O famigerado memorando que levou à demissão de um engenheiro da Google causou alvoroço (para contexto, recomendo o post do Carlos Orsi remetido lá embaixo). Entre textos e textões contra e a favor da demissão, contra e a favor das ideias defendidas no memorando (basicamente que diferenças biológicas entre homens e mulheres devem dar conta da baixa presença feminina na áreas de computação), críticas à cobertura da imprensa, análises do suporte científico apresentado... queria analisar mais detalhadamente um ponto que foi expresso na tal comunicação do engenheiro.
Em um momento, o documento insinua que as mulheres, com maiores tendências ao neuroticismo - um traço de personalidade que indica maior sensibilidade à ansiedade, ao medo, à solidão, à frustração... -, evitariam cargos que as expusessem a mais estresse, porque elas, na média, saberiam lidar menos bem do que os homens, e como a área de tecnologia envolveria muito estresse, a baixa participação feminino seria devido a isso - e não a um sexismo consciente ou inconsciente que barraria sua entrada.
Para colocar isso à prova, aproveitei-me do levantamento anual do Business Insider das profissões mais estressante. Peguei as edições de 2015 a 2017, um total de 38 ocupações foram arroladas - nem todas presentes nos três anos - e utilizei a média de pontuação dada (de 0, nada estressante, a 100, o máximo de estresse) e comparei com a razão sexual dos trabalhadores na área (quando não havia dados diretamente disponíveis, utilizei-me do proxy da população de alunos de graduação). Encontrei os dados da razão sexual para 28 das 38. Dessas, em 16 delas há mais mulheres do que homens, em 12, há mais homens. Se multiplicarmos a fração de mulheres/homens pelo índice de estresse avaliado para cada profissão, a média das 28 com dados para isso, para as mulheres, é de 48,8 pontos e, para os homens, de 46,2 pontos: em um índice que podemos chamar de S (de 'stress). (Tabela 1.)
Caso o argumento do memorando fizesse sentido, era de se esperar uma participação média bem inferior de mulheres nessas profissões tidas por mais estressantes - o que se refletiria em um S sensivelmente menor para as mulheres-, o que não parece ocorrer.
Veja também:
Carlos Orsi (11.ago.2017): O memorando do cara do Google: ofuscados pela ciência.
Obs: Os dados referem-se ao mercado dos EUA.
Upideite(05/set/2017):
Algumas pessoas objetaram que a lista elaborada pela O*NET e publicada pela Business Insider é baseada em um questionário em que os próprios funcionários respondem à pergunta sobre o quão importante é a resistência ao estresse no trabalho que desenvolvem. Não é um problema - se isso significasse que as mulheres, supostamente menos resistentes ao estresse, tendessem a reportar níveis mais altos, então nesse caso, a lista deveria ser dominada por ocupações em que as mulheres são a maioria. O que não ocorre tampouco.
De todo modo, uma lista alternativa de profissões por estresse a que os trabalhadores se expõe é da CareerCast.com. O estudo analisa 11 fatores como: necessidade de viajar com frequência, exposição da vida à risco de morte, necessidade de cumprir prazos, demandas físicas, lidar com o público e outros. A versão de 2016 é apresentada na lista abaixo ordenada do mais estressante para o menos.
Entre as 20 mais estressantes, consigo recuperar dados sobre a razão sexual para 17. Em 7 há mais mulheres e em 10 há mais homens. Entre as 30 primeiras, são 25 com dados sobre a razão sexual: em 11 há mais mulheres e em 14 há mais homens.
Novamente, sem indícios de que as mulheres sistematicamente evitem as profissões mais estressantes.
sexta-feira, 11 de agosto de 2017
Como é que é? - Mulheres evitam empregos estressantes?
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7 comentários:
Mesmo que seja verdade que as mulheres evitam empregos estressantes (talvez seja -- os dados que você obteve podem ser os melhores existentes mas ainda assim estão longe de ser os melhores possíveis), acho que seria bom. Infelizmente, por razões culturais, mulheres cuidam mais dos filhos do que os pais (devem existir bons dados para isso). Melhor que elas, em média, tenham empregos menos estressantes para cuidar melhor dos filhos.
Caro Anônimo,
Obrigado pela visita e comentário.
Bem, a questão de divisão das tarefas de criação dos filhos é outra coisa que precisamos melhorar. Não é algo que deva ficar somente a cargo das mulheres, impondo-lhes uma segunda ou terceira jornada.
[]s,
Roberto Takata
David Schmitt ja tinha dito que neste ponto o memorando pode estar errado. Mas isso não muda que estava certo no ponto sobre distribuição de interesses, que é o mais importante pois mostra que a busca de paridade não faz sentido.
Olá Takata,
O anônimo sou eu.
Sim, claro, temos que melhorar a distribuição de tarefas. Acho que tem melhorado constantemente nos últimos 30 anos. Precisa melhorar bem mais.
Mas, considerando o estágio atual apenas, é melhor que as mães evitem profissões mais estressantes.
Não li o manifesto ainda, só trechos aqui e ali.
Abraços,
Adolfo
Salve, Eli,
Não se trata aqui de negar a existência de diferenças sexuais relacionadas a certas características (comporta)mentais (afinal, já fiz um post falando de uma dessas diferenças: http://genereporter.blogspot.com.br/2016/04/como-e-que-e-sexo-nao-tem-ver-com-o.html).
Nem de falar que se deva buscar paridade necessariamente - embora eu argumente contra também dizer que a paridade não faça nenhum sentido (isso depende de outros fatores, inclusive político-ideológicos).
Aqui trata-se apenas de testar a hipótese aventada no memorando de que as mulheres poderiam buscar menos as profissões tecnológicas para evitarem o estresse.
Obrigado pela visita e comentário.
[]s,
Roberto Takata
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