Lives de Ciência

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domingo, 25 de maio de 2025

O que é divulgação científica? Resposta de biólogos*? Depende.

Saiu um artigo do Prof. Dr. Marcelo Valério, docente da UFPR, com que tive a honra de colaborar, de revisão conceitual e proposta de definição do que seja a Divulgação Científica.

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Valério, M. & Takata, R. 2025. Afinal, o que é divulgação científica? Explanação e proposição de uma definição plural. Pro-posições, 36, e2025c0502BR. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2024-0047BR

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Sem negar nossas origens - ambos somos formados em Ciências Biológicas -, concluímos que a melhor resposta para a pergunta "o que é a DC" é: depende. Não nos furtamos de dar uma definição. Mas, analisando a discussão registrada na literatura relevante: (longe de esgotar, claro, mas, cuidamos, representativa) em inglês, em português, em francês, em espanhol.... (e não apenas na literatura acadêmica, mas também na imprensa noticiosa, documentos oficiais e institucionais), sob diversas perspectivas (como a partir da área de comunicação, da área de educação; da teorização ou da prática...), extraímos parâmetros que parecem mais importantes para os diferentes entendimentos do que se constitui, sob diferentes pontos de vista, a DC (e expressões afins), entendemos que uma definição fechada, exclusivista do tipo "é assim e pronto, se sair um milímetro disto, já não é mais" seria pouco útil para dar conta dessa diversidade de entendimento. No entanto, também não cabe dizer que, então, é qualquer coisa.

É uma proposta de definição que reflete um espectro entre o que é reconhecidamente divulgação científica e o que reconhecidamente não é divulgação científica - destacamos a faixa degradê entre os extremos. Sem propor um corte, um limiar nessa faixa. (O que é possível de se fazer, mas não consideramos interessante para nossos propósitos - mas que, em certas circunstâncias, p.e., avaliar propostas enviadas para um edital de DC ou trabalhos enviados para um congresso, são justificadas e necessárias.)

A figura abaixo resume essa perspectiva:


Elementos de composição do espectro de ações e atividades de divulgação científica.  públicos afastados, alijados e/ou leigos em oposição a públicos especializados e/ou iniciados; fontes acadêmicas e/ou institucionais em oposição a fontes alternativas, senso comum e/ou opiniões; linguagens coloquial, acessível e/ou adaptada (em oposição a linguagens hermética e/ou restrita e intencionalidade pedagógica evidente e/ou empenhada em oposição a vaga e/ou omitida].


São eixos ou parâmetros considerados em diversas definições já dadas para classificar ações e atividades como de divulgação científica ou não - nem todas presentes ao mesmo tempo nessas definições. Então, uma atividade que visa a públicos especializados ou iniciados *e* usa como fonte o senso comum, as opiniões pessoais, o conhecimento alternativo *e* usa uma linguagem hermética e restritiva *e* não tem intencionalidade pedagógica explícita seria algo que certamente não se encaixaria em praticamente nenhum entendimento do que seja DC. Enquanto que atividades que visam aos públicos não-acadêmicos, alijados do conhecimento científico *e* tomam como fontes o conhecimento acadêmico e institucional *e* se vale de uma linguagem informal, acessível, adequada *e* tem uma clara intencionalidade pedagógica são atividades que praticamente qualquer um reconheceria como sendo de DC.

Só que a maior parte das ações e atividades não caem nesses extremos. Estão em algum ponto no meio. Alguém poderia perfeitamente quantificar cada parâmetro - digamos, dar notas de 0 a 10 para cada eixo - e definir uma pontuação mínima de somatória para classificar como DC. Qual seria a pontuação? Fica a gosto do freguês. Que peso dar a cada fator? A gosto do freguês.

É um espectro: Permite flexibilidade, adaptando às necessidades das circunstâncias de definição ("oquei, dentro de uma avaliação de carreira, esta peça não se encaixa como DC; mas para apresentação neste festival, sim"), ajudando a fugir de engessamento infrutífero.

