Uma ótima análise sobre o estudo pode ser lida no site Evolucionismo: Evolução da multicelularidade em laboratório parte I e parte II.
Os autores do estudo discutem algumas características de pluricelularidade verdadeira dessas unidades multicelulares - divisão de trabalho entre as células e apoptose. Mas ênfase maior é dada na rapidez com que o genótipo responsável pelo fenótipo multicelular surgia nas réplicas: em todas as 15 populações, variantes multicelulares surgiram e passaram a ser dominantes nos 60 dias dos experimentos. Aliando esse resultado aos dados de outros trabalhos (algas verdes volvocinas multicelulares não são geneticamente muito mais complexas do que parentes unicelulares, padrão de equilíbrio punctuado do registro fóssil e o fato de a pluricelularidade ter evoluído diversas vezes em ramos independentes da vida), os cientistas concluem: "The potential for the evolution of multicellularity may be less constrained than is frequently postulated." ["O potencial para a evolução da pluricelularidade deve ser bem menos restrita do que frequentemente é postulado."]
Tendo a concordar que a pluricelularidade não deve ser uma característica tão difícil de surgir ao longo da evolução das linhagens unicelulares. Porém a velocidade da evolução da característica no trabalho de Ratcliff e colaboradores pode ter tido uma ajudinha da história evolutiva das leveduras. A Figura 1 apresenta uma filogenia de alguns grupos de fungos. Saccharomyces, o gênero da espécie utilizada no experimento, e alguns outros grupos próximos são linhagens unicelulares em meio a linhagens pluricelulares.
Figura 1. Filogenia de alguns grupos de fungos. Modificado de Hedges 2002.
Isso sugere que a unicelularidade do Saccharomyces seja uma condição derivada a partir de um ancestral pluricelular. A pluricelularidade experimentalmente obtida não seria exatamente uma reversão, mas pode ter sido facilitada pela presença de genes que controlam as características multicelulares preservados (embora silenciados ou com ação alterada) dos ancestrais. É de se notar que trabalhos anteriores obtiveram estruturas multicelulares (similares a pedúnculos de mixamebas) em colônias de leveduras irradiadas com UV (Elgenberg et al. 1998). Análise anatômica dessa estrutura indica a ocorrência de diferenciação celular com divisão de trabalho e morte celular - embora a natureza apoptótica (isto é, sob controle genético) dessa morte não tenha sido estabelecida (Scherz et al. 2001). (Um tanto estranho que nenhum desses dois trabalho tenham sido citados no artigo de Ratcliff et al.)
Desse modo, é preciso mais cautela ao tentar extrapolar os resultados temporais do experimento para a época da origem da pluricelularidade nos vários grupos de organismos.
A se esperar pelo sequenciamento do genoma das linhagens multicelulares para comparação com o das linhagens unicelulares a fim de identificar os genes alterados. E comparar com os genes de outros grupos de fungos pluricelulares.
Referências
Engelberg D, Mimran A, Martinetto H, Otto J, Simchen G, Karin M, & Fink GR (1998). Multicellular stalk-like structures in Saccharomyces cerevisiae. Journal of bacteriology, 180 (15), 3992-6 PMID: 9683500Hedges, S. (2002). The origin and evolution of model organisms Nature Reviews Genetics, 3 (11), 838-849 DOI: 10.1038/nrg929
Scherz R, Shinder V, & Engelberg D (2001). Anatomical analysis of Saccharomyces cerevisiae stalk-like structures reveals spatial organization and cell specialization. Journal of bacteriology, 183 (18), 5402-13 PMID: 11514526
Ratcliff, W., Denison, R., Borrello, M., & Travisano, M. (2012). Experimental evolution of multicellularity Proceedings of the National Academy of Sciences DOI: 10.1073/pnas.1115323109