Lives de Ciência

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terça-feira, 15 de setembro de 2020

Abika (Auíca): fosfina, Vênus e... vida extraterrestre?

O anúncio da detecção de fosfina (PH3) em Vênus causou uma polêmica no meio filomático: menos pela especulação a respeito de uma possível origem biológica do composto do que pelo despeito ao embargo.

O embargo é o período em que a fonte da informação combina com os jornalistas para que notícias a respeito do assunto não seja publicado - quase sempre coincide com a data da publicação oficial do estudo previamente distribuído à imprensa. Normalmente a editora da publicação separa artigos que acreditam que têm alto potencial de impacto para distribuir com embargo, assim consegue que os veículos noticiosos publiquem ao mesmo tempo aumentando a exposição simultânea do estudo. Para os jornalistas, cria um período previamente conhecido para produzir sua reportagem (entrevistar as fontes: os autores do estudo, especialistas não envolvidos diretamente, impressões de outros grupos que podem ter interesse nos resultados; coletar informações de contextualização; produzir imagens e o texto da matéria...). Às vezes, algum veículo publica antes da data combinada - ou porque julga que a informação é valiosa demais para os leitores para ser adiada por mais tempo, ou porque terá mais atenção exclusiva, ou por desatenção ou por outra razão). Eventualmente, o veículo é punido com o veto ao acesso antecipado a futuras publicações (geralmente nesse caso a punição é temporária, afinal as fontes também não têm o interesse de perder todos os potenciais meios pelos quais pode obter a divulgação do trabalho).

Alguns sites acabaram anunciando antecipadamente os resultados do estudo de Jane Greaves e colaboradores (2020) em que: 1) apresentam dados consistentes com a presença do composto fosfina na atmosfera de Vênus; 2) especulam sobre as origens, descartando vários fenômenos não-biológicos, e considerando a possibilidade de uma origem em atividade biológica (ou um fenômeno não-biológico desconhecido). Andou circulando inclusive vídeo oficial da Royal Astronomical Society (que estava como não listado no canal do Youtube)  No fim, não parece ter prejudicado a transmissão do anúncio oficial, mas parte da comunidade científica (especialmente astronômica) e de divulgadores (também especialmente ligados à astronomia) não gostaram nada do furo do embargo. Seria uma quebra da ética de comunicação.

É bastante discutível de se a quebra antecipada do embargo seria algo realmente antiético. Há alguma polêmica no meio jornalístico quanto à própria instituição do embargo. Em parte porque seria um tipo de cerceamento à liberdade da imprensa. Mas boa parte dos jornalistas (não sei dizer que a maioria) parecem gostar do sistema porque dão mais tempo para apurar e produzir o texto. De todo modo, é um acordo que envolve apenas as partes diretamente envolvidas: quem forneceu a informação e recebeu a informação antecipada sob a promessa de sigilo. Quem não participou desse acordo não tem nenhuma obrigação de manter esse sigilo caso a informação lhes caia em mãos. (E a prática jornalística, no geral, é, no momento em que alguém queima a largada, todos vão atrás para não ficar como retardatário com uma notícia que todo mundo já deu.)

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Oquei, feita essa digressão, vamos ao estudo em si.

A parte "astro" - física (e muito da química) - da Astrobiologia é bem estabelecida - é possível se testar várias hipóteses tanto em laboratório simulando as condições em algum planeta (ou mesmo estrelas ou meio interestelar) de temperatura, pressão, luminosidade, campo magnético e composição química e também se observar direta ou indiretamente os corpos celestes mensurando-se suas propriedades. Então os modelos sobre como é a composição dos planetas, como ela evolui no tempo tendem a ser relativamente robustos. O calcanhar de Aquiles é a "bio" da Astrobiologia. Não que não se possam fazer experimentos, mas a rigor só conhecemos uma forma de vida: a da Terra. É difícil extrapolar a partir disso para como seria a biologia em outros corpos siderais com alguma segurança.

Assim, a detecção da fosfina parece ser bem segura. Ela foi feita por meio da captação da luz do Sol refletida pela atmosfera de Vênus. Compostos diferentes absorvem a luz de modos diferentes - até por isso diferentes compostos podem ter cores diferentes. Para uma determinada faixa de luz (na verdade, já na faixa das micro-ondas), era esperado que a fosfina absorvesse de um certo modo - o que seria detectado por instrumentos na Terra como uma redução da intensidade da luz refletida nessa faixa. O resultado obtido é compatível com a presença de fosfina na atmosfera de Vênus (a cerca de 50 km da superfície) a uma proporção de cerca de 20 ppb (partes por bilhão - isto é, cerca de 20 mols de PH3 para bilhão de mols de gases da atmosfera).

Já havia sido detectada fosfina na atmosfera de Júpiter e de Saturno. Lá não se especula que a origem seja biológica. Há mecanismos conhecidos em que o composto é gerado e mantido em uma atmosfera rica em hidrogênio e com regiões de altas temperaturas - compostos de fósforos acabam sendo reduzidos (o oxigênio é removido e hidrogênio acrescentado). Em regiões da atmosfera desses planetas gasosos com temperaturas acima de 1.000 K (cerca de 730°C), o único composto de fósforo presente é a fosfina; em regiões com temperaturas abaixo de 800 K (~530°C) a forma predominante é o trióxido de fósforo (P4O6) e em regiões com temperaturas abaixo de 500 K (~230°C) não deve haver fosfina. (Larson et al. 1977.)

Na Terra, com temperaturas atmosféricas na faixa dos 14°C (287 K) a fosfina está presente como traço - uma parte menor fruto da produção por atividades humanas e, supostamente, a maior parte por ação de micro-organismos (Sousa-Silva et al. 2020). Um problema é que, embora a presença natural de fosfina no ambiente em nosso planeta esteja associada a micro-organismos em condições anóxicas (sem a presença de oxigênio), ainda não se sabe por qual mecanismo o composto seria produzido, se por ação direta ou indireta; não há vias metabólicas conhecidas que levem à produção de fosfina.

A proposição da molécula como bioassinatura (isto é, um indicador de presença de formas de vida, aos menos para planetas não-gasosos) é bem menos sólida do que a física que embasa a afirmação de que há fosfina em Vênus (e em Júpiter e em Saturno). Embora se reconheça o esforço monumental da catalogação de possíveis fontes não biológicas da fosfina feita por Sousa-Silva e cols., a proposição se calca não apenas na suposição de que o catálogo de fontes não biológicas é suficientemente exaustivo a ponto de tornar a detecção da fosfina (a partir de certos níveis) como mais prontamente ligada a atividades biológicas, mas também de que a vida em outros planetas teriam uma fisiologia básica suficientemente similar à da Terra. É bastante problemática, a começar pelo fato citado de ainda não se saber o mecanismo pelo qual micro-organismos produziriam fosfina (se é que realmente produzem), como diversos outros organismos aqui mesmo da Terra não são suspeitos de produzirem a molécula (seriam micro-organismos e talvez nem todos que vivem em condições anóxicas). Mas, oquei, seria apenas o caso de que se fosfina, então (possivelmente) vida; e não se e somente se fosfina, então (possivelmente) vida - neste caso, a não detecção de fosfina não implicaria em (possivelmente) ausência de vida.

Porém, a atribuição da presença de fosfina na atmosfera de Vênus à atividade biológica pode causar bastante problemas. Se estamos supondo uma fisiologia suficiente similar à vida na Terra, bem, a vida na Terra está fortemente vinculada aos ciclos geoquímicos - não por outra razão chamados aqui de biogeoquímicos - dos principais componentes atmosféricos: nitrogênio, oxigênio, água e gás carbônico. A atuação da vida faz com que esses gases estejam em concentrações totalmente diferentes das que seriam esperadas se apenas reações químicas entre a atmosfera e a crosta terrestre estivessem em jogo (um pouco menos para o caso do nitrogênio, mas formas como a amônia são praticamente devidas somente à atividade biológica). Não é o caso da atmosfera venusiana - gás carbônico, nitrogênio, compostos de enxofre, oxigênio, água... são explicados sem envolver a atividade biológica - apenas pela interação entre a crosta, vulcanismo, atmosfera e luz solar. (Vide, p.e. Lammer et al. 2018.) Por que, então, a vida em Vênus é capaz, aparentemente, de afetar só o teor de fosfina? Se é fisiologicamente similar à vida em nosso planeta, por que é tão modesta em fixar o carbono abundante na atmosfera da nossa vizinha? Estaremos, talvez, trocando um mistério por um ainda maior.

Greaves et al. 2020 examinam as principais fontes abióticas possíveis para a fosfina e concluem que não poderiam produzir o composto na quantidade presente (não chegariam a um milionésimo do teor estimado). Os autores chegam a citar o trióxido de fósforo (P4O6) entre outros compostos de fósforo como potencial origem da fosfina - mas somente mencionam que, pelos cálculos, não seriam fontes viáveis em condições de Vênus. Detalham apenas o ácido fosforoso (H3PO3), em equilíbrio com o ácido fosfórico (H3PO4) nas gotículas na atmosfera, seria em quantidade insuficiente (o composto se degrada espontaneamente em fosfina e ácido fosfórico em condições de altas temperaturas). Tentei ir atrás da referência indicada para o cálculo da produção da fosfina, mas não fui bem sucedido (dizem no material suplementar que é a referência 35 "For further  details  on  thermodynamic   modeling  of  phosphine production in the Venusian atmosphere see ref. 35"; no artigo principal é Grinspoon, D. H. & Bullock, M. A. in Exploring Venus as a Terrestrial Planet (eds Esposito, L. W., Stofan, E. R. & Cravens, T. E.) 191 (American Geophysical Union, 2007).", mas não parece haver menção a fosfina aí.)

