Não sei se podemos chamar de "virada de tempo", mas há uma certa coincidência temporal em que a Folha de São Paulo tenha intensificado o espaço para os negacionistas climáticos e
demitido o jornalista Claudio Angelo (melhor para o
Scienceblogs, que agora conta com o texto acurado, apurado e afiado do brasiliense). O que esses fatos significam só os tempos (cronológico e meteorológico) poderão dizer.
De todo modo, Molion emplacou mais um texto no jornal paulista (reproduzido no
Quiprona, de Roberto Berlinck). Torno a dizer que respeito a produção científica do pesquisador no que se refere à meteorologia, mas discordo de muitas coisas que ele diz, sobretudo em seu posicionamento de negação do aquecimento global.
Um resfriamento global, com mais invernos rigorosos e má distribuição de chuvas, é esperado nos próximos 20 anos, em vez do aquecimento global antropogênico (AGA) alardeado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
Uma coisa boa aqui: Molion faz uma previsão testável. Uma coisa não tão boa: ele vem dizendo a mesma coisa desde pelo menos
2005: "
O clima global poderá experimentar um resfriamento paulatino nos próximos 25 anos se a ODP comprovadamente permanecerem sua nova fase fria." Já são pelo menos sete anos dessa previsão de resfriamento que
não se concretiza. Há um fator complicador: Molion poderia até mesmo acertar com um período de resfriamento por duas décadas, sem que isso representassem um resfriamento global - duas décadas são uma janela curta em relação à tendência maior do aquecimento. O pesquisador até cita período anterior de queda de temperatura global média - essa queda entre o pós-guerra e a década de 1970 não anulou o tendência maior (vide a
parte 1 da série sobre o Aquecimento Global).
O AGA é uma hipótese sem base científica sólida. As suas projeções do clima, feitas com modelos matemáticos, são meros exercícios acadêmicos, inúteis quanto ao planejamento do desenvolvimento global.
Molion volta a errar a mão na sua crítica. A base científica da hipótese do AGA é bastante sólida. São milhares de artigos nas últimas décadas publicados em revistas indexadas com processo de revisão por pares que trazem dados que sustentam a hipótese. Até as previsões realizadas sobre tendências de temperatura vem sendo confirmadas - mostrando a robustez dos modelos usados. Por outro lado, com base em quê Molion projeta um período de resfriamento? Oras com base em modelos matemáticos que dão certo peso a fenômenos como a Oscilação Decadal do Pacífico e atividade solar. Mas enquanto o modelo adotado pelo IPCC vem sendo confirmado nos últimos 20 anos, o modelo de Molion vem errando nos últimos 7 anos.
Porém, o efeito estufa jamais foi comprovado, nem sequer é mencionado nos textos de física. Ao contrário, há mais de cem anos o físico Robert W. Wood demonstrou que seu conceito é falso.
O que Robert W. Wood mostrou é que em uma estufa verdadeira - daquelas casas transparentes em que se cultivam plantas tropicais - o efeito do aquecimento se dá pelo impedimento do movimento de convecção do ar aquecido. Mas não é isso o que se entende atualmente pelo nome de 'efeito estufa'. (O termo é, sim, terrível e bastante enganoso - assim como ocorre com vários outros termos de amplo uso nas ciências:
Eva mitocondrial, p.e, não se refere nem à única mulher que existiu em um período remoto, nem à única mulher que contribuiu geneticamente com os humanos atuais.)
Na
parte 1 da série sobre o Aquecimento Global Antropogênico, apresentei a definição de efeito estufa: "aumento da temperatura média de uma porção de ar (podemos considerar toda a atmosfera, p.e.) pela presença de determinados gases em certas concentrações."
O efeito estufa assim definido é amplamente comprovado: desde estudos em
laboratório e
demonstrações didáticas, até
observações interplanetárias. E é mencionado em livros-textos de física: e.g. Giordano, 2012, College Physics vol. 1 (p. 471 – Cengage Learning, 608 pp). Mas vamos supor que não fosse mencionado, há vários fenômenos que não são mencionados em livros-texto de física já que o espaço é limitado - mesmo um livro eletrônico deve ter um tamanho razoável que possa ser coberto em dois semestre de introdução à Física. Além disso, o efeito estufa é um fenômeno que se casa mais bem em um livro sobre física atmosférica - e lá encontramos menções em abundância. De modo geral, há pouca menção sobre dinâmica de atmosférica em livros básicos de física introdutória de graduação.
As temperaturas já estiveram mais altas com concentrações de CO2 inferiores às atuais. Por exemplo, entre 1925 e 1946 o Ártico, em particular, registrou aumento de 4 °C com CO2 inferior a 300 ppmv (partes por milhão em volume). Hoje, a concentração é de 390 ppmv.//Após a Segunda Guerra, quando as emissões aumentaram significativamente, a temperatura global diminuiu até a metade dos anos 1970.//Ou seja, é obvio que o CO2 não controla o clima global.
Aqui o Molion dá a entender que entre 1925 e 1946 as temperaturas globais médias foram mais altas. Não é o que os dados mostram. Vide, por exemplo, as Figs. 1 e 2 da
parte 1 da série sobre o AGA para as médias globais e para as médias locais, veja a Figura 1 abaixo.
