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quarta-feira, 13 de julho de 2016

Carros com faróis acesos durante o dia: o que a ciência tem a dizer?

No dia 23 de maio deste ano, foi sancionada a lei federal 13.290/2016 que modifica o Código de Trânsito Brasileiro, tornando obrigatório por veículos automotores o uso de luz baixa nas rodovias durante o dia.

Apesar de reclamações, a medida tem razão de ser. O efeito do uso do farol para aumentar a visibilidade dos veículos - e com isso diminuir colisões e atropelamentos - é estudado mais sistematicamente desde pelo menos a década de 1980. Os resultados indicam que a medida reduz os acidentes em algo como 3% a 7%.

Um relatório de 1997 para a Comissão de Transporte da Comunidade Européia concluiu:
"DRL as a road safety measure is often difficult to understand for the road user because he or she `knows' that with sufficient attention every road user can be seen in daylight. Nevertheless, the research reviewed shows that visual perception in daytime traffic is far from perfect and it is worse in conditions of low ambient illumination. In a striking example 8% of cars in an open field in broad daylight were not visible from relevant distances without the use of DRL. On shady roads or those with backgrounds which mask objects in the foreground the visibility and contrast of cars in popular colours is greatly reduced.
[...]
The psychological research reviewed shows that DRL does not only improve the visibility of motor vehicles in daytime, but also influences the timely peripheral perception of vehicles making conflicting movements. Moreover, cars with DRL are better identified as cars and their distances are estimated more safely compared to cars without DRL."
["O farol de rodagem diurna - daytime running lamp -, como medida de segurança rodoviária, frequentemente é difícil de ser compreendida pelos usuários de estradas porque ele ou ela 'sabe' que com atenção suficiente todo usuário de estradas podem ver sob a luz do dia. No entanto, a pesquisa revisada mostra que a percepção visual no tráfego diurno é longe de perfeita e piora em condições de baixa iluminação ambiente. Em um exemplo de destaque, 8% dos carros em um campo aberto em plena luz do dia não eram visíveis de distâncias relevantes sem o uso de DRL. Em estradas sombreadas ou em fundos que mascaram objetos à frente a visibilidade e o contaste dos carros em cores populares é grandemente reduzida.
[...]
A pesquisa psicológica revisada mostra que o DRL não apenas melhora a visibilidade dos veículos automotivos durante o dia, como também influencia a percepção periférica a tempo dos veículos em movimentos conflitantes. E mais, carros com DRL são mais bem identificados como carros e suas distâncias são estimadas com mais segurança em comparação a carros sem DRL."]

Somente nas rodovias federais brasileiras, em 2014, foram 8.227 mortes, das quais, 4.787 resultantes de colisão, e 26 mil feridos graves em acidentes, 13.511 em colisões. Em 2011, 62% dos acidentes nas rodovias deram-se entre as 6h e as 18h. Então, nas rodovias federais, algo entre 90 e 200 mortes e 250 e 600 feridos graves podem ser evitados por ano.

Em farol baixo, a lâmpada consome cerca de 55W. Se os cerca de 90 milhões de veículos do Brasil fossem, com a mudança na lei, obrigados a ficar com os faróis acesos por 12 horas/dia, isso significaria algo como 4,5 milhões de litros de gasolina a mais; algo como R$ 20 milhões de reais por ano. Grosso modo, entre R$ 90 mil e R$ 210 mil por morte evitada. Deal. (A relação é ainda melhor porque não são todos os veículos que trafegam pelas rodovias brasileiras, nem ficarão com 12 horas a mais de faróis baixos acesos por dia, e não foram computadas as mortes nas rodovias estaduais. Considerando valores mais realistas de 20 milhões de veículos e 3 horas a mais de uso de farol, os custos ficam entre R$ 5.000 e R$ 12.000 por morte evitada.)*,**

Um potencial efeito negativo é que o uso de farol aceso pelos carros pode levar à diminuição da percepção de motocicletas. Outro é o impacto ambiental causado pelo aumento do consumo de combustível**. Por outro lado, reduz significativamente os casos de atropelamento de pedestres.

*Upideite(13/jul/2016): O cálculo inicial considerava apenas uma lâmpada do conjunto. Naturalmente, os valores dobram contando com as duas lâmpadas. Mas, ainda assim, é um custo muito baixo por morte evitada.

**Upideite(14/jul/2016): Com um litro de gasolina (teor energético de 34,2 MJ/l), é possível se manter as duas lâmpadas (2 x 55W) acesas por cerca de 85 mil horas (cerca de 3.600 dias - quase dez anos). Ou seja, o gasto individual é insignificante.