É um espectro, mas, esperamos, não um fantasma. Não é qualquer coisa: de um lado, porque pelo menos da situação extrema é claramente uma coisa ou outra, e, também, digamos, um eixo quanto à duração da atividade não é relevante: algo não se torna ou deixa de ser DC porque é feito com 140 caracteres ou 2 milhões, em 1 minuto no Tik Tok ou em apresentações ao longo de um mês... (Deixamos de fora também como parâmetro quem *faz* a ação de divulgação: cientista? opa, claro; jornalista? sim, por favor; chef de cozinha? por que não? motorista de Uber? manda mais.... aluna do ensino fundamental? maravilha.)  E, definidos os critérios para a ocasião dada, é possível se classificar - seja na base do tudo ou nada (colocando limiar nesse espectro), seja em termos graduados - de modo transparente.

Não necessariamente tira espaço de atuação de sensibilidades subjetivas - pode atuar, por exemplo, no posicionamento exato dentro do espectro de cada parâmetro. Mas, pretendemos, ajuda a posicionar em bases mais sólidas esse processo. (Permite até autorreflexão: com base em quê estou considerando isto como DC? será que acho que não é só porque não fui com a cara da pessoa?)

Convidamos a todes, todos e todas a analisarem essa proposta. Se tiverem um tempinho, diga-nos o que acharam.

*Modo de dizer. Sou apenas bacharel em biologia.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Vida extraterrestre: Sinais, fortes sinais? Talvez nem tanto.

Foi anunciada com fanfarra em press release por uma equipe de cientistas britânicos e estadunidenses a detecção de moléculas de sulfeto de dimetila (DMS) e bissulfeto de dimetila (DMDS) em um exoplaneta (K2-18b) a 124 anos-luz de distância da Terra. (O estudo "New Constraints on DMS and DMDS in the Atmosphere of K2-18 b from JWST MIRI" está disponível em acesso aberto.)

A imprensa repercutiu o título da nota de que seria "a mais forte pista de atividade biológica fora do sistema solar".

CNN Brasil (reproduzindo Reuters): "Cientistas encontram a mais forte evidência de vida em planeta alienígena"
Folha (também reproduzindo Reuters): "Cientistas encontram a evidência mais forte até agora de vida em um planeta alienígena"
Jornal Nacional "Surgem evidências mais fortes da possibilidade de vida fora da Terra; entenda"

Mas será mesmo a mais forte evidência e de vida fora da Terra? É, com pouco espaço para dúvidas, a evidência mais forte de presença de DMS e DMDS na atmosfera de um planeta fora do Sistema Solar*. Ligar isso à presença de vida é bastante arriscado. Não dá para culpar a imprensa (ao menos apenas ela), está no título do release. Por mais que os cientistas digam, segundo a Reuters, que "não estão anunciando anunciando a descoberta de organismos vivos reais" e que "os resultados devem ser vistos com cautela, sendo necessárias mais observações".

Essa cautela é desmanchada, ainda segundo a própria Reuters, logo em seguida: "Mesmo assim, eles expressaram entusiasmo. Estes são os primeiros indícios de um mundo alienígena que possivelmente é habitado (sic), disse o astrofísico Nikku Madhusudhan do Instituto de Astronomia da Universidade de Cambridge, autor principal do estudo publicado no Astrophysical Journal Letters." (O 'habitado' aí, suponho, que seja 'habitável', isto é, em região em que a água, se presente, poderia estar em estado líquido. O planeta K2-18b orbita uma estrela anã vermelha chamada, claro, K2-18, que fica a 124 anos-luz da Terra, em direção da constelação de Leão. A distância média do planeta à estrela é de cerca de 27 milhões de km - em comparação, estamos a uma distância média de nosso Sol de uns 150 milhões de km. K2-18b está mais perto de sua estrela do que Mercúrio, do Sol; mas como a K2-18 é uma anã vermelha, ela deve aquecer o planeta sensivelmente menos do que o Sol aquece Mercúrio, permitindo que a água, caso haja no planeta, ficasse em estado líquido.)