Então não sei bem como descartaram a via óbvia (alerta de gatilho: equações não-balanceadas):

P4O6 + H2O→H3PO3

H3PO3 → H3PO4 + PH3

O trióxido de fósforo é o principal composto de fósforo na atmosfera de Vênus (com concentração de 2 ppm em volume) e, embora o planeta não seja um oásis, há também vapor d'água por lá (44 ppm em mols). Verdade que a temperatura a cerca de 50 km da superfície, onde detectaram a fosfina, é relativamente amena, bem similar às da Terra; mas à superfície são tórridos 740K (cerca de 470°C - suficiente para degradar o ácido fosforoso). Certamente os autores consideraram essa via, dado o trabalho minucioso que fizeram ao longo de um ano desde que detectaram a fosfina pela primeira vez, mas é um pouco estranho não detalharem isso no material suplementar. E, pelas referências, não encontrei o cálculo que foi feito para desconsiderarem.***

Os autores, bom dizer, no anúncio oficial fizeram questão de frisar que *não* estavam anunciando que a origem da fosfina era biológica - mas que era uma possibilidade que consideravam (como está no artigo também). Mas creio que fariam bem se fizessem uma análise tão minuciosa a respeito dessa hipótese quanto fizeram sobre as demais hipóteses descartadas - apontando também as fragilidades dela (a começar pelo fato de *não* haver até hoje indícios de vida por lá).


Veja também
Ciência USP. 14.set.2020. Pode ter vida em Vênus? (vídeo)
Sergio Sacani/SpaceToday. 14.set.2020. Astrônomos descobrem fosfina em Vênus - um possível marcador da presença de vida.
Ned Oliveira. 15.set.2020. Astrônomos descobrem fosfina no planeta Vênus. (vídeo)
Julio Batista/Universo Racionalista. 14.set.2020. Foi encontrada vida microbiana em Vênus?
Felipe Hime/Café e Ciência. 15.set.2020. Possível vida em Vênus descoberta?
#PETCast. 15.set.2020. Vida em Vênus? com Aline Novais (áudio)*
SciCast. 18.set.2020. 394. Marcadores da Vida (áudio)*
Ricardo Senra. 17.set.2020. Anúncio de sinal de vida em Vênus é 'imprudente' e 'precipitado', diz astrofísica brasileira associada à Nasa.*
Astrotubers. 15.set.2020. Fosfina em Vênus. Bate papo com cientistas da área.*
Eduardo Sato/Instituto Principia. 21.set.2020. Possível indício de vida é detectado em Vênus.****
Fronteiras da Ciência. 14.out.2020. A descoberta da fosfina em Vênus. 5

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*Upideite(18.set.2020): adido a esta data
Upideite(18.set.2020): Cabe também lembrar que até hoje não foi detectado nenhum composto orgânico (formado por carbono e hidrogênio e eventualmente mais outros átomos) na atmosfera de Vênus. A sonda Pioneer Venus levou um cromatógrafo para o planeta e, na baixa atmosfera, chegou a registrar o que parecia sinais de metano, mas análises posteriores indicaram tratar-se de artefato. Vide Ross-Serote (2004).

Por uma conta bem por alto, baseando-me na correlação entre a quantidade de células de bactérias de certos grupos presentes em uma amostra de solo e o teor de fosfina nessa amostra (Liu et al. 2008), se uma eventual vida venusiana tiver fisiologia similar, seria de se esperar algo entre um milhão e um bilhão de "células" de "micro-organismos" por cm3 da atmosfera de Vênus. Uma concentração de 10 a 10.000 vezes a de bactérias presentes na água de um lago aqui na Terra (Banu et al. 2001).

Então algumas das dificuldades da hipótese da origem biológica da fosfina em Vênus  são:
1) Não tem vida conhecida no planeta - fica difícil inferir a origem de algo com base em outro algo para o qual não há indícios de sua existência. Usar a presença da fosfina para inferir a existência da vida ao mesmo tempo em que se usa a possibilidade da existência de vida em Vênus para explicar a presença de fosfina em sua atmosfera se chama raciocínio circular. Ou bem se tem estabelecido que fosfina nas condições de Vênus é um marcador seguro de vida - e para isso seria preciso haver testado a hipótese fa fosfina como bioassinatura antes (comparando a presença de fosfina em corpos celestes que sabidamente não se tem vida com corpos celestes que sabidamente se tem vida - e isso é complicado porque só conhecemos um planeta que sabidamente tem vida) - e a detecção de fosfina é um indicador de vida; ou bem se tem seguro que há vida em Vênus (e não se tem até hoje nenhum indício independente de que seja o caso) e isso explica a presença do composto na atmosfera;
2) Não se sabe se a vida na Terra produz fosfina. Há correlação entre a presença de determinados micro-organismos em determinadas condições (especialmente ausência de oxigênio) e presença de fosfina nesse ambiente. E só. Não se sabe como a fosfina seria produzida por ação biológica. Não se tem nenhuma via metabólica conhecida que produza fosfina.
3) As condições ambientais onde foram encontrada a fosfina em Vênus não são propícias à vida. Mesmo com a existência de organismos multiextremófilos - que sobrevivem e até prosperam em condições extremas de condições ambientais (como alta salinidade, ambientes muito ácidos ou muito básicos, altas ou baixas temperaturas, alta radiação, etc.) - não se conhecem organismos que sobreviveriam a um ambiente com presença tão alta de ácido sulfúrico como é o caso da atmosfera venusiana na chamada camada de nuvens (a cerca de de 50 km do solo do planeta); as condições de lá são altamente dessecantes (há vida conhecida que sobrevive à ausência de água, mas não que se multiplique em sua ausência).
4) Não há outros marcadores de presença de vida típica de organismos associados à presença de fosfina aqui na Terra. As condições em que encontramos por aqui em que a fosfina é gerada é também as condições em que metano é produzido. Não há metano em níveis significativos detectado na atmosfera de Vênus até o momento - mesmo com equipamentos que deveriam detectá-lo já enviados para lá (a Pioneer Venus, com um cromatógrafo a bordo, chegou a detectar o que parecia metano atmosférico nas regiões próximas ao solo, mas uma reanálise indicou tratar-se de um artefato).

Até o momento, a detecção da fosfina na atmosfera de Vênus é mais uma refutação da hipótese da fosfina como bioassinatura para planetas do tipo terrestre do que um indicador de vida em Vênus. A crítica de que devido à baixa relação sinal/ruído do tipo de observação que foi usada para detectar fosfina deve ser levada em conta - mas o sinal de fosfina é relativamente robusto já que foram usados dois instrumentos independentes, o Telescópio James Clerk Maxwell (JCMT) no Havaí, EUA, e o Observatório ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), no Chile. A continuidade das medições deve resolver essa questão do nível de ruído e resolver de vez se o sinal é mesmo de fosfina ou um artefato.

Upideite(24.set.2020): Em outro artigo (submetido para a revista Astrobiology**), os autores destacam mais as dificuldades com a hipótese da origem biótica da fosfina em Vênus. E há um pouco mais detalhes sobre a geoquímica e a química atmosférica dos potenciais caminhos de produção da molécula no planeta. (Mas ainda não ficou claro por que descartam a via do trióxido de fósforo.)

"However, there remain major problems with the concept of life in the clouds of Venus. The clouds are often  described  as  being  ‘habitable’  because  of  their  moderate  pressure  (~1  bar)  and temperature (~60 °C). However, moderate temperature and pressure do not necessarily make the  clouds  habitable  (Seager  et  al.  2021)  (and  in  any  case  pressure  is  irrelevant  -  terrestrial life can grow at any pressure from >1000 bar (Nunoura et al. 2018) to <1 millibar (Pavlov et al.  2010)).  To  survive  in  the  clouds,  organisms  would have  to  survive  in  an  extremely chemically  aggressive  environment,  one  that  is  highly  acidic  and  with  an  extremely  low concentration  of  water  (highly  dehydrating  and  very  low  water  activity).  Sulfuric  acid  is  a notoriously  aggressive  reagent  towards  sugars  and  aldehydes,  reducing  dry  sucrose  to charcoal in seconds. In principle life could exist in an aqueous droplet inside the sulfuric acid cloud  drop  (as  drawn  in  Figure  9  above),  but  this  poses  formidable  problems  in  itself.  No biological  membrane  could  remain  intact  against  such  a  chemical  gradient,  and  the  energy required to counteract leakage of water out of the cell (or sulfuric acid into it) will be orders of magnitude greater than the energy  used by terrestrial halophiles to  maintain their internal environment."
["Porém, restam ainda grandes problemas com a ideia de vida nas nuvens de Vênus. As nuvens frequentemente são descritas como sendo 'habitáveis' por causa de sua pressão (~1 bar) e temperatura (~60°C) moderadas. No entanto, temperatura e pressões moderadas não necessariamente tornam as nuvens habitáveis (e, de todo modo, a pressão é irrelevante - vida terrestre pode se desenvolver em qualquer pressão entre >1000 bars e <1 milibar. Para sobreviver nas nuvens, os organismos devem sobreviver a um ambiente extremamente agressivo quimicamente, um altamente ácido e com concentrações extremamente baixas de água (altamente dessecante e atividade d'água muito baixa). O ácido sulfúrico é um reagente notoriamente agressivo a açúcares e aldeídos, reduzindo sacarose seca a carvão em segundos. A princípio, a vida pode existir em gotículas aquosas dentro de gotas de ácido sulfúrico nas nuvens, mas isso traz um problema formidável em si. Nenhuma membrana biológica pode permanecer intacta contra um gradiente químico como esse e a energia necessária para contrabalançar a perda de água pelas células (ou a entrada de ácido sulfúrico) seria ordens de magnitude maiores que a energia usada por halófilos terrestres para manter seu ambiente interno."]

