Lives de Ciência

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domingo, 19 de dezembro de 2010

It's alive, it's alive!

O caso da divulgação pela Nasa das bactérias que usam arsênio continua a render várias postagens e matérias. O Scienceblogs americano conta de diversos textos como este, este e este (o Sb.br também tem uma coleção de posts sobre o assunto: este, este e este).

Mas aqui quero me deter em um aspecto que comentei de passagem anteriormente: sobre a (ausência de) implicação da descoberta (em caso de confirmação) no conceito e definição de vida.

Seguem minhas anotações de alguns trabalhos sobre a questão do que é vida.

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Da Silva (2009)
• Vida como a presença de uma substância específica dos seres vivos.
Vitalismo: Força vital. Psykhé (alma): Aristóteles (“Da alma”). Animismo (séc. 17): Georg Ernst Stahl (1660-1734), médico e filósofo alemão.
• Vida como criação divina
Idade Média.
• Vida como uma máquina
Mecanicismo. Renascimento: Descartes.
• Vida como autorregulação sustentada por relações de dominação
Nietzche (séc. 19). Indivíduo como resultado da luta entre suas partes e seu desenvolvimento relacionado com o predomínio de algumas partes sobre outras.
• Vida como seleção de replicadores
Teoria Sintética da Evolução. Neodarwinismo (sécs. 20 e 21).
• Vida como um sistema autopoiético
Humberto Maturana e Francisco Varela (déc. 1960): independência e constância de uma determinada organização das relações dos elementos que constituem esse sistema, organização essa que é autorreferencial no sentido de que sua ordem interna é formada a partir da interação dos seus próprios elementos e autorreprodutiva no sentido de que tais elementos são produzidos a partir dessa mesma rede de interação circular e recursiva.
• Vida como interpretação de signos
Biossemiótica: produção, transmissão e interpretação de signos. Emmeche (1998): interpretação funcional de signos em sistemas materiais autoorganizados.
• Listas de propriedades
Essencialismo
Crescimento, reprodução, respiração, nutrição, excreção, irritabilidade, locomoção...

Emmeche & El-Hani (2001)
Visão tradicional sobre a definição de vida
1. A vida como tal não pode ser definida: uma definição clara não é encontrada;
2. A questão da definição da vida não é importante para a Biologia;
3. O processo da vida pode ser definido ou, ao menos, aproximadamente distinguido dos processos não-vivos por meio de uma lista de propriedades;
4. É difícil delimitar o conjunto de propriedades, mas tal dificuldade não é séria. Seres vivos particulares podem não apresentar todas as propriedades: o conjunto não é suficiente e necessário. A lista pode ser vaga e redundante, admitindo uma fronteira não rigidamente demarcada entre o vivo e não-vivo;
5. A vida não pode ser reduzida à física em função de sua complexidade. A lista de propriedades inclui elementos genuinamente biológicos: autorreprodução, metabolismo, seleção natural.

Emmeche & El-Hani (2001)
Requisitos para uma definição de vida
1. Universalidade: abranger todas as formas de vida possíveis, não apenas as baseadas em carbono;
2. Coerência com o conhecimento científico;
3. Elegância conceitual e capacidade de organização cognitiva;
4. Especificidade: excluir formas obviamente não-vivas.

Definições
N. Horowitz (1959): “A vida caracteriza-se por autorreplicação, mutabilidade e troca de matéria e energia com o meio ambiente”.

Monod (1971): teleonomia, morfogênese autônoma e invariância reprodutiva. Emmeche & El-Hani (2001)

Mayr (1982): complexidade e organização; singularidade química (propriedades extraordinárias das macromoléculas); qualidade (diferenças individuais, sistemas de comunicação, interações em ecossistemas, etc. em contraste com a quantificação do mundo físico); individualidade e variabilidade; presença de um programa genético; natureza histórica; seleção natural; e indeterminação (incluindo emergência de qualidades novas e imprevisíveis nos níveis hierárquicos). Emmeche & El-Hani (2001)

Maynard-Smith (1986): “Entidades com as propriedades de multiplicação, variação e hereditariedade são vivas e entidades que não apresentam uma ou mais dessas propriedades não são” -> vida como evolução por seleção natural. Emmeche & El-Hani (2001)

S.J. Wicken (1987): “[Sistema vivo é] aquele capaz de processar informação [...] uma hierarquia de unidades funcionais que, através da evolução, tem adquirido a habilidade de armazenar e processar a informação necessária para sua própria reprodução”.

