Lives de Ciência

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sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Divagação científica - divulgando ciência cientificamente 37: uso de jargões

Aproveitando a polêmica suscitada sobre a necessidade e adequação do uso de jargões na Divulgação Científica (DC), trago alguns artigos sobre o tema. O debate vem de muito tempo com o consenso de que o uso indiscriminado e prolífico de jargões é ruim, mas com uma discussão interminável na literatura de pesquisa sobre DC a respeito de se os efeitos positivos de algum uso de jargão na comunicação pública da ciência existem e superam os efeitos negativos. TL/DR: o tema é um tanto complexo e parece depender da situação e das pessoas envolvidas.

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Sharon & Baram-Tsabari (2014) propuseram um índice para quantificar o uso de jargões nos textos. Basicamente compararam um banco de palavras usadas em textos científicos e acadêmicos (em inglês) - PERC (Professional English Research Corpus) - com um banco de textos gerais (em inglês britânico) - BNC (British National Corpus). Palavras comuns no PERC, mas raras ou ausentes no BNC, foram consideradas como jargão. Com isso compararam os textos em três registros: a comunicação de cientistas para cientistas (interpares); a comunicação de cientistas para o público não-especialista (DC) e o controle foram as comunicações de não-cientistas (no caso, designers) para o público não-especialista (comunicação não-científica). Texros interpares apresentaram mais palavras incomuns: 2,65% das palavras usadas eram raras no corpus geral; em comparação aos de DC (2,08%) e da não-científica (1,85%). Considera-se que, em textos em inglês, o limitar de pelo menos 98% de palavras familiares no texto é o ideal para a compreensibilidade. A Fig. 1 mostra as proporções de palavras técnicas (jargões) e não-técnicas entre as palavras incomuns utilizadas em cada registro.


Figura 1. Proporção de palavras técnicas (jargões - CX e C'g) e não-técnicas (Cg, cG, XG e XX), entre os termos raros (que pouco aparecem no corpus geral) em diferentes tipos de registros. CX - palavras encontradas no corpus científico, mas não no corpus geral; C'g - palavras encontradas significativamente mais no corpus científico do que no corpus geral; Cg - palavras encontradas mais (mas não significativamente mais) no corpus científico do que no corpus geral; cG - palavras encontradas mais no corpus geral do que no corpus científico; XG - palavras encontradas no corpus geral, mas não no corpus científico; XX - palavras não encontradas nem no corpus científico nem no corpus geral. Adaptado de: Sharon & Baram-Tsabari (2014).

Não é surpresa que o uso de jargão fosse maior na comunicação interpares (entre cientistas) do que na divulgação científica (de cientistas para o público não especializado) ou na comunicação não-científica (de não-cientista para o público não especializado), nem da persistência de jargões na DC ou mesmo, em menor escala, na comunicação não-científica. Na verdade, o fato de o resultado ser o esperado, é um ponto a favor da validade da proposta de quantificação.

Os autores desenvolveram também um índice de jargonicidade ('jargonness'): o logaritmo da frequência de uma palavra no corpus científico sobre a frequência no corpus geral (se a palavra está ausente no corpus geral, é atribuído um valor de 3). A mediana da jargozidade dos jargões usados na comunicação interpares foi de 1,21. A jargonicidade nos textos de DC e não-científicos foram menores: 1,078 e 1,022 (não diferindo entre si). Enquanto um jargão na comunicação de cientista para outro cientista é cerca de 16 vezes mais frequente no corpus científico do que no corpus geral, na comunicação para o público por um cientista ou por um não-cientista, o jargão tinha uma frequência no corpus científico de 11 a 12 vezes a frequência no corpus geral.

A partir desses princípios, o grupo desenvolveu um detector automático de jargões (Rakedzon et al. 2017). Poderia ser interessante a produção de um programa que fizesse o mesmo em português.