Lingam &Loeb (2020) em um pré-print sugerem uma densidade de biomassa de apenas 0,01 mg/m3 para produzir a fosfina - podendo ser muito menor. É bem menor do que a densidade plausível calculada por Limaye et al. (2018) como sendo plausível para Vênus: 0,1 a 100 mg/m3 - que seria, em princípio, detectável por instrumentos ópticos da Terra; e do que a densidade média de biomassa na atmosfera terrestre: 44 mg/m3. E muito menor do que meu cálculo: 280 a 280.000 mg/m3 (a minha conta leva em consideração de que se trata de uma comunidade bacteriana - muitos organismos não produzem fosfina)

**ht para @pjasimoes.

***Upideite(24.set.2020): Entrei em contato com William Bains por email questionando a respeito da via do trióxido de fósforo, reproduzo a resposta abaixo:

"i) P4O6 is the dominant species of phosphorus below about 20km, where H3PO3 would not be stable. In the cloud layer where H3PO3 would be stable in droplets, the amount of P4O6 is less than a millionth of the phosphorus. See Figure 5 in the arXiv mansuscript.
ii) Water is rare in Venus' atmosphere - it is extremely dry. So in the first part of the reaction scheme you suggest, almost all the P is present as P4O6, not H3PO3 (again, Figure 5)
iii) An alternative version would be to forget H3PO3 and ask about

P4O6 + H2O -> PH3 + H3PO4 (not a balanced equation!)

(effectively saying that the H3PO3 is a transient intermediate). Another respondent has asked about this, and I did not include it in the paper (my bad!), so I did an initial calculation for that. Subject to update, but it looks like the free energy of reaction under Venus conditions is around +200kJ/mol, i.e. at equilibrium the ratio of PH3:P4O6 will be something like 10^-45 in the cloud layer. So not a plausible source of the phosphine.
"
["i) P4O6 é a espécie dominante de fósforo abaixo de 20 km, onde o H3PO3 não pode ser estável. Na camada de nuvens onde H3PO3 pode ser estável nas gotículas, a quantidade de P4O6 é de menos de um milionésimo do [montante de] fósforo. Veja a Figura 5 no manuscrito no arXiv.
ii) A água é rara na atmosfera de Vênus - ela é extremamente seca. Então na primeira parte do esquema de reações que você sugere, quase todo o P presente é na forma de P4O6 e não H3PO3 (de novo, Figura 5)
iii) Uma versão alternativa seria esquecer do H3PO3 e pergunta sobre

P4O6 + H2O -> PH3 + H3PO4 (equação não balanceada!)

(efetivamente dizendo que o H3PO3 é um intermediário transiente). Uma outra pessoa perguntou a respeito e não incluí no artigo (mea culpa!), então fiz um cálculo inicial para isso. Está sujeito a alterações, mas parece que a energia livre da reação sob as condições de Vênus é de cerca de +200 kJ/mol, i.e., a razão no equilíbrio PH3:P4O6 será de algo como 10^-45 na camada de nuvens. Dessa forma, não sendo uma fonte plausível de fosfina."]

****Upideite(25.set.2020): adido a esta data.
5 Upideite(16.out.2020): adido a esta data.

6 Upideite(16.out.2020): Um pré-print alega haver encontrado sinal compatível com a presença de fosfina na atmosfera de Vênus nos dados de uma sonda da missão Pioneer-Vênus 2.7

Outro pré-print, com base em espectrografia de infravermelho a partir de um telescópio de infravermelho no Havaí, calculam que, se houver fosfina, não deve haver mais do que 5 ppbv (partes por bilhão em volume).

Upideite(28.out.2020): Autores de outro pré-print acreditam que o sinal encontrado corresponda não à fosfina, mas ao óxido de enxofre, SO2.

7Upideite(17.nov.2020): O grupo publicou outro pré-print analisando sinais da Pioneer-Vênus com a conclusão de que pode haver fosfina no planeta.

Upideite(17.nov.2020): O grupo de Greaves et al. também publicou um pré-print reanalisando os dados do telescópio ALMA. Embora mais fraco do que o resultado anterior, ainda concluem por um sinal de fosfina na atmosfera de Vênus.

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Divagação científica - divulgando ciência cientificamente 37: uso de jargões

Aproveitando a polêmica suscitada sobre a necessidade e adequação do uso de jargões na Divulgação Científica (DC), trago alguns artigos sobre o tema. O debate vem de muito tempo com o consenso de que o uso indiscriminado e prolífico de jargões é ruim, mas com uma discussão interminável na literatura de pesquisa sobre DC a respeito de se os efeitos positivos de algum uso de jargão na comunicação pública da ciência existem e superam os efeitos negativos. TL/DR: o tema é um tanto complexo e parece depender da situação e das pessoas envolvidas.

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Sharon & Baram-Tsabari (2014) propuseram um índice para quantificar o uso de jargões nos textos. Basicamente compararam um banco de palavras usadas em textos científicos e acadêmicos (em inglês) - PERC (Professional English Research Corpus) - com um banco de textos gerais (em inglês britânico) - BNC (British National Corpus). Palavras comuns no PERC, mas raras ou ausentes no BNC, foram consideradas como jargão. Com isso compararam os textos em três registros: a comunicação de cientistas para cientistas (interpares); a comunicação de cientistas para o público não-especialista (DC) e o controle foram as comunicações de não-cientistas (no caso, designers) para o público não-especialista (comunicação não-científica). Texros interpares apresentaram mais palavras incomuns: 2,65% das palavras usadas eram raras no corpus geral; em comparação aos de DC (2,08%) e da não-científica (1,85%). Considera-se que, em textos em inglês, o limitar de pelo menos 98% de palavras familiares no texto é o ideal para a compreensibilidade. A Fig. 1 mostra as proporções de palavras técnicas (jargões) e não-técnicas entre as palavras incomuns utilizadas em cada registro.


Figura 1. Proporção de palavras técnicas (jargões - CX e C'g) e não-técnicas (Cg, cG, XG e XX), entre os termos raros (que pouco aparecem no corpus geral) em diferentes tipos de registros. CX - palavras encontradas no corpus científico, mas não no corpus geral; C'g - palavras encontradas significativamente mais no corpus científico do que no corpus geral; Cg - palavras encontradas mais (mas não significativamente mais) no corpus científico do que no corpus geral; cG - palavras encontradas mais no corpus geral do que no corpus científico; XG - palavras encontradas no corpus geral, mas não no corpus científico; XX - palavras não encontradas nem no corpus científico nem no corpus geral. Adaptado de: Sharon & Baram-Tsabari (2014).

Não é surpresa que o uso de jargão fosse maior na comunicação interpares (entre cientistas) do que na divulgação científica (de cientistas para o público não especializado) ou na comunicação não-científica (de não-cientista para o público não especializado), nem da persistência de jargões na DC ou mesmo, em menor escala, na comunicação não-científica. Na verdade, o fato de o resultado ser o esperado, é um ponto a favor da validade da proposta de quantificação.

Os autores desenvolveram também um índice de jargonicidade ('jargonness'): o logaritmo da frequência de uma palavra no corpus científico sobre a frequência no corpus geral (se a palavra está ausente no corpus geral, é atribuído um valor de 3). A mediana da jargozidade dos jargões usados na comunicação interpares foi de 1,21. A jargonicidade nos textos de DC e não-científicos foram menores: 1,078 e 1,022 (não diferindo entre si). Enquanto um jargão na comunicação de cientista para outro cientista é cerca de 16 vezes mais frequente no corpus científico do que no corpus geral, na comunicação para o público por um cientista ou por um não-cientista, o jargão tinha uma frequência no corpus científico de 11 a 12 vezes a frequência no corpus geral.

A partir desses princípios, o grupo desenvolveu um detector automático de jargões (Rakedzon et al. 2017). Poderia ser interessante a produção de um programa que fizesse o mesmo em português.

