Gustafson, A & Rice, RE. 2020. A review of the effects of uncertainty in public science communication. Public Understanding of Science, 29(6), 614–33. doi.org/10.1177/0963662520942122
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Abel Gustafson, da Universidade de Yale, e Ronald Rice, da Universidade da Califórnia, ambas dos Estados Unidos, fizeram uma revisão da literatura sobre os efeitos que a menção a incertezas nas mensagens ao público não-especializado tinha em vários parâmetros de confiança, persuasão e comportamento.
Tipos de incertezas:
- Deficitária: incerteza comunicada com frequência como conhecidas lacunas no conhecimento. Por falta de pesquisa na área, pelo problema não poder ser desvendado nem em princípio ou pela expansão do universo do problema ('cada resposta gera múltiplas novas questões'). Ex. "...embora muitas coisas ainda não sejam conhecidas e mais pesquisas sejam necessárias".
- Técnica: erros de medida, aproximações de modelos, pressupostos estatísticos... Exs. amplitude(range): 7-15 cm; probabilidade: 65% de chance; estimativas com intervalos de confiança e barras de erro...
- De consenso: (in)certeza em torno de uma teoria, descoberta ou previsão dada pelo acordo/desacordo coletivo a respeito delas - seja por grupos de interesse (cientistas, representantes do governo, público...), seja pelo corpo de evidências. Similar os conceitos coloquiais de "desacordo", "conflito" ou "controvérsia". Ex. "99% dos estudos publicados em revistas indexadas e revisadas por pares concluem que há um aquecimento global antropogênico em curso".
- Da ciência: todo conhecimento científico, em princípio, pode ser modificado por descobertas futuras. Ex. "estas informações representam os melhores dados disponíveis no momento, mas as coisas podem mudar no futuro".
Tipos de efeitos:
- negativos: efeitos que reduzem a confiança nas ciências - aumento de dúvida sobre segurança de vacinas, menor percepção de credibilidade de pesquisa, menor intenção de se adotar comportamentos saudáveis, redução na própria certeza sobre algo, menor confiança na fonte da mensagem...
- positivos: efeitos que aumentam a confiança nas ciências - aumento da percepção de credibilidade de jornalistas e cientistas, aumento da crença na certeza dos cientistas sobre a ausência da relação entre vacinas e autismo, redução da crença no desacordo entre os cientistas, pessoas com atitudes mais negativas em relação aos OGMs passam a ser mais favoráveis a propostas de aplicação de OGMs, aumento na confiança nos cientistas, aumento da percepção da certeza dos cientistas quanto à realidade do aquecimento global...
- nulos: ausência de efeitos significativos (aumento ou redução) em crenças, confianças, apoio, percepção de perigo, etc...
Resultados:
- A comunicação de incertezas de consenso se associa mais a resultados de efeitos negativos;
- A comunicação de incertezas técnicas não apresenta efeitos negativos, variando de efeitos positivos a nulos;
- A comunicação de incertezas deficitárias e da ciência têm efeitos variados entre os estudos: negativos, positivos e nulos;
- As incertezas podem levar a vieses de confirmação e raciocínio motivado (em que a pessoa argumenta com a intenção de provar um ponto pré-estabelecido) de acordo com a existência de visões de mundo e opiniões sobre o tema prévias;
- A (des)confiança na ciência e nos cientistas interferem nos efeitos das incertezas: entre os que confiam na ciência, o relato de um alto nível de consenso entre especialistas sobre uma política ambiental se associa a um maior apoio a essa política, enquanto que, entre os que não confiam na ciência, isso tende a ter um efeito de menor apoio (talvez por aumentarem a percepção prévia de existência de uma conspiração);
- Entre os que enxergam a ciência como um empreendimento que sempre está sujeito a algum nível de incerteza, a comunicação de incertezas tende a ter efeitos mais positivos; já entre os que enxergam a ciência como reveladora de verdades absolutas, isso tende a ter efeitos mais negativos;
- Temas podem afetar o efeito da comunicação de incertezas: p.e. a incerteza de consenso parece afetar o resultado da comunicação de aquecimento global, mas não de rotulagem de OGMs e perigos de maquinários.