Ok. Temos um método para quantificar jargões. Mas e quanto aos efeitos? Parece haver poucos estudos especificamente para a comunicação pública da ciência de medição dos efeitos do uso de jargão. O grupo de Dixon, Amill e Bullock publicaram dois artigos fazendo exatamente isso. Usando um serviço de recrutamento online de sujeitos experimentais para responder a formulários online, Bullock et al. (2019) dividiram 650 indivíduos aleatoriamente entre 4 grupos: um em que os participantes liam 3 parágrafos sobre 3 tecnologias emergentes (carros autônomos, robôs cirurgiães, impressão 3D de órgãos biológicos) com uso de jargão sem maiores explicações sobre os termos; um grupo com jargão seguido de definição; um grupo em que a definição era dada, mas o jargão não era apresentado; um grupo em que não era usado nem o jargão, nem era dada a definição. Para cada grupo foram medidos depois o grau de fluência do processamento da informação (basicamente a facilidade de entendimento do texto), do raciocínio motivado (quando a pessoa constrói um argumento já com uma conclusão previamente estabelecida), do quanto a pessoa achava que a tecnologia trazia riscos e do quanto ela apoiava a tecnologia. Na Fig. 2, vemos os efeitos encontrados. O uso de jargão se correlacionou a uma menor fluidez ou fluência do processamento, a uma maior resistência à persuasão, um percepção de maior risco da tecnologia e menos disposição a apoiá-la.


Figura 2. Efeito do uso do jargão sobre a fluidez do processamento da informação, a resistência à persuasão, a percepção do risco de uma nova tecnologia e a disposição a apoiar o uso dessa tecnologia. Adaptado de: Bullock et al. 2019.

Em Schulman et al. (2020), o grupo analisou se a introdução de explicação amenizava ou anulava o efeito do uso do jargão. Com o uso do jargão as avaliações de fluidez de processamento eram piores, mesmo com a introdução de definição do jargão.

Uma observação a ser feita é que as condições de uso de jargão foram de uma carga bem intensa: 10 jargões por parágrafo. Além da replicação independente, seria interessante analisar situações em que a densidade de jargões fosse menor.

Atkinson & Carskaddon (1975) analisam o efeito do uso de termos técnicos abstratos na avaliação da credibilidade do emissor. 32 alunos (16 homens e 16 mulheres) de curso introdutório de psicologia foram divididos aleatoriamente em 4 grupos. Todos assistiam a um vídeo de 15 minutos de uma sessão de atendimento psicológico. Antes de se passar o vídeo, os alunos eram apresentados a um breve currículo do profissional a cuja atuação assistiriam: para metade dos grupos o currículo era de grande prestígio (havia feito doutorado e tinha publicado artigos); para a outra metade, o currículo era de baixo prestígio. Em metade dos grupos, o profissional no vídeo usava palavras altamente abstratas para analisar o paciente; em outra metade, o profissional utilizava termos comuns. Assim, os grupos tinham as seguintes combinações: alto prestígio, palavras abstratas; alto prestígio, termos comuns; baixo prestígio, palavras abstratas; baixo prestígio, termos comuns. Após assistirem aos vídeos, os alunos preenchiam um formulário avaliando a credibilidade do profissional. As melhores avaliações do grau de conhecimento do profissional de acordo com a condição do estudo foram, na ordem decrescente: alto prestígio, alta abstração; baixo prestígio, alta abstração; alto prestígio, baixa abstração; baixo prestígio, baixa abstração. Na avaliação da compreensão do profissional a respeito do problema do paciente, as notas eram decrescente para: alto prestígio, alta abstração; alto prestígio, baixa abstração similar a baixo prestígio, alta abstração; e com a nota menor, baixo prestígio, baixa abstração.

É um estudo antigo, com uma amostra bastante restrita em termos de diversidade (caucasianos, estudantes universitários). Mas outros trabalhos também mostram um efeito positivo de pelo menos um certo nível de emprego de jargão (e em certas circunstâncias) para a credibilidade do emissor.

