para construir robôs iguais a si em uma linha de montagem teriam que ser considerados vivos; além disso, mulas, provectos senhores e eunucos não seriam seres vivos dada a sua incapacidade reprodutiva. (Para ver mais.)

Metabolismo (homeostase/entropia/auto-organização)
O metabolismo é o conjunto de reações químicas que ocorrem no interior do organismo (por vezes, no exterior também) que mantém mais ou menos estáveis as condições internas do organismo (homeostase). Através do metabolismo o organismo obtém energia utilizada em seu crescimento e reprodução, transformando os compostos que absorve do ambiente e incorporando-os em sua estrutura – com isso os seres vivos são capazes de manter uma organização interna indefinidamente (auto-organização)2. Os seres vivos são redutores puntuais de entropia (uma medida de desordenação de um sistema3) – isto é, eles diminuem ou mantêm o seu grau interno de desorganização, desorganizando ainda mais o ambiente em que estão. O metabolismo, porém também apresenta restições como marcador do que seja VIDA. Uma geladeira realiza algo análogo ao metabolismo: mantém sua entropia interna mais ou menos inalterada (mais frio dentro do que fora), consumindo energia (a elétrica proveniente da tomada) e aumentando a entropia do ambiente (o radiador lança constantemente a energia térmica resultante para o ambiente); uma chama de vela também mantém a sua organização interna às custas da organização do ambiente. Por outro lado, organismos debilitados pela idade avançada ou tomado por uma doença terminal estão perdendo a batalha para a entropia – seu organismo está em franco processo de degeneração – mas ainda não os consideramos mortos. (Para ver mais.)

Delimitação (compartimentalização/individualização)
Os seres vivos são fenômenos localizados, isto é, ocupam uma região limitada do espaço. E também são distintos do ambiente em que estão. Isso permite manter um ambiente interno, onde podem manter e concentrar os elementos que capturam do ambiente externo: nutrientes, por exemplo – impedindo que se percam dispersos no meio ou sejam utilizados por outros. Permite também a formação de um ambiente mais propício aos processos que os mantêm, por exemplo, otimizando as reações químicas com concentrações adequadas de reagentes. Todos os organismos vivos que conhecemos possuem uma delimitação de natureza física – os seres vivos são baseados em células, tendo nelas a sua unidade morfológica e funcional, delimitadas por uma membrana formada por uma camada bilipídica que as separa do meio externo – mesmo os vírus, seres acelulares (são basicamente uma capa de proteína envolvendo um pedaço de ADN ou ARN), funcionam apenas dentro de células (são parasitas intracelulares obrigatórios, fora delas ficam inertes a ponto de alguns biólogos não o considerarem seres vivos de fato). A delimitação certamente não define um ser vivo, porém. Um carro é delimitado, sendo distinto do ambiente em que se encontra.

Evolução
A auto-replicação faz com que os organismos produzam cópias de si mesmo. Porém, as cópias não são sempre idênticas. Há sempre, por mais baixa que seja, uma taxa inerente de erro no processo. As novas variantes podem ser eliminadas então pela seleção natural – caso a alteração signifique a produção de uma característica desvantajosa ao indivíduo – ou permanecer na população ou até mesmo prosperar. Porém definir VIDA como um processo de evolução (particularmente por seleção natural) pode ser um pouco complicado: vírus de computador são capazes de produzir cópias alteradas de si mesmo (normalmente as variantes produzidas por acaso são as que mais danos causam ao funcionamento do computador), alterações que podem garantir uma maior capacidade de proliferação (produzem cópias mais rapidamente ou que escapam ao programas antivírus) e com isso ocorrer uma evolução da população desse tipo de vírus. Serão tais programas seres vivos? Alguns biólogos estão prontos para achar que sim e não apenas vírus de computador, como também idéias que passam de uma mente para outra e se multiplicam e mudam ao longo das gerações, muitos outros, contudo, torcem o nariz para tal concepção. (Para ver mais.)

Bibliografia
El-Hani, CN & Videira, AAP (orgs.) 2000 O que é vida? – para enteder a Biologia do século XXI. Rio de Janeiro, Faperj/Relume Dumará, 311 págs.
Holmes, R 1998 Life is... New Scientist (13 jun). http://www.newscientist.com/hottopics/astrobiology/lifeis.jsp (link quebrado)
Margullis, L & Sagan, D 2002 O que é vida? Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 289 págs.
Schrödinger, E 1997 O que é vida? – o aspecto físico da célula viva seguido de Mente e matéria eFragmentos autobiográficos. São Paulo, Unesp, 192 págs.

