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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Discutindo ciências palpiteiramente: resposta (3)

Dando continuidade à série, respondo ao comentário do Luiz Bento.

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Luiz,

Bem, na verdade, a sua resposta à questão "o que devo saber sobre ciências para poder me considerar suficientemente bem informado/a sobre o tema?" não é um conjunto indefinido (ou vazio ou infinito a depender da perspecitva), mas é simplesmente: "conhecer os processos de produção e validação do conhecimento científico".

De todo modo, parece haver exagero na visão de que nunca se alcançaria conhecimento (factual) suficiente. O argumento é simples: se assim fosse, não apenas a preocupação com o conteúdo seria inútil, mas *qualquer* discussão sobre alfabetização ou enculturação científicas seria inútil. Basicamente, ninguém teria qualquer conhecimento sobre qualquer tópico científico. O que está longe de ser verdade.

A questão analítica é importante e fundamental, mas não tem como ser suficiente.

Vamos a um exemplo. Digamos, se a pessoa deve comprar ou não um magnetizador de combustível que promete diminuir o consumo. Ela irá receber o panfleto que diz: "O aparelho produz um campo magnético que orienta as moléculas do combustível. Essa orientação torna a combinação das moléculas com o oxigênio mais eficiente, assim, o motor gasta menos combustível para a mesma potência." Sem recorrer a um conhecimento básico sobre magnetismo - p.e. que o campo magnético necessário para reorientar as moléculas de álcool ou gasolina teria que ser bastante intenso, o que implicaria em que o aparelho gerador seria grande e pesado o bastante para ou impedir sua instalação no automóvel ou aumentar substancialmente o consumo de combustível (em vez de diminuí-lo), não haveria possibilidade analítica.

De algum lugar o indivíduo teria que tirar essa informação para contrastá-la - direta ou indiretamente - com as afirmações da alegação do fabricante. A abordagem analítica, como você sugere, seria: perguntar aos cientistas. Só que: ao contrário dos advogados, não se acham cientistas consultores a cada esquina (sem críticas aqui à classe dos advogados - apenas que eles são em número muito maior do que cientistas). E mais: advogados são devidamente pagos. (Na verdade, a lição é que as pessoas *também* devem ter noções básicas sobre leis e direitos: pelo menos os principais códigos - do trânsito, ECA, do consumidor, sem falar da própria Constituição - e do funcionamento geral dos processos legais: quais instâncias são responsáveis por acolher as demandas; quais, as por julgá-las e quem deve garantir a execução das decisões judiciais. O acesso à Justiça é um problema sério em nosso país e muito da falta de acesso à cidadania plena deve-se justamente ao "analfabetismo jurídico".)

De outro modo, vamos considerar que o cidadão irá recorrer aos livros-texto sobre o tema. Ele terá que primeiro aprender todo o be-a-bá, para então tentar aplicar sua capacidade analítica. Parece um modo pouco eficiente - ainda mais se a situação para a análise demandar uma resposta mais imediata.

Quanto ao "sentimento" de que algo está errado... "sentimento" não parece ser algo que possa ser propriamente ensinado. E algo só estará errado dentro de um quadro referencial que inclui: as coisas que consideramos corretas.

A abordagem analítica é importante, mas ela é também limitada. Ela permite apenas "sentir" que algo está errado pela "forma", mas não pelo "conteúdo". Em uma comparação - mal feita - seria como ter a gramática, mas não o vocabulário de uma nova língua. A frase: "O fogo foi aquecido pelo chá" só soa "errada" porque sabemos o significado de 'fogo' e 'chá' (e os demais termos). Gramaticalmente, a frase é perfeita.

De modo similar, saber lógica é importante, mas ela por si não resolve a questão. O silogismo seguinte:
"Todo peixe tem cinco pernas. Paul era um peixe. Logo, Paul tinha cinco pernas." é absolutamente válido. Logicamente perfeito. Mas é falso. A falsidade não é revelada pela análise lógica, mas pelo conhecimento factual sobre peixes (e sobre Paul).

Há muita coisa em nosso dia-a-dia que pode ser resolvido apenas por esses processos de análise - porque muita base factual é aprendida com base em nossa experiência. Mas o que tem ficado claro é que muita coisa científica *contraria* a nossa experiência diária ou, pelo menos, não é algo que seja obviamente derivado dela. Tendo em mente nosso conhecimento diário não-sistemático, não é de todo surpreendente que uma teoria evolutiva só tenha nascido no mundo ocidental no século 18/19.

Embora eu não seja adepto do modelo de conhecimento de almanaque, se se apresenta a questão em termos de "ou isso ou aquilo", eu diria que conhecimento de almanaque tem mais chances de ser útil e diretamente aplicável do que o conhecimento puramente analítico (se é que tal coisa é possível): as pesquisas que tenderiam a parecer "estranhas" demais seriam justamente as que nós, cientificamente iniciados, tomamos como padrão, porque estas, com frequência, fogem do leque de experiências das pessoas.
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