Junks et al. (2016) em seu capítulo sobre o uso da linguagem na construção da confiabilidade revisam em uma das seções o efeito da linguagem técnica sobre a confiabilidade por meio da percepção de expertise. O uso de termos técnicos são percebidos como mais complexos e difíceis de se entender (o que também foi encontrado no trabalho acima mencionado de Bullock et al 2019), mas isso seria um indicador da expertise do enunciador. Além disso, quando o emissor transpõe a linguagem técnica para uma forma compreensível na orientação sobre saúde, essa capacidade de adaptar a linguagem também contribuiria para a percepção da expertise. Os autores citam, porém, que na literatura há divergências quanto a tal efeito.

Thomson et al. (1981) concluem que o uso de jargão e apresentação de dados afetam a avaliação de um relato de modo diferente a especialistas e não-especialistas. 96 educadores e 63 profissionais da área de negócios leram um relato de 150 palavras a respeito do desempenho de estudantes. Um tipo de relato tinha 12 jargões relacionados a estudos na área de educação, um outro usava palavras mais comuns para passar os mesmos sentidos. Esses relatos também se dividiam em dois tipos: alguns continham dados numéricos e outros usavam expressões relacionadas a opiniões pessoais (p.e. "35% dos professores são contra" vs "eu acho que"). Após isso, cada participante avaliava o relato e o autor em vários critérios. 

Entre os educadores (especialistas), os relatos com jargão tendo ou não dados geravam mais concordância com as recomendações defendidas nos relatos; relatos sem jargão, mas com dados geravam uma concordância com as recomendações tão bem quanto no grupo controle (que avaliavam as recomendações defendidas no relato antes de lerem os próprios relatos), e relatos sem jargão e sem dados geravam uma concordância menor do que no controle. Entre os não-especialistas, todas as condições de relatos geraram um grau de concordância com as recomendações menores do que a condição controle. Mas os relatos sem dados, com ou sem jargões, geravam uma concordância maior do que as outras condições de relatos. A condição que levou a menor grau de concordância foi a carregada de jargões e de dados.

Em termos de avaliação da logicidade dos relatos, entre os especialistas, os relatos com jargão e dados foram mais bem avaliados, sendo os com jargão e sem dados os piores; entre os não especialistas, tanto os relatos com jargão e sem dados e os sem jargão com dados foram mais bem avaliados; o de pior avaliação foi a condição de sem jargão e sem dados.

Tan et al. (2019) avaliaram o efeito do uso de jargão em prospectos de investimentos sobre o desejo de investir entre alunos de um curso de MBA profissional. Quatro condições de jargão foram analisadas: sem jargão; apenas bons jargões (i.e. jargões de uso legítimo); apenas maus jargões (i.e. jargão descabido, apenas com a intenção de confundir); e uma mistura de bons e maus jargões em prospectos sobre possibilidade de investimentos em uma oferta pública inicial de ações na bolsa de valores. Entre os alunos sem conhecimento da indústria a que se referia a oferta, os prospectos que não usavam jargões foram avaliados como os que mais eliciavam desejos de investir, seguido de apenas bons jargões (em nível próximo aos prospectos sem jargão), apenas maus jargões e mistura de bons e maus jargões (bem abaixo das demais condições); entre os com um nível baixo de conhecimento, o prospecto mais bem avaliado foi o que misturava bons e maus jargões; seguido de apenas maus jargões (bem mais abaixo), apenas bons jargões e sem jargão (mais ou menos próximo de com apenas bons jargões). Já entre os que tinham alto conhecimento da indústria, o maior desejo de investir se deu com prospectos com apenas bons jargões, seguido de sem jargões; os prospectos apenas com maus jargões e misturando bons e maus jargões foram igualmente mal avaliados.

Possivelmente uma meta-análise é necessária para uma avaliação mais definitiva a respeito dos diferentes efeitos que os jargões podem ter sobre diferentes públicos, em diferentes dimensões da comunicação (informação, persuasão, emoção, etc.) e em diferentes contextos e temas. (Pode ser que já exista, mas não cheguei a encontrar um trabalho de meta-análise.)