A tentativa de ligar a presença, de indício bastante sólido, de DMS/DMDS com atividade biológicas é que, na Terra, esses compostos são em quase totalidade produzidos por seres vivos. Aí são moléculas candidatas a serem bioassinaturas - sinais de presença de vida.

Só que essa alegação é duvidosa. Em primeiro lugar, nem na Terra, DMS e DMDS são produzidos exclusivamente por meio de reações químicas dentro de seres vivos. O DMS é produzido industrialmente pela reação de sulfeto de hidrogênio com metanol, usando óxido de alumínio como catalisador. Em segundo lugar, o ambiente do planeta K2-18b é bem diferente do da Terra. Nossa atmosfera é oxidante, rica em oxigênio, que rapidamente degrada o DMS em outros compostos sulfurosos. A atmosfera do K2-18b parece ser rica em metano.

O DMS nada mais é do que um átomo de enxofre ligado a duas metilas, um radical derivado do metano. (Fig. 1) O DMDS é similar, com um átomo de enxofre a mais. (Fig. 2)

Figura 1. Modelo 3D de molécula de DMS. Em amarelo, átomo de enxofre; em preto, carbono; em branco, hidrogênio. 

Figura 2. Modelo 3D de molécula de DMDS. Em amarelo, átomos de enxofre; em cinza, carbono; em branco, hidrogênio.

E, de fato, há pelo menos um trabalho que indica a presença de DMS no espaço interestelar de possível origem abiótica:
"Although the chemistry of DMS beyond Earth is yet to be fully disclosed, this discovery provides conclusive observational evidence on its efficient abiotic production in the interstellar medium, casting doubts about using DMS as a reliable biomarker in exoplanet science."
["Embora a química do DMS fora da Terra esteja ainda por ser completamente desvendada, esta descoberta traz evidência observacional conclusiva de sua produção abiótica eficiente no meio interestelar, lançando dúvidas sobre o uso de DMS como uma bioassinatura confiável na ciência exoplanetária."]

Ironicamente, esse artigo foi publicado na mesma revista do artigo sobre a presença de DMS/DMDS no planeta K2-12b, em fevereiro deste ano.

Assim como a fosfina em Vênus, menos do que uma prova de presença de vida, a presença dessas moléculas em outros planetas parece mais indicar mecanismos ainda desconhecidos de produção de compostos que, na Terra (ênfase em 'na Terra') tende a se associar com atividade de seres vivos.

*E talvez nem isso. Há especialistas que colocam em dúvida que haja mesmo sinal de DMS/DMDS. E.g.

JWST has observed the exoplanet K2-18b transit on multiple occasions with different instruments. The first JWST observations (with the NIRISS and NIRSpec instruments), found a clear detection of CH4 (5σ) and also reported CO2 (3σ) and DMS (1σ). Madhusudhan+2023: iopscience.iop.org/article/10.3...

[image or embed]

— Dr Ryan MacDonald (@distantworlds.space) April 17, 2025 at 1:08 PM

When the original K2-18b NIRISS and NIRSpec data became publicly available, we did an independent re-analysis. We confirmed the CH4 detection (4σ), but CO2 and DMS were nowhere to be seen. (Note: our paper is currently going through peer review) Schmidt+2025: arxiv.org/abs/2501.18477

[image or embed]

— Dr Ryan MacDonald (@distantworlds.space) April 17, 2025 at 1:08 PM

Upideite (21.abr.2024): A astrônoma Aline Novais também explica os vários senões para se afirmar que houve detecção de DMS/DMDS: as incertezas associadas às várias hipóteses assumidas pelos modelos utilizados. 

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