Carlos Bessa, do Ciência à Bessa, comentou o caso e também a Amanda Wanderley, no Universo Plural.
Farei algumas observações que correspondem a dúvidas que tenho em relação à relevância dessa evidência para o caso. Mas não estou, de modo algum, colocando em dúvida a justeza ou não do julgamento - várias linhas de indícios foram usadas, as algas são apenas um dos elementos (e, pelo que sei, não são nem de longe o principal); muito menos colocando em dúvida a qualidade da análise do especialista. Muitos pontos que levantarei podem perfeitamente ter sido abordados no relatório elaborado, apenas que não tenho acesso a tal relatório e são pontos que não foram abordados pela mídia (minha única fonte de conhecimento sobre o caso).
Há uma certa discordância entre as fontes. Algumas falam em algas do gênero Chaetophora, outras, que eram do gênero Stigeoclonium. (Como ambos pertencem à ordem Chaetophorales, é possível que isso tenha levado à informação de que se tratasse de uma Chaetophora.)
Um problema é que espécies de ambos os gêneros têm uma distribuição muito ampla. Estão espalhados pelo globo, pelo estado de São Paulo e pela cidade. Vejamos um pouco da biologia deles:
"Chaetophora grows on submerged aquatic plants (including tree roots) and a wide variety of other submerged surfaces in springs, pools, ponds, and lakes, as well as in streams and other relatively fast-flowing water courses. Many species are most abundant in winter and spring, evidently preferring cooler water conditions." (John 2002, p. 330) ["As Chaetophora crescem sobre plantas aquáticas submersas (incluindo raízes de árvores) e uma ampla variedade de outras superfícies submersas em nascentes, lagoas, poças e lagos, bem como em riachos e outros cursos d'água relativamente rápidos. Muitas espécies são mais abundantes no inverno e na primavera, preferindo destacadamente condições de águas mais frias."]
"O gênero mais abundante foi o Stigeoclonium, que é um dos mais bem representados na maioria dos estudos taxonômicos e ecológicos envolvendo comunidades de macroalgas lóticas [...]. Algumas investigações têm registrado uma grande amplitude ecológica de determinadas espécies de Stigeoclonium. Esta relativa facilidade de ocorrência em diversos tipos de ambientes tem sido atribuída à ampla capacidade de suportar diversas condições físicas e químicas do ambinete, como temperatura, pH, tipo de substrato e velocidade da correnteza [...]" (Peres 2002)
Stigeoclonium tenue pode se desenvolver em corpo d'água tão raso quanto 2 cm (McLean & Benson-Evans 2007).*
Várias espécies de algas, incluindo as do gênero Stigeoclonium, possuem formas de resistência. Os acinetos de Stigeoclonium mantêm-se viáveis mesmo dessecados por vários meses em laboratório. "Akinetes of green algae Stigeoclonium pascheri and Pithophora oedogonia [...] germinated immediate by after formation when transferred to fresh culture media under suitable culture conditions. They can also be stored in the laboratory for several months either wet or dry or in the presence or absence of light." ["Acinetos das algas verdes Stigeoclonium pascheri e Pithophora oedogonia (...) germinaram imediatamente após a formação quando transferidos a um meio de cultura fresco sob condições de cultura favoráveis. Eles podem também ser armazenados em laboratório por vários meses estejam úmidos ou secos, seja na presença, seja na ausência de luz."]* (Agrawal 2009.)
Assim, as algas poderiam se desenvolver até em filetes que escorrem de canos de água e esgoto estourados.*
Então para a informação sobre a presença de algas na sola dos sapatos ter mais relevância, seria preciso comparar a fração de sapatos que não estiveram perto da represa onde o corpo foi encontrado com e sem algas e a fração de sapatos que estiveram na região da represa com e sem algas.
Digamos que aproximadamente a mesma fração X de sapatos tenha
É bem possível que o especialista tenha levado isso em consideração, mas as informações divulgadas pela imprensa não nos permitem saber.
Referências
Agrawal, S.C. 2009. Factors affecting spore germination in algae - review. Foilia Microbiologica 54 (4): 273-302.
John, D.M. 2002. Filamentous and plantlike green algae. In: John D. Wehr & Robert G. Sheath (eds.) Freshwater Algae of North America - Ecology and Classification. Academic Press. 917 pp.
*McLean & Benson-Evans. 2007. Water chemistry and growth from variations in Stigeoclonium tenue Kütz. British Phycological Journal 12(1): 83-8.
Peres, A.C. 2002. Uso de macroalgas e variáveis físicas, químicas e biológicas para a avaliação da qualidade da água do Rio Monjolinho, São Carlos, Estado de São Paulo. Tese de doutoramento. UFSCar.
*Upideite(30/mar/2013): Adido a esta data.