Upideite(30.dez.2020): Um artigo recente sobre o tema, com conclusão de que o jargão não cria dificuldades em situação em que o público tenha um sentido de alta urgência como em situação de crise. Shulman & Bullock 2020. Don’t dumb it down: The effects of jargon in COVID-19 crisis communication. PLoS ONE 15(10): e0239524. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0239524

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Divulgação Científica e jargão

A comunidade de divulgadores está bem ativa questionando suas bases teórico-metodológicas. O que não deixa de ser positivo: o questionamento pode ajudar a avançar a área fazendo circular ideias e gerando novas propostas. (Claro que o ideal é que o embate de ideias seja feito sempre dentro de limites de civilidade, embora, por diversos motivos - todo mundo fica irritado de vez em quando, p.e. -, isso nem sempre seja possível.) Depois da polêmica a respeito de se os cientistas devem ser obrigados a se comunicar com o público, um outro clássico da discussão dos fundamentos da DC: a linguagem, em particular do emprego ou não de jargões.

Abaixo segue um breve compilado (também sem pretensão de ser completo nem representativo, apenas ilustrativo) de tweets que orbitaram a questão. Muitos links remetem apenas a um tweet representativo de uma thread (sequência). (À medida que outros pontos de vistas passarem pela minha TL no twitter, atualizo a listagem.)

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João Pedro Salgado
"Pessoal acha que vai divulgar ciência p população falando monofilético, parafilético, holótipo... vão sim, é por isso q as pseudociências crescem tanto no Brasil, a academia fica nesse pedestal aí pra sempre"

Luiza Caires
"Falar difícil não prova que você é inteligente, apenas que não entendeu nada do jogo. Principalmente se deseja mudar qualquer coisa nesse mundo. Depois fica aí dizendo que odeia Youtuber, influenciador...
Se a maior parte das pessoas não te entende, não são elas as incompetentes." 

Francisco Sassi
"Divulgação científica é pra ser feita pra todos, pra quem não é da academia e também pra quem é cientista. Termo técnico é uma coisa que pode ser explicada e, muitas das vezes, auxilia na explicação e na compreensão do conteúdo."

João Pré-Cambriano
"Entendo o ponto. E concordo. Agora, não vejo problema em usar os termos desde que se explique o q cada um significa. O que impede de explicar, preguiça ou o nariz empinado de achar que o seu público é incapaz de entender?"

Johnny Mingau
em resposta a João Pré-Cambriano
"É então, eu compreendo e concordo com os dois Joãos aqui. Eu lembro que no começo eu decidi que eu iria evitar falar termos confusos nos vídeos, blog e etc... Mas começou a chegar momentos que ficava difícil não utilizar alguns termos...
Por exemplo, (um exemplo tosco) ... Você pode simplesmente falar que aves são Dinossauros, mas pra muita gente isso não faz sentido, elas querem saber porque são Dinossauros. Nesse momento chega a hora de explicar o que é grupo monofiletico..
Eu penso que devo evitar usar termos confusos até chegar o ponto em que eu explico o que são e significam esses termos. Daí em diante eu passo a usá-los. Por exemplo meu texto sobre Utahraptor, descrever o material sem explicar o que é holótipo ficava mais confuso ainda, então..
Eu expliquei o que é holótipo, Parátipo e etc... E o texto começou a fluir melhor. Se eu não tivesse explicado os termos acho q o texto ficaria mais confuso ao tentar não utilizá-los. Pelo menos foi oq eu senti enquanto escrevia o texto do utahraptor pro blog.
Como a academia não larga de mão desses termos, me parece conveniente explica-los ao público, para que dá próxima vez que vêem um cientista falando, não fiquem tão confusos."

Carlos Hotta
"A linguagem usada em Divulgação Científica depende, a grosso modo, do seu objetivo, público alvo e o meio utilizado. Se a linguagem for compatível com estes três fatores, vc está muito bem. Se for compatível com dois, já está valendo."