Ok. Temos um método para quantificar jargões. Mas e quanto aos efeitos? Parece haver poucos estudos especificamente para a comunicação pública da ciência de medição dos efeitos do uso de jargão. O grupo de Dixon, Amill e Bullock publicaram dois artigos fazendo exatamente isso. Usando um serviço de recrutamento online de sujeitos experimentais para responder a formulários online, Bullock et al. (2019) dividiram 650 indivíduos aleatoriamente entre 4 grupos: um em que os participantes liam 3 parágrafos sobre 3 tecnologias emergentes (carros autônomos, robôs cirurgiães, impressão 3D de órgãos biológicos) com uso de jargão sem maiores explicações sobre os termos; um grupo com jargão seguido de definição; um grupo em que a definição era dada, mas o jargão não era apresentado; um grupo em que não era usado nem o jargão, nem era dada a definição. Para cada grupo foram medidos depois o grau de fluência do processamento da informação (basicamente a facilidade de entendimento do texto), do raciocínio motivado (quando a pessoa constrói um argumento já com uma conclusão previamente estabelecida), do quanto a pessoa achava que a tecnologia trazia riscos e do quanto ela apoiava a tecnologia. Na Fig. 2, vemos os efeitos encontrados. O uso de jargão se correlacionou a uma menor fluidez ou fluência do processamento, a uma maior resistência à persuasão, um percepção de maior risco da tecnologia e menos disposição a apoiá-la.


Figura 2. Efeito do uso do jargão sobre a fluidez do processamento da informação, a resistência à persuasão, a percepção do risco de uma nova tecnologia e a disposição a apoiar o uso dessa tecnologia. Adaptado de: Bullock et al. 2019.

Em Schulman et al. (2020), o grupo analisou se a introdução de explicação amenizava ou anulava o efeito do uso do jargão. Com o uso do jargão as avaliações de fluidez de processamento eram piores, mesmo com a introdução de definição do jargão.

Uma observação a ser feita é que as condições de uso de jargão foram de uma carga bem intensa: 10 jargões por parágrafo. Além da replicação independente, seria interessante analisar situações em que a densidade de jargões fosse menor.

Atkinson & Carskaddon (1975) analisam o efeito do uso de termos técnicos abstratos na avaliação da credibilidade do emissor. 32 alunos (16 homens e 16 mulheres) de curso introdutório de psicologia foram divididos aleatoriamente em 4 grupos. Todos assistiam a um vídeo de 15 minutos de uma sessão de atendimento psicológico. Antes de se passar o vídeo, os alunos eram apresentados a um breve currículo do profissional a cuja atuação assistiriam: para metade dos grupos o currículo era de grande prestígio (havia feito doutorado e tinha publicado artigos); para a outra metade, o currículo era de baixo prestígio. Em metade dos grupos, o profissional no vídeo usava palavras altamente abstratas para analisar o paciente; em outra metade, o profissional utilizava termos comuns. Assim, os grupos tinham as seguintes combinações: alto prestígio, palavras abstratas; alto prestígio, termos comuns; baixo prestígio, palavras abstratas; baixo prestígio, termos comuns. Após assistirem aos vídeos, os alunos preenchiam um formulário avaliando a credibilidade do profissional. As melhores avaliações do grau de conhecimento do profissional de acordo com a condição do estudo foram, na ordem decrescente: alto prestígio, alta abstração; baixo prestígio, alta abstração; alto prestígio, baixa abstração; baixo prestígio, baixa abstração. Na avaliação da compreensão do profissional a respeito do problema do paciente, as notas eram decrescente para: alto prestígio, alta abstração; alto prestígio, baixa abstração similar a baixo prestígio, alta abstração; e com a nota menor, baixo prestígio, baixa abstração.

É um estudo antigo, com uma amostra bastante restrita em termos de diversidade (caucasianos, estudantes universitários). Mas outros trabalhos também mostram um efeito positivo de pelo menos um certo nível de emprego de jargão (e em certas circunstâncias) para a credibilidade do emissor.

Junks et al. (2016) em seu capítulo sobre o uso da linguagem na construção da confiabilidade revisam em uma das seções o efeito da linguagem técnica sobre a confiabilidade por meio da percepção de expertise. O uso de termos técnicos são percebidos como mais complexos e difíceis de se entender (o que também foi encontrado no trabalho acima mencionado de Bullock et al 2019), mas isso seria um indicador da expertise do enunciador. Além disso, quando o emissor transpõe a linguagem técnica para uma forma compreensível na orientação sobre saúde, essa capacidade de adaptar a linguagem também contribuiria para a percepção da expertise. Os autores citam, porém, que na literatura há divergências quanto a tal efeito.

Thomson et al. (1981) concluem que o uso de jargão e apresentação de dados afetam a avaliação de um relato de modo diferente a especialistas e não-especialistas. 96 educadores e 63 profissionais da área de negócios leram um relato de 150 palavras a respeito do desempenho de estudantes. Um tipo de relato tinha 12 jargões relacionados a estudos na área de educação, um outro usava palavras mais comuns para passar os mesmos sentidos. Esses relatos também se dividiam em dois tipos: alguns continham dados numéricos e outros usavam expressões relacionadas a opiniões pessoais (p.e. "35% dos professores são contra" vs "eu acho que"). Após isso, cada participante avaliava o relato e o autor em vários critérios. 

Entre os educadores (especialistas), os relatos com jargão tendo ou não dados geravam mais concordância com as recomendações defendidas nos relatos; relatos sem jargão, mas com dados geravam uma concordância com as recomendações tão bem quanto no grupo controle (que avaliavam as recomendações defendidas no relato antes de lerem os próprios relatos), e relatos sem jargão e sem dados geravam uma concordância menor do que no controle. Entre os não-especialistas, todas as condições de relatos geraram um grau de concordância com as recomendações menores do que a condição controle. Mas os relatos sem dados, com ou sem jargões, geravam uma concordância maior do que as outras condições de relatos. A condição que levou a menor grau de concordância foi a carregada de jargões e de dados.

Em termos de avaliação da logicidade dos relatos, entre os especialistas, os relatos com jargão e dados foram mais bem avaliados, sendo os com jargão e sem dados os piores; entre os não especialistas, tanto os relatos com jargão e sem dados e os sem jargão com dados foram mais bem avaliados; o de pior avaliação foi a condição de sem jargão e sem dados.

Tan et al. (2019) avaliaram o efeito do uso de jargão em prospectos de investimentos sobre o desejo de investir entre alunos de um curso de MBA profissional. Quatro condições de jargão foram analisadas: sem jargão; apenas bons jargões (i.e. jargões de uso legítimo); apenas maus jargões (i.e. jargão descabido, apenas com a intenção de confundir); e uma mistura de bons e maus jargões em prospectos sobre possibilidade de investimentos em uma oferta pública inicial de ações na bolsa de valores. Entre os alunos sem conhecimento da indústria a que se referia a oferta, os prospectos que não usavam jargões foram avaliados como os que mais eliciavam desejos de investir, seguido de apenas bons jargões (em nível próximo aos prospectos sem jargão), apenas maus jargões e mistura de bons e maus jargões (bem abaixo das demais condições); entre os com um nível baixo de conhecimento, o prospecto mais bem avaliado foi o que misturava bons e maus jargões; seguido de apenas maus jargões (bem mais abaixo), apenas bons jargões e sem jargão (mais ou menos próximo de com apenas bons jargões). Já entre os que tinham alto conhecimento da indústria, o maior desejo de investir se deu com prospectos com apenas bons jargões, seguido de sem jargões; os prospectos apenas com maus jargões e misturando bons e maus jargões foram igualmente mal avaliados.

Possivelmente uma meta-análise é necessária para uma avaliação mais definitiva a respeito dos diferentes efeitos que os jargões podem ter sobre diferentes públicos, em diferentes dimensões da comunicação (informação, persuasão, emoção, etc.) e em diferentes contextos e temas. (Pode ser que já exista, mas não cheguei a encontrar um trabalho de meta-análise.)

Upideite(30.dez.2020): Um artigo recente sobre o tema, com conclusão de que o jargão não cria dificuldades em situação em que o público tenha um sentido de alta urgência como em situação de crise. Shulman & Bullock 2020. Don’t dumb it down: The effects of jargon in COVID-19 crisis communication. PLoS ONE 15(10): e0239524. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0239524

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Divulgação Científica e jargão

A comunidade de divulgadores está bem ativa questionando suas bases teórico-metodológicas. O que não deixa de ser positivo: o questionamento pode ajudar a avançar a área fazendo circular ideias e gerando novas propostas. (Claro que o ideal é que o embate de ideias seja feito sempre dentro de limites de civilidade, embora, por diversos motivos - todo mundo fica irritado de vez em quando, p.e. -, isso nem sempre seja possível.) Depois da polêmica a respeito de se os cientistas devem ser obrigados a se comunicar com o público, um outro clássico da discussão dos fundamentos da DC: a linguagem, em particular do emprego ou não de jargões.

Abaixo segue um breve compilado (também sem pretensão de ser completo nem representativo, apenas ilustrativo) de tweets que orbitaram a questão. Muitos links remetem apenas a um tweet representativo de uma thread (sequência). (À medida que outros pontos de vistas passarem pela minha TL no twitter, atualizo a listagem.)