A produção de CO2 na queima de gasolina é de cerca de 2,5 kg/l (~20 lb/gal). No cenário de 4,5 milhões de gasolinas extras consumidas por ano, teremos 11.250 tCO2 produzidos por ano. Em comparação, o total de emissão de equivalentes de CO2  no Brasil em 2013, foi de 32,27 bilhões de toneladas.

Upideite(12/ago/2016): Nos comentários, o leitor Paulo Zanotta faz uma pergunta pertinente a respeito do efeito da latitude. De fato, em latitudes mais baixas, com maior luminosidade, o efeito das DRLs é reduzido. No entanto, ele não é zerado (a menos exatamente sobre o equador). Koomstra (1993) encontrou uma equação relacionando latitude e efeito da DRL: 13,852*tan(latitude/57,294)^1,525 a partir da regressão com dados reais em vários países (Fig. 1). Isso significa que para uma latitude de 30° (aproximadamente correspondente à latitude de Porto Alegre), a redução esperada é de 5,99%; para 20° (aproximadamente do Rio de Janeiro e São Paulo), de 2,97%; para 10° (aproximadamente de Salvador), 0,98%; 5° (aproximadamente de Natal), 0,34%. Como a maior parte do tráfego se concentra nas regiões Sudeste e Sul, o valor de 3% utilizado na análise aqui no GR parece justificado.

Figura 1. Relação entre efeito redutor da DRL em acidentes automobilísticos e latitude local. Fonte: Koomstra 1993.

2 comentários:

Zanotta disse...

Parece que há pontos positivos, sem dúvida. Mas, há alguns pontos discutíveis: p. ex., a insolação no país é superior à média europeia; será que os faróis acesos farão tanta diferença assim na prevenção de acidentes? Isso tem de ser avaliado pois, irrisório ou não, há um aumento de custos (além das eventuais multas...); outra coisa, o que é "rodovia"? Já me disseram que são estradas em áreas rurais. No entanto, em Bsb, em todas as DF é obrigatório acender-se os faróis (inclusive nos eixos Monumental e Rodoviário e em vias expressas). O que é, a meu ver, um abuso.
[]s
Pedro Zanotta

none disse...

Salve, Zanotta,

Obrigado pela visita e comentário.

Sim, há variação da insolação. Esse fator não deixa de ter um certo peso (no trecho do relatório que reproduzi indica que o uso do farol melhor a visibilidade ainda mais em ambientes com luz ambiente menos intensa, e na Figura 1 do relatório há as curvas do efeito da DRL de acordo com a latitude - em latitudes maiores, o efeito previsto é maior, mas mesmo em latitudes baixas o efeito não é nulo; em http://www.swov.nl/rapport/D-93-25.pdf, a relação entre efeito preventivo pela DRL e a latitude é dada pela fórmula 13,852*tan(latitude/57,294)^1,525 - para latitude 10° o efeito é de 1%, para 20° - aproximadamente de São Paulo - 3%; para 30° - aproximadamente Porto Alegre - o efeito é de 6%). Mas é bom dizer que não é o único fator (p.e. a paisagem de fundo também afeta, além da cor do carro, da acuidade visual do motorista, etc).

O CTB define rodovia como: "RODOVIA - via rural pavimentada".

Estritamente a lei preconiza isto ao dar a seguinte redação ao inciso "I" do art. 40:
"I - o condutor manterá acesos os faróis do veículo, utilizando luz baixa, durante a noite e durante o dia nos túneis providos de iluminação pública e nas rodovias;"

Ocorre que em vários casos a zona urbana cresce e partes de rodovias acabam cruzando também áreas de cidades.

Mas o DF é um caso à parte, em que as rodovias fazem parte da malha viária urbana - tanto de Brasília quanto de cidades-satélite. Mas, segundo a assessoria de imprensa do GDF, o Eixo Monumental não é uma rodovia e não é obrigatório o uso de farol baixo aceso durante o dia (http://www.ssp.df.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/item/3146-far%C3%B3is-durante-o-dia-motorista-do-df-deve-redobrar-aten%C3%A7%C3%A3o.html). Para quem não conhece quais vias são consideradas rodovias na capital federal, aconselha-se manter o farol baixo aceso o tempo todo (http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-07/motoristas-de-brasilia-devem-manter-farol-sempre-aceso-diz-der).

[]s,

Roberto Takata

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