Otávio Vulcão
"Existe um padrão de linguagem pra Divulgação científica? Muita gente já comentou e eu endosso: dependerá do público, objetivo e plataforma usada.
Você não vai divulgar ciência da mesma forma no Twitter e no Youtube, muito menos presencialmente.
Partindo de alguns textos, eu entendo que a DC não é apenas "tradução" da ciência; é sua "adaptação", porque você usa diferentes estratégias para falar dos métodos, descobertas, conhecimentos prévios e etc.
Durante essa adaptação você naturalmente descarta os jargões, termos técnicos demais e dados que são desnecessários no primeiro momento.
Significa que são menos importantes? Não, só significa que eles não são exigidos para aquele objetivo.
Isso não implica, por outro lado, que você deve simplesmente tratar seu público como plenamente ignorante e incapaz de entender conceitos e/ou termos difíceis.
Usar contextualizações para explicar os termos, introduzindo eles depois pode ajudar bastante.
Sou a favor de que termos essenciais para determinadas áreas não sejam descartados durante o processo de divulgação, sendo trabalhados minuciosamente para serem compreendidos pelo público.
Temos que ser pessoas com visões plurais, não singulares: uma tomada de decisão não obrigatoriamente vai excluir outra, dependerá de como você irá reunir essas ideias e aplicá-las."

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Aqui detalho alguns estudos a respeito do uso de jargões e seus efeitos na comunicação e compreensão.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Divagação científica - divulgando ciência cientificamente 36

(Este texto foi inicialmente encomendado para sair em uma revista, mas, depois de finalizado, não obtive mais o retorno. Acabou servindo de base pra dois textos mais ou menos sobre o mesmo tema. Como uma discussão similar se deu recentemente entre cientistas e divulgadores no twitter, creio que esta versão mais completa - e ligeiramente mais técnica, embora não tanto - possa ser eventualmente útil.)

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A importância da Divulgação Científica

Pesquisadores são frequentemente instados a se envolverem em atividades de divulgação científica, tanto indiretamente, na forma de entrevistas para veículos de comunicação, como mais diretamente, falando com o público sem intermediários, em palestras, textos para colunas de jornais, vídeos explicativos, etc. São atividades que demandam um certo tempo - que poderia ser empregado na pesquisa e docência - e podem expor os cientistas e acadêmicos a críticas: dos pares ou do próprio público. Então, afinal, qual a vantagem que a divulgação científica pode trazer? Por que um cientista deveria se ocupar de se comunicar com a população? Apresentaremos a seguir uma série de motivos trazidos ao longo do tempo a favor do engajamento dos pesquisadores na comunicação pública de ciências.