Notas
Nota1: "inanimado". A palavra remete a anima, palavra latina significando alma. Se o inanimado – desprovido de alma – contrasta com os seres vivos, a idéia original era a de que a Vida representava a posse da alma. A Vida seria uma propriedade especial a diferenciar os seres vivos da matéria comum como pedras, água, terra, ar... Esse princípio desenvolveu-se nas idéias vitalistas de certos sistemas filosóficos antigos, casando-se com o ponto de vista de diversas religiões. Nas Ciências foi progressivamente perdendo terreno, tendo início com o surgimento da visão mecanicista do mundo (como os seres vivos não passando de autômatos – sistemas físicos obedecendo simplesmente às leis naturais, como um complexo relógio que pode ser reduzido e explicado pelo funcionamento de suas engrenagens – na visão de Descartes, embora ele ainda reservasse uma posição privilegiada aos seres humanos – que ainda possuiriam uma porção intangível) e fortemente abalada com a síntese inorgânica – por reações químicas ordinárias fora do corpo dos seres vivos a partir de substâncias comuns – de compostos tidos como possíveis de serem produzidos apenas pela ação direta do princípio vital: como no experimento de Wöhler em 1828 produzindo uréia pelo aquecimento de cianato e sal de amônio.
Nota2: À primeira vista isso pareceria contrariar a segunda lei da termodinâmica – a lei descreve o princípio fundamental de que em sistemas isolados as transformações tendem a ocorrer do estado menos provável para o mais provável ao longo do tempo. Se deixado à própria sorte nas condições do meio em que viçam as árvores, um pedaço de madeira tende a se desfazer em pequenos fragmentos (mesmo se as bactérias e outros organismos decompositores não estivessem no local, a madeira aos poucos iria se desfazer – embora levasse muito mais tempo), o mesmo com um naco de carne de vaca largado no meio de uma pastagem. Não obstante a árvore viva está sempre a produzir mais madeira, a partir basicamente de gás carbônico e água, incorporando-a em seu tronco e a vaca a produzir as fibras musculares de sua carne a partir do capim e da água. No entanto os seres vivos não são sistemas fechados, eles trocam matéria e energia com o ambiente. A árvore e o gado mantém ou aumentam a sua organização interna, lutando contra a tendência natural da desagregação de suas partes, aumentando a desordem do meio em que vivem – se considerarmos o sistema árvore/ambiente ou vaca/ambiente, aí sim perceberemos que esse sistema segue o previsto pela segunda lei da termodinâmica. Embora a madeira e o pedaço de carne também não seja sistemas isolados, neles não ocorrem os processos que substituem as porções perdidas como ocorriam no interior dos organismos de onde vieram.

Nota3: "uma medida de desordenação de um sistema". Ordem é um conceito intuitivo e tem a sua utilidade na compreensão da entropia. Mas pode ser enganoso. Não devemos entender ordem estritamente como um estado de disposição organizada, simétrica, coordenada. Tem mais a conotação de um estado particular, uma dada disposição específica. Se pensarmos em um quarto, a nossa noção de um quarto ordenado se casa com a noção de ordem entrópica na medida em que apenas um conjunto restrito de disposição das partes será considerado um quarto bem arrumado: as roupas e meias dentro das gavetas, as gavetas todas fechadas, o colchão sobre a cama, o lençol sobre o colchão e estirado, a fronha cobrindo o travesseiro e assim por diante. Uma meia fora da gaveta é um elemento de 'desordem' – quer em cima da cama, sobre a escrivaninha, em baixo do armário, sob o travesseiro, etc. Há então mais disposições diferentes que consideraremos 'desordem' (quarto desarrumado) do que 'ordem' (quarto bem arrumado). Se deixarmos a disposição ao acaso mais provavelmente ela se dará em uma das que consideraremos desarrumada. Devemos despender energia para que o quarto permaneça na disposição que consideramos arrumado. Por outro lado, imaginemos que se cometeu um crime nesse quarto – o lençol foi arrancado da cama, o colchão foi tombado, as gavetas abertas pelo criminoso que procurava alguma coisa e toda revirada, as meias espalhadas pelo chão, o armário escancarado. A cena do crime deve ser conservada para que a polícia possa desvendar o crime: a disposição dos objetos pode revelar se houve luta ou se a vítima foi pega enquanto dormia, qual foi o último lugar em que o assassino fez a sua busca e outras pistas importantes (para saber quem pode ser o assassino ou para, uma vez capturado, saber qual o grau de gravidade do crime cometido pelo assassino – se ele matou a sangue frio ou depois de uma discussão, por exemplo). Nesse caso, mesmo a disposição que consideraríamos arrumada – por nossa experiência do dia-a-dia e por nosso senso estético – não serve, ela não corresponde à disposição equivalente à cena do crime. Essa cena é bagunçada, mas corresponde a um estado particular. E agora qualquer modificação aleatória desfaz essa disposição. Para manter esse estado particular desarrumado temos que empregar energia. A ordem no caso dos seres vivos é uma disposição particular que garanta a eles a capacidade de explorar o ambiente, dele obter recursos e se reproduzir, por exemplo – a maioria das disposições possíveis dos elementos que compõem um ser vivo em particular resultariam em um ser inviável, sem essas características: se os átomos que nos compõem fossem juntados aleatoriamente dificilmente resultaria em qualquer coisa semelhante a nós.
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