De Duve (1991): assimilação, conversão de energia em trabalho, catálise, informação, isolamento controlado, autorregulação e multiplicação. Emmeche & El-Hani (2001)

Korzeniewski (2001): "Uma definição de vida (um indivíduo vivo) em termos cibernético é proposto. Nesta formulação, vida (um indivíduo vivo) é definido como uma rede de retroalimentação negativa inferior (mecanismos regulatórios) subordinada a (a serviço de) uma retroalimentação positiva superior (potencial de expansão)."

William R. Clark (2006: p. 159-60): “no nível das células individuais, a possibilidade de vida pode ser definida como a interação de energia termodinâmica distribuída universalmente com macromoléculas biológicas específicas organizadas em estruturas específicas”. Criptobiose.

Referências
Clark, W.R. 2006. Sexo e as origens da morte: como a ciência explica o envelhecimento e o fim da vida. Record. 204 pp.

Da Silva, P.R.; Andrade, M.A.B.S. & Caldeira, A.M.A. 2009. A concepção de professores de Biologia sobre conceito de vida. Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. Florianópolis, 8 de novembro de 2009.

Emmeche, C. & El-Hani, C.N. 2001. Definindo vida. Pp: 31-56. In El-Hani, C.N. & Videira, A.A.P. (orgs.) O que é vida? – para entender a Biologia do século XXI. Faperj/RedumeRelume Dumará.

Korzeniewski, B. 2001. Cybernetic formulation of the definition of life. J. theor. Biol. 209: 275-86.

Vieira, A. & Souza-Barros, F. 2001. Teorias da origem da vida no século XX. Pp: 71-101. In El-Hani, C.N. & Videira, A.A.P. (orgs.) O que é vida? – para entender a Biologia do século XXI. Faperj/RedumeRelume Dumará.
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Certamente não esgota todas as definições e conceituações propostas para o que seja o fenômeno da vida, mas essa coleção mostra bem que a composição tem um peso pequeno (ou nulo) diante de aspectos funcionais.

Upideite(21/dez/2010): Nos comentários, Berlinck corrige o nome da editora Relume Dumará e sugere outras leituras - pensei em indicar também, mas como a lista que fiz era de referências e não bibliografia, deixei de fora, mas diante da sugestão feita, listo-os abaixo.

Luisi, P.L. 2006. The emergence of life: from chemical origins to synthetic biology. Cambridge Univ. Press. 332 pp.

Margulis, L. & Sagan, D. 2002. O que é vida? Jorge Zahar Editor. 289 pp.

Schrödinger, E. 1997. O que é vida? O aspecto físico da célula viva. Seguido de: Mente e matéria e Fragmentos autobiográficos. Ed. Unesp/Cambridge Univ. Press. 192 pp.

(Li os de Margulis e Schrödinger; ainda não tive a oportunidade de ler a obra de Luisi - mas vi uma palestra dele no IEA-USP sobre origem da vida.)

3 comentários:

Roberto G. S. Berlinck disse...

Caro Takata,

Eu acrescentaria mais algumas:
a) O que é vida? por Erwin Schröndinger (que ainda não li).

b) O que é vida? por Lynn Margulis e Dorion Sagan (que li e gostei muito, mas não anotei os pontos-chave sobre possíveis definições).

c) The emergence of life, por Pier Luigi Luisi (Cambridge Univ. Press, 2006), fantástico.

Corrija a editora de Emmeche, C. & El-Hani, C.N. 2001 e também de Vieira, A. & Souza-Barros, F. 2001. É Relume Dumará. Já vi este livro, mas não o comprei. Depois de tua postagem, o farei.

none disse...

Berlinck,

Opa, grato pela colaboração. Já subi suas indicações na postagem.

[]s,

Roberto Takata

none disse...

Eu não havia citado Schrödinger e Margulis & Sagan por não haver uma definição explícita nesses livros.

[]s,

Roberto Takata

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