Thomas & Durant em um artigo publicado em 1987 intitulado "Why should we promote the public understanding of science?" analisam nove classes de possíveis benefícios que podem ser promovidos pela divulgação científica:
1) Para a própria ciência: atrair futuros novos cientistas, apoio da população às ciências, debelar visões e expectativas irrealistas quanto às possibilidades de novos desenvolvimentos científicos e tecnológicos (evitando a desilusão que ocorreria quando tais expectativas fossem frustradas);
2) Para a economia nacional: uma população com um certo nível de conhecimento científico e tecnológico pode aplicar tais conhecimentos no aumento da produtividade e na geração de novos produtos e serviços, além de aumentar a demanda por produtos baseados em conhecimentos científicos e tecnológicos;
3) Para o poder e influência do país: o domínio de conhecimento e tecnologias estratégicas permitem desenvolver uma defesa mais segura, projetar o poder se necessário e galgar e manter posição de destaque e liderança regional ou mundial;
4) Para os indivíduos: cidadãos mais bem informados estão mais bem equipados para aplicar seus conhecimentos na decisão sobre dietas, sistemas de saúde, segurança pessoal e confrontar inúmeras alegações promocionais sobre produtos e serviços que lhes são oferecidos, podem também almejar empregos mais bem remunerados que exijam maior capacidade científico-tecnológica;
5) Para governos democráticos: grande parte da pesquisa científica é financiada com dinheiro público e seus resultados impactam a vida das pessoas; em democracias modernas, os cidadãos devem opinar e decidir a respeito de temas que envolvem a sociedade: a fim de que os cidadãos possam tomar decisões sobre políticas científicas, eles devem estar bem informados sobre o tema; assim, tanto se promove a própria democracia, ao permitir que a população participe mais diretamente, quanto se abastece a população com ferramentas para decisões mais eficientes;
6) Para a própria sociedade: acabar com o abismo entre o conhecimento ultraespecializado das disciplinas científicas e acadêmicas e os não-especialistas, permitindo à população mais opções de respostas que apenas o medo e a adulação frente ao conhecimento científico, tornando-os uma espécie de crítico das ciências (como há críticos literários e gastronômicos);
7) Para o aspecto intelectual: a ciência é um empreendimento que promove a capacitação intelectual e seu enobrecimento, o conhecimento científico deve ser promovido como parte da própria cultura intelectual;
8) Para a estética: a ciência é uma atividade criativa de destaque da mentalidade moderna, ela ajuda a revelar a beleza e o significado das coisas e;
9) Para a ética: nas ciências, para haver o convencimento, é preciso se basear em indícios objetivos e não em meras opiniões e princípios de autoridades; alguns pensadores chegam a dizer que o ideal da busca pela verdade objetiva através de regras claras tornaria a prática científica como um ideal moral a se buscar na sociedade (aqui é o único item em que Thomas & Durant fazem uma nota mais crítica observando a polêmica que é tal sugestão de superioridade moral da prática científica).

Já Semir & Revuelta 2010 dividem em cinco grupos:
1) Para os indivíduos: por aumentar seu conhecimento sobre o mundo e sua capacidade de tomar decisões informadas e usar os conhecimentos científicos para novos usos;
2) Para a sociedade global: pelo fato de o conhecimento científico, gerado sobretudo com investimentos públicos, é um elemento imprescindível para a democracia e pode contribuir para o bem estar e desenvolvimento econômico dos países;
3) Para a ciência e cultura em geral: o conhecimento compartilhado gera novas perguntas para pesquisas no mesmo campo e também em outros e dão origem a novas disciplinas;
4) Para a comunidade científica: a opacidade gera temor e a transparência, confiança do público; se os cientistas se omitem, outros farão a comunicação, nem sempre da mesma forma, com a mesma intenção ou com a mesma clareza;
5) Para a estética: muitas peças de divulgação científica: livros, fotografias, filmes, desenhos... são de grande beleza plástica e artística)

Alguns dos potenciais benefícios têm sido objeto de pesquisa científica. Um dos mais investigados é a suposição de que indivíduos com maiores conhecimentos sobre ciências tendem a ter uma melhor atitude (tendência psicológica de se avaliar um tema positiva ou negativamente) em relação às ciências, o chamado "modelo do déficit": a suposição é que o medo e a oposição ao conhecimento científico e às tecnologias dele resultante seriam frutos da ignorância científica. Embora pareça haver uma tendência para que a maioria dos pesquisadores da área considerem a hipótese falsa: não haveria essa relação, a relação seria invertida (na verdade, indivíduos que mais se opõe às ciências tenderiam a ser mais bem informados) ou haveria uma relação em "U" (indivíduos pouco informados e indivíduos muito bem informados sobre ciências teriam atitudes mais negativas, sendo as mais positivas entre os indivíduos com nível intermediário); uma meta-análise de Allum et al. 2008 com dados de 40 países indica que, de fato, quanto maior o conhecimento científico, mais positiva é a avaliação das ciências. O efeito, porém, é pequeno. [Para alguns temas como "mudanças climáticas" o efeito do maior conhecimento de ciências pode ser uma maior polarização entre as visões (Braman et al. 2012).]