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João Pedro Salgado
"Pessoal acha que vai divulgar ciência p população falando monofilético, parafilético, holótipo... vão sim, é por isso q as pseudociências crescem tanto no Brasil, a academia fica nesse pedestal aí pra sempre"

Luiza Caires
"Falar difícil não prova que você é inteligente, apenas que não entendeu nada do jogo. Principalmente se deseja mudar qualquer coisa nesse mundo. Depois fica aí dizendo que odeia Youtuber, influenciador...
Se a maior parte das pessoas não te entende, não são elas as incompetentes." 

Francisco Sassi
"Divulgação científica é pra ser feita pra todos, pra quem não é da academia e também pra quem é cientista. Termo técnico é uma coisa que pode ser explicada e, muitas das vezes, auxilia na explicação e na compreensão do conteúdo."

João Pré-Cambriano
"Entendo o ponto. E concordo. Agora, não vejo problema em usar os termos desde que se explique o q cada um significa. O que impede de explicar, preguiça ou o nariz empinado de achar que o seu público é incapaz de entender?"

Johnny Mingau
em resposta a João Pré-Cambriano
"É então, eu compreendo e concordo com os dois Joãos aqui. Eu lembro que no começo eu decidi que eu iria evitar falar termos confusos nos vídeos, blog e etc... Mas começou a chegar momentos que ficava difícil não utilizar alguns termos...
Por exemplo, (um exemplo tosco) ... Você pode simplesmente falar que aves são Dinossauros, mas pra muita gente isso não faz sentido, elas querem saber porque são Dinossauros. Nesse momento chega a hora de explicar o que é grupo monofiletico..
Eu penso que devo evitar usar termos confusos até chegar o ponto em que eu explico o que são e significam esses termos. Daí em diante eu passo a usá-los. Por exemplo meu texto sobre Utahraptor, descrever o material sem explicar o que é holótipo ficava mais confuso ainda, então..
Eu expliquei o que é holótipo, Parátipo e etc... E o texto começou a fluir melhor. Se eu não tivesse explicado os termos acho q o texto ficaria mais confuso ao tentar não utilizá-los. Pelo menos foi oq eu senti enquanto escrevia o texto do utahraptor pro blog.
Como a academia não larga de mão desses termos, me parece conveniente explica-los ao público, para que dá próxima vez que vêem um cientista falando, não fiquem tão confusos."

Carlos Hotta
"A linguagem usada em Divulgação Científica depende, a grosso modo, do seu objetivo, público alvo e o meio utilizado. Se a linguagem for compatível com estes três fatores, vc está muito bem. Se for compatível com dois, já está valendo."

Otávio Vulcão
"Existe um padrão de linguagem pra Divulgação científica? Muita gente já comentou e eu endosso: dependerá do público, objetivo e plataforma usada.
Você não vai divulgar ciência da mesma forma no Twitter e no Youtube, muito menos presencialmente.
Partindo de alguns textos, eu entendo que a DC não é apenas "tradução" da ciência; é sua "adaptação", porque você usa diferentes estratégias para falar dos métodos, descobertas, conhecimentos prévios e etc.
Durante essa adaptação você naturalmente descarta os jargões, termos técnicos demais e dados que são desnecessários no primeiro momento.
Significa que são menos importantes? Não, só significa que eles não são exigidos para aquele objetivo.
Isso não implica, por outro lado, que você deve simplesmente tratar seu público como plenamente ignorante e incapaz de entender conceitos e/ou termos difíceis.
Usar contextualizações para explicar os termos, introduzindo eles depois pode ajudar bastante.
Sou a favor de que termos essenciais para determinadas áreas não sejam descartados durante o processo de divulgação, sendo trabalhados minuciosamente para serem compreendidos pelo público.
Temos que ser pessoas com visões plurais, não singulares: uma tomada de decisão não obrigatoriamente vai excluir outra, dependerá de como você irá reunir essas ideias e aplicá-las."

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Aqui detalho alguns estudos a respeito do uso de jargões e seus efeitos na comunicação e compreensão.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Divagação científica - divulgando ciência cientificamente 36

(Este texto foi inicialmente encomendado para sair em uma revista, mas, depois de finalizado, não obtive mais o retorno. Acabou servindo de base pra dois textos mais ou menos sobre o mesmo tema. Como uma discussão similar se deu recentemente entre cientistas e divulgadores no twitter, creio que esta versão mais completa - e ligeiramente mais técnica, embora não tanto - possa ser eventualmente útil.)

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A importância da Divulgação Científica

Pesquisadores são frequentemente instados a se envolverem em atividades de divulgação científica, tanto indiretamente, na forma de entrevistas para veículos de comunicação, como mais diretamente, falando com o público sem intermediários, em palestras, textos para colunas de jornais, vídeos explicativos, etc. São atividades que demandam um certo tempo - que poderia ser empregado na pesquisa e docência - e podem expor os cientistas e acadêmicos a críticas: dos pares ou do próprio público. Então, afinal, qual a vantagem que a divulgação científica pode trazer? Por que um cientista deveria se ocupar de se comunicar com a população? Apresentaremos a seguir uma série de motivos trazidos ao longo do tempo a favor do engajamento dos pesquisadores na comunicação pública de ciências.

Thomas & Durant em um artigo publicado em 1987 intitulado "Why should we promote the public understanding of science?" analisam nove classes de possíveis benefícios que podem ser promovidos pela divulgação científica:
1) Para a própria ciência: atrair futuros novos cientistas, apoio da população às ciências, debelar visões e expectativas irrealistas quanto às possibilidades de novos desenvolvimentos científicos e tecnológicos (evitando a desilusão que ocorreria quando tais expectativas fossem frustradas);
2) Para a economia nacional: uma população com um certo nível de conhecimento científico e tecnológico pode aplicar tais conhecimentos no aumento da produtividade e na geração de novos produtos e serviços, além de aumentar a demanda por produtos baseados em conhecimentos científicos e tecnológicos;
3) Para o poder e influência do país: o domínio de conhecimento e tecnologias estratégicas permitem desenvolver uma defesa mais segura, projetar o poder se necessário e galgar e manter posição de destaque e liderança regional ou mundial;
4) Para os indivíduos: cidadãos mais bem informados estão mais bem equipados para aplicar seus conhecimentos na decisão sobre dietas, sistemas de saúde, segurança pessoal e confrontar inúmeras alegações promocionais sobre produtos e serviços que lhes são oferecidos, podem também almejar empregos mais bem remunerados que exijam maior capacidade científico-tecnológica;
5) Para governos democráticos: grande parte da pesquisa científica é financiada com dinheiro público e seus resultados impactam a vida das pessoas; em democracias modernas, os cidadãos devem opinar e decidir a respeito de temas que envolvem a sociedade: a fim de que os cidadãos possam tomar decisões sobre políticas científicas, eles devem estar bem informados sobre o tema; assim, tanto se promove a própria democracia, ao permitir que a população participe mais diretamente, quanto se abastece a população com ferramentas para decisões mais eficientes;
6) Para a própria sociedade: acabar com o abismo entre o conhecimento ultraespecializado das disciplinas científicas e acadêmicas e os não-especialistas, permitindo à população mais opções de respostas que apenas o medo e a adulação frente ao conhecimento científico, tornando-os uma espécie de crítico das ciências (como há críticos literários e gastronômicos);
7) Para o aspecto intelectual: a ciência é um empreendimento que promove a capacitação intelectual e seu enobrecimento, o conhecimento científico deve ser promovido como parte da própria cultura intelectual;
8) Para a estética: a ciência é uma atividade criativa de destaque da mentalidade moderna, ela ajuda a revelar a beleza e o significado das coisas e;
9) Para a ética: nas ciências, para haver o convencimento, é preciso se basear em indícios objetivos e não em meras opiniões e princípios de autoridades; alguns pensadores chegam a dizer que o ideal da busca pela verdade objetiva através de regras claras tornaria a prática científica como um ideal moral a se buscar na sociedade (aqui é o único item em que Thomas & Durant fazem uma nota mais crítica observando a polêmica que é tal sugestão de superioridade moral da prática científica).

