Já tratei aqui no GR a respeito das críticas aos zoos; mas volto ao tema em função de um texto que vi compartilhado no facebook.
Antes, duas observações menores. A primeira: O texto diz que há somente 700 gorilas no mundo. Parece que confundiram com o gorila das montanhas (Gorilla beringei beringei), com uma população em torno de 880 indivíduos. Mas o gorila das montanhas *não* é mantido em zoos. Programas de captura para criação em cativeiro fracassaram. A espécie de gorila que vemos nos zoos é o das planícies (Gorilla gorilla),
A segunda: Também é dito que o gorila não agrediu o garoto nos 10 minutos em que ele ficou no habitáculo dos animais. É verdade, mas bom dizer que embora o gorila não tenha agredido o menino, estava arrastando-o pra lá e pra cá, inclusive na água, onde a criança corria o risco de se afogar. Se a decisão de abater o animal em vez de tentar sedá-lo (o argumento é que levaria tempo até o efeito se fazer notar) ou descer pessoal para tentar afastar o bicho do garoto (com o risco de assustar o animal e ferir o menino) foi a melhor, é passível de discussão. Embora meu desejo seja de que o primata não fosse morto, não tenho condição de avaliar a correção da decisão pelos elementos disponíveis.*
Agora o ponto principal. Para o autor do texto, o incidente é um exemplo de que os zoológicos são danosos à preservação dos animais. Bem o parque zoológico (e botânico) de Cincinnati é dos zoos modernos (apesar de ser o segundo mais antigo dos EUA) com ambientes enriquecidos e 'humanizados'. Um de seus programas de conservação envolve a reabilitação e liberação de manatis. Outro projeto é o de reprodução de gorilas. E, em agosto de 2015, comemorou-se o nascimento do 50o. (quinquagésimo) bebê gorila no zoo de Cincinnati desde o início do programa de reprodução da espécie em 1970. O tamanho do sucesso levou à necessidade de *desacelerar* o programa para impedir a introdução de um número grande de indivíduos geneticamente próximos, o que poderia reduzir a variabilidade genética da população de gorilas mantida nos EUA.
Quando se pensa no fechamento de zoos, pensa-se em sua substituição por santuários - basicamente áreas protegidas particulares. A comparação normalmente é feita com base em zoos precários contra santuários bem estruturados. Mas assim como há zoos em condições terríveis e zoos bem estruturados (caso do de Cincinnati), também há uma variedade de condições entre os santuários: dos com boa infraestrutura e pessoal capacitado a meros depósitos de animais.
Em uma análise das reservas privadas, Langholz & Lassoie (2001) concluem:
"Private reserves are no panacea for the world's biodiversity conservation woes. The total amount of land they currently protect is unknown, but it certainly represents less than 1% of the Earth's land area, with undetermined potential for expansion. As is the case with community-based natural resource management, integrated conservation and development projects, and other recent conservation themes, private protected areas represent but one option in the conservation toolbox. Like all tools, they are best used in situations that maximize their particular strengths while minimizing their weaknesses.
Privately owned parks will not and should not replace government parks. Likewise, governments should resist pressure to privatize existing public protected areas. Biodiversity benefits from having a core constituency within the government, a public agency capable of battling against competing ministries such as forestry, mining, fishing, agriculture, tourism, and other sectors that can disrupt park protection. Too much reliance on the private sector could erode crucial internal support provided by a fully staffed park agency. Similarly, excessive clamoring over private parks runs the risk of lowering political will to support publicly protected areas."
["Reservas particulares não são nenhuma panaceia para as misérias da conservação da biodiversidade mundial. A área total atualmente protegida por essas reservas é desconhecida, mas certamente representa menos de 1% da área total da Terra, com potencial não determinado para expansão. Como é o caso de manejo de recursos naturais centrado nas comunidades, projetos integrados de conservação e desenvolvimento e outros temas recentes de conservação, áreas protegidas particulares são apenas uma das opções na caixa de ferramentas da conservação. Como toda ferramenta, elas são mais bem utilizadas em situações que maximizem seus pontos fortes e minimizem seus pontos fracos.
Parques privados não devem e não irão substituir parques estatais. Assim, os governos devem resistir à pressão de privatizar as áreas públicas protegidas existentes. A biodiversidade se beneficia da existência de um núcleo representante permanente no governo, uma agência pública capaz de lutar contra ministérios adversários como das florestas, minas, pesca, agricultura, turismo e outros setores que podem contestar a proteção do parque. A dependência excessiva do setor privado pode corroer o apoio interno crucial dado por uma agência de parques completamente provida de recursos humanos. Igualmente, a grita excessiva em prol de parques privados leva ao risco de diminuir a vontade política em apoio a áreas públicas protegidas."]
Nota: O material genético do corpo de Harambe, o gorila morto, foi recolhido e pode ajudar no programa de reprodução da espécie.
*Upideite(31/mai/2016): O primatólogo Frans de Waal fala mais em sua página no facebook sobre a dificuldade da decisão tomada pela direção do zoo em sacrificar o gorila. via Andressa Menezes fb.
Upideite(31/mai/2016): O que a DCsfera está falando sobre o assunto?
31.mai.2016 Papo de Primata: Quem será responsabilizado pela morte do gorila Harambe?
02.jun.2016 Canal do Pirula: O gorila e o dilema dos zoológicos (vídeo, não vi)
Upideite(31/mai/2016): Yara de Melo Barros, do Parque das Aves, também fala sobre o episódio, sobre as dificuldades da decisão tomada e da importância dos zoo na conservação dos gorilas. via @discutindoeco tw.