Makarovs & Achterberg (2018) analisaram dados da pesquisa Special Eurobarometer de 2010 com 32 países e relacionaram a relação entre o nível de democratização do país e características socioeconômicas dos entrevistados e o engajamento público em ciências. Nas sociedades mais democráticas tende a haver uma maior participação pública nas ciências e maior apoio ao controle democrática delas; e cidadãos com níveis educacionais mais altos e mais bem informados sobre tópicos científicos também tendem a se engajar mais com ciências. O estudo, no entanto, é correlacional, não sendo possível apenas com esses resultados assumir uma relação causal necessária.

Em relação à hipótese da atração de futuro novos cientistas, Goto et al. (2018) fizeram um estudo longitudinal com alunos japoneses para avaliar o efeito da participação em eventos científicos. Alunos que já apresentavam motivação para o aprendizado foram os que mais participaram e se beneficiaram - aumentando sua motivação e aprofundando seus conhecimentos, tendo os eventos relativamente pouco impacto em atrair estudantes fora desse perfil.

Outro efeito estudado é o do impacto da cobertura midiática sobre a citação dos artigos. A publicação de notícias relacionadas aos estudos, especialmente na mídia escrita, de modo geral, correlaciona-se com um maior número de citações do trabalho em outros artigos científicos. Alguns estudos têm encontrado uma relação causal direta do destaque na imprensa não-especializada sobre a visibilidade posterior do artigo. (E.g. Kiernan 2003, Mathelus et al. 2012, Fanelli 2013, Manisha & Mahesh 2015.)

Em relação a boa parte dos benefícios putativos, no entanto, não há muitos dados corroborando ou refutando as relações alegadas.

Mas e quanto à importância que os cientistas efetivamente veem na divulgação científica? Besley e colaboradores (2017) verificaram o grau de concordância de membros de sociedades científicas americanas a oito seguintes objetivos da comunicação pública de ciências (listados em ordem decrescente de maior concordância geral entre os entrevistados):
1) garantir que as pessoas estejam bem informadas sobre temas científicos;
2) interessar e estimular as pessoas a respeito das ciências;
3) demonstrar que a comunidade científica se preocupa com o bem estar da sociedade (a percepção de benevolência e calor humano afetam a inclinação das pessoas em apoiar os outros);
4) demonstrar que a comunidade científica é aberta e transparente;
5) ajustar o enquadramento (framing) das implicações das pesquisas a fim de que o público pense sobre o tópico de modo a ressoar com seus valores (o modo como uma questão é vista afeta as atitudes e o comportamento em relação a ela);
6) demonstrar que os cientistas compartilham dos valores da comunidade (as pessoas frequentemente utilizam de pistas de identificação para compreender questões científicas);
7) ouvir o que os outros pensam sobre temas científicos;
8) demonstrar a expertise da comunidade científica (a competência é uma das dimensões avaliadas pelas pessoas para estabelecer a confiança nos especialistas).

Martín-Sempere e colegas (2008) analisaram 13 motivos para cientistas e técnicos espanhóis participarem da Feira de Ciências de Madrid. As repostas puderam ser agrupadas em quatro categorias, aqui apresentadas na ordem decrescente de importância atribuída:
1) divulgação e cultura científicas: estimular e aumentar o interesse e o entusiasmo do público pelas ciências, aumentar a cultura científica da população, aumentar a apreciação pública das ciências, tornar a instituição em que trabalha mais conhecida e visível;
2) senso de dever;
3) compromisso pessoal: além do comprometimento pessoal propriamente dito, o fato de haver sido incumbido por superiores;
4) motivações pessoais e profissionais: satisfação pessoal, diversão, relacionamentos profissionais, promoção profissional, recompensa financeira, recompensa com dia de folga.