Já Semir & Revuelta 2010 dividem em cinco grupos:
1) Para os indivíduos: por aumentar seu conhecimento sobre o mundo e sua capacidade de tomar decisões informadas e usar os conhecimentos científicos para novos usos;
2) Para a sociedade global: pelo fato de o conhecimento científico, gerado sobretudo com investimentos públicos, é um elemento imprescindível para a democracia e pode contribuir para o bem estar e desenvolvimento econômico dos países;
3) Para a ciência e cultura em geral: o conhecimento compartilhado gera novas perguntas para pesquisas no mesmo campo e também em outros e dão origem a novas disciplinas;
4) Para a comunidade científica: a opacidade gera temor e a transparência, confiança do público; se os cientistas se omitem, outros farão a comunicação, nem sempre da mesma forma, com a mesma intenção ou com a mesma clareza;
5) Para a estética: muitas peças de divulgação científica: livros, fotografias, filmes, desenhos... são de grande beleza plástica e artística)

Alguns dos potenciais benefícios têm sido objeto de pesquisa científica. Um dos mais investigados é a suposição de que indivíduos com maiores conhecimentos sobre ciências tendem a ter uma melhor atitude (tendência psicológica de se avaliar um tema positiva ou negativamente) em relação às ciências, o chamado "modelo do déficit": a suposição é que o medo e a oposição ao conhecimento científico e às tecnologias dele resultante seriam frutos da ignorância científica. Embora pareça haver uma tendência para que a maioria dos pesquisadores da área considerem a hipótese falsa: não haveria essa relação, a relação seria invertida (na verdade, indivíduos que mais se opõe às ciências tenderiam a ser mais bem informados) ou haveria uma relação em "U" (indivíduos pouco informados e indivíduos muito bem informados sobre ciências teriam atitudes mais negativas, sendo as mais positivas entre os indivíduos com nível intermediário); uma meta-análise de Allum et al. 2008 com dados de 40 países indica que, de fato, quanto maior o conhecimento científico, mais positiva é a avaliação das ciências. O efeito, porém, é pequeno. [Para alguns temas como "mudanças climáticas" o efeito do maior conhecimento de ciências pode ser uma maior polarização entre as visões (Braman et al. 2012).]

Makarovs & Achterberg (2018) analisaram dados da pesquisa Special Eurobarometer de 2010 com 32 países e relacionaram a relação entre o nível de democratização do país e características socioeconômicas dos entrevistados e o engajamento público em ciências. Nas sociedades mais democráticas tende a haver uma maior participação pública nas ciências e maior apoio ao controle democrática delas; e cidadãos com níveis educacionais mais altos e mais bem informados sobre tópicos científicos também tendem a se engajar mais com ciências. O estudo, no entanto, é correlacional, não sendo possível apenas com esses resultados assumir uma relação causal necessária.

Em relação à hipótese da atração de futuro novos cientistas, Goto et al. (2018) fizeram um estudo longitudinal com alunos japoneses para avaliar o efeito da participação em eventos científicos. Alunos que já apresentavam motivação para o aprendizado foram os que mais participaram e se beneficiaram - aumentando sua motivação e aprofundando seus conhecimentos, tendo os eventos relativamente pouco impacto em atrair estudantes fora desse perfil.

Outro efeito estudado é o do impacto da cobertura midiática sobre a citação dos artigos. A publicação de notícias relacionadas aos estudos, especialmente na mídia escrita, de modo geral, correlaciona-se com um maior número de citações do trabalho em outros artigos científicos. Alguns estudos têm encontrado uma relação causal direta do destaque na imprensa não-especializada sobre a visibilidade posterior do artigo. (E.g. Kiernan 2003, Mathelus et al. 2012, Fanelli 2013, Manisha & Mahesh 2015.)

Em relação a boa parte dos benefícios putativos, no entanto, não há muitos dados corroborando ou refutando as relações alegadas.

Mas e quanto à importância que os cientistas efetivamente veem na divulgação científica? Besley e colaboradores (2017) verificaram o grau de concordância de membros de sociedades científicas americanas a oito seguintes objetivos da comunicação pública de ciências (listados em ordem decrescente de maior concordância geral entre os entrevistados):
1) garantir que as pessoas estejam bem informadas sobre temas científicos;
2) interessar e estimular as pessoas a respeito das ciências;
3) demonstrar que a comunidade científica se preocupa com o bem estar da sociedade (a percepção de benevolência e calor humano afetam a inclinação das pessoas em apoiar os outros);
4) demonstrar que a comunidade científica é aberta e transparente;
5) ajustar o enquadramento (framing) das implicações das pesquisas a fim de que o público pense sobre o tópico de modo a ressoar com seus valores (o modo como uma questão é vista afeta as atitudes e o comportamento em relação a ela);
6) demonstrar que os cientistas compartilham dos valores da comunidade (as pessoas frequentemente utilizam de pistas de identificação para compreender questões científicas);
7) ouvir o que os outros pensam sobre temas científicos;
8) demonstrar a expertise da comunidade científica (a competência é uma das dimensões avaliadas pelas pessoas para estabelecer a confiança nos especialistas).

Martín-Sempere e colegas (2008) analisaram 13 motivos para cientistas e técnicos espanhóis participarem da Feira de Ciências de Madrid. As repostas puderam ser agrupadas em quatro categorias, aqui apresentadas na ordem decrescente de importância atribuída:
1) divulgação e cultura científicas: estimular e aumentar o interesse e o entusiasmo do público pelas ciências, aumentar a cultura científica da população, aumentar a apreciação pública das ciências, tornar a instituição em que trabalha mais conhecida e visível;
2) senso de dever;
3) compromisso pessoal: além do comprometimento pessoal propriamente dito, o fato de haver sido incumbido por superiores;
4) motivações pessoais e profissionais: satisfação pessoal, diversão, relacionamentos profissionais, promoção profissional, recompensa financeira, recompensa com dia de folga.

Um temor relativamente frequente entre os acadêmicos e cientistas a respeito de se engajar nas atividades de divulgação científica é ilustrado pelo que é conhecido por "efeito Carl Sagan". Segundo essa hipótese, cientistas mais envolvidos com extensão e comunicação com o público seriam academicamente menos produtivos. Mas estudos realizados apontam que, na verdade, tende a ocorrer o oposto: pesquisadores que se dedicam mais a levar o conhecimento sobre ciências para o público em geral estão entre os que mais publicam em revistas científicas (p.e. Jensen et al. 2008, Bentley & Kyvik 2010).

Assim, existem várias razões potenciais por que os cientistas deveriam participar de atividades de divulgação. Embora muitas delas ainda não tenham tido sua validade verificada, para pelo menos algumas a resposta é de resultados positivos para o público, a comunidade científica e para a própria carreira do cientista. Diversas estratégias e receitas têm sido aventadas para permitir um bom equilíbrio entre as inúmeras atividades do cientista e a de divulgação, mas isso é objeto para um outro texto.

Referências

Allum, N. et al. 2008. Sciece knowledge and attitudes across cultures: a meta-analysis. Public Understanding of Science 17(1): 35-54. https://doi.org/10.1177/0963662506070159
Bentley, P. & Kyvik, S. 2010. Academic staff and public communication: a survey of popular science publishing across 13 countries. Public Understanding of Science 20(1): 48-63. https://doi.org/10.1177/0963662510384461
Besley, J.C. et al. 2017. Scientists' views about communication objectives. Public Understanding of Science. https://doi.org/10.1177/0963662517728478
Fanelli, D. 2013. Any publicity is better than none: newspaper coverage increases citations, in the UK more than in Italy. Scientometrics 95: 1167-77. https:// doi.org/10.1007/s11192-012-0925-0
Goto, T. et al. 2018. A large-scale longitudinal survey of participation in scientific events with a focus on students' learning motivation for science: Antecedents and consequences. Learning and Individual Differences 61: 181–7. https://doi.org/10.1016/j.lindif.2017.12.005R
Jensen, P. et al. 2008. Scientists who engage with society perform better academically. Sci Public Policy 35:527–541, https://doi.org/10.3152/030234208X329130
Kahan, D. et al. 2012. The Polarizing Impact of Science Literacy and Numeracy on Perceived Climate Change Risks. Nature Climate Change 2: 732–5. https://doi.org/10.1038/nclimate1547
Kiernan, V. 2003. Diffusion of News about Research. Science Communication 25(1): 3-13. https://doi.org/10.1177/1075547003255297
Manisha, M. & Mahesh, G. 2015. Citation pattern of newsworthy research articles. J Scientometric Res. 4(1): 42-5. https://doi.org/10.4103/2320-0057.156022
Markovs, K. & Achterberg, P. 2018. Science to the people: a 32-nation survey. Public Understanding of Science. https://doi.org/10.1177/0963662517754047
Martín-Sempere, M.J. et al. 2008. Scientists' motivation to communicate science and technology to the public: surveying participants at the Madrid Science Fair. Public Understanding of Science 17: 349-67. https://doi.org/10.1177/0963662506067660
Mathelys, S. et al. 2012. Promotion of research articles to the lay press: a summary of a three-year project.
Learned Publishing 25(3): 207-12. https://doi.org/10.1087/20120307
Semir, D. & Revuleta, G. 2010. La importancia de la comunicación en el entorno científico. Quaderns de la Fundació Dr. Antoni Esteve no. 20: 1-7. http://www.raco.cat/index.php/QuadernsFDAE/article/view/253622
Thomas, G. & Durant, J. 1987. Why should we promote the public understanding of science? In: Shortland, M (ed.) Scientific Literacy Papers. Oxford: Rewley House. Pp:1-14

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Upideite(03.set.2020): Um artigo analisa os fatores correlacionados às visões dos estudiosos da DC sobre os motivos para o engajamento público da ciência.

Besley, T. et al. 2020. Exploring scholars’ public engagement goals in Canada and the United States. PUS.

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Divulgação Científica deve ser obrigação de todo cientista?