Figura 1. Variação da temperatura superficial em Godthab Nuuk, Groenlândia. Fonte:
Giss/Nasa.
Há a variação mencionada por Molion, mas a tendência geral é de aumento da temperatura*. E mesmo com outros fatores a atuar, há correlação entre a temperatura local e a concentração atmosférica de CO2 (Figura 2). Poderia não haver, já que temperaturas locais sofrem influência de outros fatores - como padrão de massas de ar.
Figura 2. Covariação entre temperatura local em Godthab Nuuk e concentração atmosférica global de CO2. Fonte (concentração de CO2):
Giss/Nasa.
**Deve-se notar também que entre o fim da Segunda Guerra e a década de 1970, houve um grande aumento de emissão de particulados na atmosfera. A
Hipótese do Escurecimento Global leva isso em conta.Com a introdução de medidas de controle de emissão de particulados e fuligem - necessárias por conta de problemas à saúde - houve um clareamento da atmosfera a partir da década de 1970, o que deve ter levado
ao
s níveis de incidência solar de volta aos valores pré-guerra, anulando o efeito de resfriamento observado no período.
Após a Segunda Guerra, quando as emissões aumentaram significativamente, a temperatura global diminuiu até a metade dos anos 1970 // Ou seja, é obvio que o CO2 não controla o clima global..
Não é verdade. Houve diminuição, mas até meados dos anos 1950. Depois disso, a tendência de aumento voltou a ocorrer (vide as Figuras 1 e 2 da
parte 1 da série). Mas até poderia ter ocorrido tal redução. A hipótese do AGA não diz que a temperatura sempre sobe a todo instante, e sim que há uma *tendência* de aumento da temperatura média global na superfície ao longo do tempo - pode haver reduções momentâneas de temperatura (por exemplo, quando ocorre uma grande erupção vulcânica, cujas cinzas bloqueiam parcialmente a incidência solar).
A ideia não é que o CO2 *controle* o clima, mas sim que sua concentração aumentada influencie no aumento da temperatura média global.
[R]eduzir emissões significa reduzir a geração de energia e condenar países subdesenvolvidos à pobreza eterna, aumentando as desigualdades sociais no planeta.
Nope. É possível de se reduzir as emissões por meio da redução do consumo por aumento da
eficiência energética, por exemplo: algo em torno de 30% podem ser economizados. E, principalmente, pode-se reduzir as emissões pela substituição gradual da matriz energética por fontes renováveis como biomassa, eólica e solar e até algumas não renováveis como energia nuclear.
A trama do AGA não é novidade e seguiu a mesma receita da suposta destruição da camada de ozônio (O3) pelos clorofluorcarbonos (CFC) nos anos 1970 e 1980.
Suposta? A redução é medida. Vide
Figura 3 da primeira parte
da análise sobre as alegações de Felício.
Criaram a hipótese que moléculas de CFC, cinco a sete vezes mais pesadas que o ar, subiam a mais de 40 km de altitude, onde ocorre a formação de O3.
Sim, essa hipótese foi aventada. Mas Molion parece ignorar que essa previsão foi testada e... sim, *há* de fato moléculas de CFC a 40 km de altitude. Balões meteorológicos com armadilhas que fecham e capturam amostras de ar permitem que se analise a composição química da mistura gasosa a diferentes altitudes. E moléculas de CFC, a despeito de sua
densidade massa molecular, são encontradas a altitudes de 30, 40 km.
Figura 3. Perfil vertical de concentração atmosférica de CFC-11 sobre Fort Sumner, Novo México, EUA, 1996. Fonte:
NOAA. (A tropopausa fica a uma altitude entre 9 km - nos polos - e 17 km - no equador; a altitude de 50 km tem em torno de 110 mb.
Nota: O link original encontra-se quebrado, uma cópia pode ser lida
aqui.
Em 1995, os autores das equações químicas que alegadamente destruíam o
O3 receberam o Nobel de Química. Porém, em 2007 cientistas do Jet Propulsion Laboratory da NASA demonstraram que as suas equações não ocorrem nas condições da estratosfera antártica e que não são a causa da destruição do ozônio.
Por algum motivo, Molion não cita que desde
2009 a discrepância dos resultados está resolvida. A técnica usada pela equipe de Pope (pesquisador do JPL) necessitava de amostras de alta pureza do gás CFC testado para se medir o efeito catalisador. A suspeita desde o início era de que as amostras analisadas estivessem contaminadas. Usando uma técnica que não depende do grau de pureza da amostra de gás, a equipe taiuanesa de Hsueh-Ying Chen obteve uma atividade compatível com o mecanismo proposto pelos nobelistas
Molina, Crutzen e Rowland***.
*Updieite(11/ago/2012): A média da variação das temperaturas médias anuais registradas nas estações da Groenlândia é similar ao padrão de Godthab Nuuk (Figuras 4 e 5****).
Figura 4. Variação das temperaturas anuais médias nas estações de Groenlândia. Fonte:
GISS.
**
Upideite(11/ago/2012): adido a esta data.
***
Upideite(11/ago/2012): corrigido a esta data.
****
Upideite(13/ago/2012):
Figura 5. Correlação entre as anomalias das temperaturas médias anuais da Groenlândia e as anomalias das temperaturas médias anuais em Godthab Nuuk. (Base: média entre 1881-2011.) Fonte:
GISS.