Um temor relativamente frequente entre os acadêmicos e cientistas a respeito de se engajar nas atividades de divulgação científica é ilustrado pelo que é conhecido por "efeito Carl Sagan". Segundo essa hipótese, cientistas mais envolvidos com extensão e comunicação com o público seriam academicamente menos produtivos. Mas estudos realizados apontam que, na verdade, tende a ocorrer o oposto: pesquisadores que se dedicam mais a levar o conhecimento sobre ciências para o público em geral estão entre os que mais publicam em revistas científicas (p.e. Jensen et al. 2008, Bentley & Kyvik 2010).

Assim, existem várias razões potenciais por que os cientistas deveriam participar de atividades de divulgação. Embora muitas delas ainda não tenham tido sua validade verificada, para pelo menos algumas a resposta é de resultados positivos para o público, a comunidade científica e para a própria carreira do cientista. Diversas estratégias e receitas têm sido aventadas para permitir um bom equilíbrio entre as inúmeras atividades do cientista e a de divulgação, mas isso é objeto para um outro texto.

Referências

Allum, N. et al. 2008. Sciece knowledge and attitudes across cultures: a meta-analysis. Public Understanding of Science 17(1): 35-54. https://doi.org/10.1177/0963662506070159
Bentley, P. & Kyvik, S. 2010. Academic staff and public communication: a survey of popular science publishing across 13 countries. Public Understanding of Science 20(1): 48-63. https://doi.org/10.1177/0963662510384461
Besley, J.C. et al. 2017. Scientists' views about communication objectives. Public Understanding of Science. https://doi.org/10.1177/0963662517728478
Fanelli, D. 2013. Any publicity is better than none: newspaper coverage increases citations, in the UK more than in Italy. Scientometrics 95: 1167-77. https:// doi.org/10.1007/s11192-012-0925-0
Goto, T. et al. 2018. A large-scale longitudinal survey of participation in scientific events with a focus on students' learning motivation for science: Antecedents and consequences. Learning and Individual Differences 61: 181–7. https://doi.org/10.1016/j.lindif.2017.12.005R
Jensen, P. et al. 2008. Scientists who engage with society perform better academically. Sci Public Policy 35:527–541, https://doi.org/10.3152/030234208X329130
Kahan, D. et al. 2012. The Polarizing Impact of Science Literacy and Numeracy on Perceived Climate Change Risks. Nature Climate Change 2: 732–5. https://doi.org/10.1038/nclimate1547
Kiernan, V. 2003. Diffusion of News about Research. Science Communication 25(1): 3-13. https://doi.org/10.1177/1075547003255297
Manisha, M. & Mahesh, G. 2015. Citation pattern of newsworthy research articles. J Scientometric Res. 4(1): 42-5. https://doi.org/10.4103/2320-0057.156022
Markovs, K. & Achterberg, P. 2018. Science to the people: a 32-nation survey. Public Understanding of Science. https://doi.org/10.1177/0963662517754047
Martín-Sempere, M.J. et al. 2008. Scientists' motivation to communicate science and technology to the public: surveying participants at the Madrid Science Fair. Public Understanding of Science 17: 349-67. https://doi.org/10.1177/0963662506067660
Mathelys, S. et al. 2012. Promotion of research articles to the lay press: a summary of a three-year project.
Learned Publishing 25(3): 207-12. https://doi.org/10.1087/20120307
Semir, D. & Revuleta, G. 2010. La importancia de la comunicación en el entorno científico. Quaderns de la Fundació Dr. Antoni Esteve no. 20: 1-7. http://www.raco.cat/index.php/QuadernsFDAE/article/view/253622
Thomas, G. & Durant, J. 1987. Why should we promote the public understanding of science? In: Shortland, M (ed.) Scientific Literacy Papers. Oxford: Rewley House. Pp:1-14

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Upideite(03.set.2020): Um artigo analisa os fatores correlacionados às visões dos estudiosos da DC sobre os motivos para o engajamento público da ciência.

Besley, T. et al. 2020. Exploring scholars’ public engagement goals in Canada and the United States. PUS.

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