Farei um compilado (que não se pretende compreensivo nem representativo, apenas o que apareceu na minha TL) aqui da discussão que se seguiu no twitter em função da exortação aos cientistas para fazerem divulgação científica reproduzida a seguir (coloquei o link para o primeiro tweet quando normalmente os participantes fizeram uma thread - também encadeei tweets que, na verdade, eram respostas a outros comentários ao tweet inicial):

"Não vou me meter em treta dessa vez, mas reforçar algo que sempre falo. Se você é cientistas e principalmente trabalha em uma universidade pública. Você tem mais do que obrigação de virar youtuber e popularizar o seu conhecimento.
A universidade pública é baseada em três pilares - ENSINO, PEQUISA E EXTENSÃO. Virar youtuber é uma metáfora para fazer popular ciência e tecnologia, pois rolou aqui no meu feed uma discussão de que cientista não pode ser youtuber, mas deve ficar dentro do laboratório
Você não precisa estar no youtube para fazer extensão. Mas em tempos de pandemia, me mostra outra forma mais democrática de popularizar o seu conhecimento."
Depois de alguns comentários e respostas, ela complementou:
"Galera, posso ter me expressado mal. O que eu quero dizer é que o conhecimento que nós cientistas obtemos em nossas vidas deve ser popularizado, acessível para o máximo de pessoas possível. Sei bem das dificuldades de tornar esse conhecimento acessível,
eu mesma sofro demais com isso e estou engatinhando no Youtube, por exemplo. O post era mais com uma intenção de incentivo, não de obrigação. Peço desculpas se eu dei a entender errado, não era minha intenção."

Algumas respostas:

"Eu sou pesquisadora e edito uma revista de divulgação científica. Se tem uma obrigação que o professor **não** tem é a de virar Youtuber. Divulgação científica dá um trabalhão, não é td mundo que sabe fazer ou tem vontade. E extensão vai muuuuito além de popularização da ciência.
"Não acho que seja obrigatório. Obrigatório é dar aula, fazer pesquisa e extensão. Eu acho que a pessoa tem que ter abertura para fazer o trabalho chegar ao público, mas isso se resolve fortalecendo a equipe de comunicação da instituição.
tem gente que não quer e/ou não sabe mesmo. acaba até fazendo mal pra área uma divulgação tosca ou mal feita. quem estuda como se comunicar com não-especialista e tem essa obrigação é o cara que faz comunicação.
meu ponto é que quem puder, blz. acho até que a Capes podia dar uns pontos pra programas de pós que tenham projetos de DC. minha questão é com a obrigatoriedade. não tá no job description da profissão de pesquisador. vc consegue ser um excelente pesquisador sem ter projetos de DC"

"Sobre a polêmica da suposta obrigação do professor-pesquisador fazer divulgação científica (DC) (entendendo que youtuber foi generalização), algumas considerações:
1) nada que se faça por obrigação tem continuidade a longo prazo; se a DC é necessária, sua motivação é interior
2) para isto, é necessário conhecimento teórico-prático. A divulgação científica também é uma ciência e uma tecnologia. Possui congressos, revistas científicas é um campo que avança e evolui. Não se faz DC somente com uma ideia na cabeça e um podcast na mão
3) a fala que originou a polêmica dá a entender uma ação individual. Mas isto leva a uma fragmentação e à falta de eficiência. Ações coletivas, colaborativas, que busquem incluir e dar voz à sociedade que sustenta a universidade são mais interessantes
4) não se faz tanta DC, por que ela não é reconhecida e valorizada, é fato. Frente à pesquisa e, em menor grau a extensão e do ensino, que praticamente não conta, os processos de avaliação e progressão na carreira a ignoram. Seria preciso mudar uma cultura universitária
5) por que não é reconhecida? Minha hipótese, a DC não passa por mecanismos de controle. Revistas possuem revisão por pares. Projetos de extensão são avaliados, assim como de pesquisa. Mas a DC é mais livre, então estes "pontos" da avaliação estariam sendo dados "de graça"
6) neste último ponto, uma solução seria criar mecanismos de certificação de qualidade, a exemplo do selo do @scienceblogsbr e de ter canais institucionais de DC nas universidades e centros de pesquisa. Mas como disse, é preciso convencer a comunidade desta importância
7) em conclusão, DC deveria constituir uma atividade constante e sistematizada do trabalho universitário. Mas não de forma obrigatória, sem conhecimento para tal, de forma individualizada e sem reconhecimento e valorização profissional."

"'Virar YouTuber' não digo (e talvez seja força de expressão da Thabata). Mas popularizar o conhecimento da maneira que mais se encaixar no seu perfil (pode até ser palestra em escola pública), sim.
Ir numa escola uma vez a cada 1 ou 2 meses para falar de ciência e despertar interesse na área, ou ter disposição para atender jornalistas, ou fazer 1 fio no twitter voltado ao público geral... não faz diferença. O importante é fazer algo!
Meu exemplo nisso é o João Steiner, pesquisador com um puta currículo que até hoje faz palestra em escola, da curso pra professores, atende a gente na rádio toda semana... Tempo até dá se colocar como prioridade.
Fora isso, é incrível a humildade dele na posição em que está, de sempre perguntar minha opinião, respeitar meus horários, prazos. Ele nunca agiu como se tivesse fazendo favor em nos atender. Parece até o contrário. E para projeção própria ele absolutamente não precisa da gente.
Pessoal muito na defensiva. Quem é cientista de Universidade não tem obrigação formal de falar de ciência para quem não é cientista. Mas é um dever ético e precisa de apoio institucional. N dá p/ querer q a população defenda a ciência se não a conhece. Depois não dá pra reclamar"

"Eu já vi que o meu lado é o menos popular, mas acho engraçado as pessoas defenderem terceirizar comunicação científica mas não trabalhos administrativos.
E antes que falem: eu acho que tem que ter comunicação científica feita por profissionais sim, mas cientistas nunca deveriam deixar de se comunicar com o público.
Eu concordo, mas não acho que substitua o cientista falando com a sociedade. 2 a 4 h por ano, só o q peço."
CH "A função dos cientistas falarem com a sociedade não é necessariamente ensinar a sociedade. É aproximar ambos lados. É haver conhecimento mútuo para ambos crescerem."
CH "Me lembraram um ponto importante: o cientista se comunicar com a sociedade é importante do ponto de vista do financiamento.
No exterior, onde o financiamento à pesquisa por doações privadas é mais significativo, talvez fique mais claro o papel da comunicação científica em se garantir financiamento."
Em resposta a Mahayana Godoy
CH: "Eu entendi YouTuber no tweet como qq coisa que fale com o público. Acho muito necessário é obrigatório.
Tem que falar com o público de alguma forma. Nao precisa ser uma massa gigante. Sem esse contato, a sociedade não vai valorizar cientista e cientista não vai valorizar a sociedade.
A gente dá aula, a gente escreve e fala para pares. A gebte já tem parte das habilidades necessárias.
O comunicador de Ciências ruim só faz mal pq tem pouco cientista falando, daí a voz tem espaço.
Não tá no job description mas é algo q vai mudar cada vez mais. Lá fora já mudou. Mas assim como vc tem bons pesquisadores q dão  aulas ruins e são péssimos administradores, vc vai ter os q não lidam bem com o público."

"Professor ensina, para ensinar você precisar saber se comunicar sim. Pesquisador pesquisa , no passado era somente válido o conhecimento circular somente na academia e agora até para você conseguir inspirar jovens a estarem nas universidades precisa comunicar bem as vantagens
Precisar comunicar bem sua pesquisa para o público que não está na academia . Ciência faz parte da sociedade, faz partes dos questionamentos e soluções, A pesquisa passa por saber se comunicar sim e comunicação vai além de YouTube.
Ninguém é obrigado a fazer divulgação cientifica mas tem que saber se comunicar sim. O mundo muda e a ciência avança e pesquisadores tá entre os dois logo..."

"Vou ser polêmica, mas vamos em frente. Assim como eu sou uma jornalista de ciência e PRECISO tomar cuidado ao escrever sobre ciência, o cientista pode tentar ser comunicador E TAMBÉM precisa entender de comunicação. Assim, evitamos vídeos sem sentido e textos que ninguém entende.
Apenas para complementar: Também existem textos e vídeos ruins entre jornalistas (MUITOS). Assim como existem cientistas ruins por aí.
A diferença clara está: eu, quando escrevo sobre ciência, ligo para um cientista.

Aí o cientista quer comunicar sem ouvir como deve ser um comunicador. Qual é a fonte da técnica? VOZES DA MINHA CABEÇA"

"Graças ao trabalho excelente de assessores de imprensa, há mais cientista dispostos a traduzir conhecimento para jornalistas. Mas os caras não têm nem e-mail acadêmico que pega, cortam bolsa, pesquisa, perrengue. E ainda tem que ser youtuber? Eu acho que não conseguiria."

respondendo à Carolina Dantas
"Eu como cientista e comunicador, MAIS cientistas do que comunicador, escolhi fazer divulgação científica e por isso tô sempre procurando aprender como comunicar. Concordo com a Mahayana, ninguém deve ser obrigado a fazer divulgação, primeiro que muitos não querem e acaba saindo
péssimos conteúdos e segundo que ocupa o espaço, recursos e desvaloriza quem quer seguir esse caminho profissionalmente (jornalista ou cientista). O povo do meu departamento tá até hoje investindo em blog e ninguém nunca me chamou para conversar e dar ideias."

