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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Barriga da fortuna: uma paráfrase a Tolstoi

"Все счастливые семьи похожи друг на друга,
каждая несчастливая семья несчастлива по-своему."
["Todas as famílias felizes são parecidas,
já as famílias infelizes são cada qual infelizes a seu modo."]
Leo Tosltoi
Anna Karenina

Esta postagem era para ser parte do Blog Action Day (que tem o terrível acrônimo: BAD) em comemoração ao Dia Mundial da Alimentação (16 de outubro, data da fundação da FAO), mas por motivos diversos acabou por não ficar pronta a tempo.

O acesso aos alimentos e o estilo de alimentação (comida mais rica ou menos rica em carboidratos e gorduras, p.e.) certamente são fatores importantes (embora não os únicos, fatores genéticos e o estilo de vida: sedentarismo x atividade física, p.e.) na determinação do IMC.

Na Figura 1 estão plotados a prevalência na população de pessoas com sobrepeso/obesidade (IMC igual ou acima de 25) e com subpeso/magreza excessiva (IMC abaixo de 18,5) pelo PIB per capita (em paridade de poder de compra, PPP): nota, os valores compilados variam de 1985 a 2009 (tanto quanto possível busquei os valores mais recentes disponíveis para os países no Banco de Dados Mundial de IMC da OMS, com os valores de PIB per capita dos anos correspondentes disponíveis no Economy Watch e no index mundi).

Figura 1. IMC x PIB per capita. Sobrepeso/obesidade (IMC ≥ 25),
subpeso/magreza excessiva (< 18,5).

Na Figura 2 é apresentada a relação entre PIB per capita e a prevalência de IMC normal (abaixo de 25 e igual ou acima de 18,5).

Figura 2. Prevalência de IMC normal (≥ 18,5 e < 25) x PIB per capita nos países.

Em relação à magreza excessiva (fortemente associada à subnutrição), a riqueza tem uma relação bastante forte: em países com renda mais alta, há poucos casos de IMC abaixo de 18,5. O que não significa que países com renda mais baixa apresentem menos casos de IMC acima do grau de sobrepeso e obesidade, quase que ao contrário, os maiores índices de prevalência de sobrepeso/obesidade tendem a ser encontrados em países mais pobres (bem como os maiores índices de prevalência de subpeso).

Na verdade, ocorre uma maior dispersão dos valores de IMC entre os países com PIB per capita mais baixo (e uma menor dispersão entre os países com PIB per capita mais elevados). Os EUA, sempre citados quando se fala em epidemia de obesidade, são um ponto fora da curva: para países com alta renda, os valores de IMC na faixa do sobrepeso/obesidade parece tender a um valor em torno de 10%.

Quando se analisa o gráfico de prevalência de IMC na faixa da normalidade, essa tendência a valores intermediários aparece mais claramente - mas isso entre *países*. E *dentro* de cada país? Usando o índice de Shannon (na verdade, um pseudoíndice - não ajustei para ln 2, de modo que não correspondem a bits) para os valores de prevalência de IMC de subpeso/magreza excessiva, normalidade, sobrepeso/obesidade, temos o gráfico da Figura 3, em que, novamente, vemos que países mais ricos tendem a se parecer mais entre si, mas não necessariamente países mais ricos são internamente mais homogêneos (eles são relativamente heterogêneos, como um alto índice de Shannon mostra).

Figura 3. Índice de Shannon da prevalência de três classes de IMC (sobrepeso/obesidade, normalidade, subpeso/magreza excessiva) x PIB per capita.

A explicação desses padrões não deve ser muito simples. Em países mais ricos, de modo geral, há uma maior abundância de alimentos, sobretudo os mais energéticos; mas também há mais acesso a educação alimentar e mesmo a tratamentos contra a obesidade e magreza. Há ainda que se levar em conta a questão da distribuição de renda. Além disso, famílias pobres podem ter acesso a uma boa alimentação se tiverem espaço para cultivar seu próprio alimento (em terreno suficientemente fértil e não forem assoladas por pragas e instabilidades climático-meteorológicas). Na África subsaariana não se observam países pobres com alta prevalência de obesidade, ao contrário do que pode ocorrer em países do Mediterrâneo Oriental e do Pacífico Ocidental - serão fatores genéticos? culturais? ambos?

Mas creio que possamos dizer (com o devido pedido de desculpas a Tolstoi), em relação à obesidade/magreza e a riqueza, que todos os países ricos se parecem, enquanto que nos pobres há obesos e magros cada qual a sua maneira.

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