"Trabalhando com comunicação da ciência eu parei de acreditar no mito que cientista que não fala publicamente é malvadão. Primeiro que comunicação é uma habilidade, uns têm mais facilidade. Segundo que não é simples, exige um tempo danado de preparação
de conteúdo. Dito isso, acredito que a divulgação científica deve ser estimulada SIM pelas universidades, inclusive financeiramente. Obrigar o cientista a falar é bem exagerado. Até porque a rotina de um pesquisador é absurda, tem que entregar e estudar MUITO. Tem cientista
que recusa a dar entrevista pra mim e nem é porque a pessoa não acha que a sociedade não deve conehcer o trabalho dele, é falta de tempo, preparo, timidez, diversos fatores. Então vamos valorizar quem faz DC e não rebaixar quem não faz, ok?

E comunicar ciência não é só youtube."

em resposta a Olga Chaim
"hummmm... acho que a academia precisa sim passar por uma reforma, já passou da hora, e sim, precisa rever a comunicação, métricas, etc. Precisa ter em si uma braço de divulgação e linguagem potente, que não seja só pra pares. Se não for cientista pelo menos formar gente pra isso
E ai pode ser uma nova linha de profissionais, comunicadores, e os híbridos, que gostem e levem jeito pra coisa. Em todas as frentes, não só internet, pq de fato a academia tá muito fechada e isolada sim, isso dá espaço pra esses orcs ocuparem o vão entre nós e a comunidade
Olha, o pior nem é não entender as nossas atribuições, o pior ai é alguém que tá falando de divulgação e oferece um único veicúlo como saída pra resolver o problema, isso ai é o pior e demonstra uma má compreensão da coisa.
Eu uso mais o instagram do o Youtube por exemplo, e não é pq eu quero é pq no instagram o publico engaja mais com meu conteúdo mesmo. Não é assim que a banda toca. Tem toda uma questão do outro querer vc naquele veículo ou não. Besteira pura."

Em resposta à Tourinho
"Meio caminho: acho q o cientista precisa estar mais aberto a falar com a comunidade. Mas não obrigatoriamente ser o divulgador. Ele pode ser fonte de fácil acesso, por ex., se não tem treinamento p/divulgar competentemente. E as instituições devem incentivar a formação de + DC."

"Sobre professores e youtube
Divulgação científica não é uma tarefa individual nem voluntarista. As instituições que devem se preocupar com isso. A @ufrj tem a um órgão dedicado especificamente à difusão científica e cultural. Hoje coordenado pela minha pessoa. É singular, mas
difícil fazê-lo funcionar como tal, justamente porque não existe a cultura de divulgação científica como missão institucional e coletiva. Isso se confunde frequentemente com comunicação e marketing. E as iniciativas de divulgação tendem a ser individuais. Assumi há pouco tempo
e gostaria de ajudar a mudar essa cultura. Não sei se vou conseguir, mas acho que um caminho eficaz e consistente para estreitar os laços entre universidade e sociedade deve ser institucional. Ainda que possa se servir de bons exemplos individuais. Mas sem reinventar a roda. Fim."

"Divulgação Científica (DC): todo cientista deve fazer?
Aqui segue minha visão pessoal sobre a relação cientista X divulgação científica. De início, quero deixar claro que vejo com alegria esse debate e que ele não deve ser suprimido, mas estimulado.
Essa não é uma resposta pronta e com certeza não trarei uma conclusão. Essencialmente, podemos considerar a DC como ato de comunicar os saberes, métodos e a cultura científica para quem não pertence a esse conjunto.
É comum o cientista realizar atividades comunicativas ao decorrer da sua carreira, expondo seus resultados em congressos, seminários; conversando com pares por e-mails ou rodas de debate. Contudo, precisa ser lembrado que nós discorremos geralmente para os pares.
Discorrer com os pares exige, principalmente, conhecimento da área a qual você abrange. Não é necessário adaptar sua linguagem quando está se falando com pessoas que entendem os jargões, os números, os gráficos e tem vasto conhecimento prévio sobre o assunto.
A DC, entretanto, exige um conjunto de competências comunicativas para ter sucesso. Inclui habilidades intra e interpessoais, conhecimento de mídias usadas na comunicação; capacidade de diálogo com diferentes.
Conhecer o público a quem você está comunicando implica em saber a realidade dele; quais as aplicabilidades que uma informação pode ter; quais crenças e valores eles defendem ou não toleram.
O cientista, aqui destacando as 'Hard Science', não tem preparo prático e teórico para essa atividade. O que temos feito nos últimos anos vem de ações pontuais que foram se mesclando e avolumando, formando um corpo ainda pequeno mas com competência.
Pra quem vive na academia, sabe que as atividades de um cientista vão além da pesquisa. Tem funções administrativas, orientações, exigências de cumprimento de metas, deixando a DC como uma atividade pró-ativa não remunerada. Sem contar a vida pessoal de cada um.
Somando as habilidades necessárias para comunicação com as exigências formais da carreira, parece difícil exigir, com obrigatoriedade, que todo cientista apresente esse papel. Diria, inclusive, que nem todos tem a capacidade para tal.
Isso não isenta que estes, que não o fazem na prática, apoiem os colegas, concedam entrevistas, escrevam textos esporádicos ou compartilhem trabalhos de DC. Essa caracterização é o que eu chamo de 'dever ético científico'.
Se quisermos mais cientistas agindo com eficácia, aumentando o escopo, alcance e impacto da DC no Brasil, é necessário que tenhamos mudanças acadêmicas organizacionais. Incentivos e oportunidades para realizações desses trabalhos.
A DC precisa deixar de ser um trabalho que seja visto como 'hobbie', e isso só vai ocorrer quando for compreendido a necessidade dela dentro dos eixos administrativos dos institutos de pesquisas, incentivando e dando subsídios aos seus componentes a fazerem.
Temos criticados não-cientistas que tem falhas grotescas na comunicação, entretanto é válido lembrar que não somos comunicadores natos. Precisamos de auxílio de jornalistas, educadores, especialistas em comunicação/divulgação científica.
Ao final, acho válido que nossas cobranças aos cientistas sobre suas atuações fora da academiam seja antecipadas por análises calculadas, a qual notemos os benefícios e MALEFÍCIOS que uma má DC poderá causar.
Se somos analíticos em nossas carreiras por excelência, devemos também ser em como procederemos nas nossas estratégias para democratizar a ciência.
Nossas paixões e ânsias precisam ser mantidas no segundo plano e darmos palco ao pensamento crítico e prudente."

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Não tenho um posicionamento definitivo a respeito. Mas como uma tentativa de contribuição irei reproduzir uma tradução parcial de trecho de "Atoms, Bytes and Genes" de Martin W. Bauer (2015, Routledge, 298 pp.) a respeito de potenciais riscos da comunicação pública da ciência para os cientistas e a comunidade científica (e também para a sociedade) que precisam ser levados em conta (naturalmente, não como impeditivo, mas como algo que pode acontecer e se pensar em como evitar ou minimizar as possibilidades e as consequências):
"1. Cobertura midiática desfavorável (bad press) e fora do controle: a comunicação pode criar mais más notícias do que notícias favoráveis por falha da própria comunicação ou pelo funcionamento da mídia, fora de controle dos cientistas - a cobertura tende a enfatizar a controvérsia - e a publicidade sobre um ator pode atrair oponentes;
2. Determinação de liderança pela proeminência em vez de pela reputação: a tomada de atalho do processo de revisão por pares com apresentação direta do trabalho à imprensa pode se tornar comum substituindo a reputação construída pela publicação formal pela proeminência angariada com a publicidade e visibilidade midiática (embora a cobertura pela imprensa também possa levar a um aumento da citação acadêmica do trabalho);
3. Hype (exagero) e expectativas frustradas: a busca pela atenção midiática pode levar a exageros nas alegações; alegações exageradas criam expectativas altas difíceis de se cumprir, o que pode minar a autoridade da ciência;
4. Predomínio das RP sobre a mídia de massa: a preocupação com a reputação tem levado a uma profissionalização da comunicação pública da ciência contratando profissionais de relações públicas, especialmente jornalistas tarimbados; o jornalismo já cambaleante com a crise pode acabar dominado pelas RPs, afetando o equilíbrio para a cobertura independente;
5. Repercussões imprevistas sobre a condução da pesquisa científica: a competição pela visibilidade prende os cientistas em “valores de notícia” em vez de em valores científicos. Isso pode afetar não apenas o modo de se apresentar os resultados (design da informação) como a própria escolha de temas de pesquisa (influência epistêmica). Projetos passam a ser planejados e implementados tendo em vista o impacto sobre a opinião pública para atrair financiamento.
6. Compromissos públicos e criação de dificuldades de aprendizado: o compromisso público prende os atores ao compromisso sob o risco de perderem a moral; a mobilização social cria uma forma de incapacidade coletiva de perceber as coisas além do próprio projeto - eventuais fracassos são lidos como necessidade de se invetir ainda mais no trabalho, impedindo a aprendizagem e a consideração de alternativas."

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À medida em que topar com mais considerações, complemento a compilação.

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